sexta-feira, 3 de junho de 2011

BATALHA ESPIRITUAL - Pr.Caio Fabio - 8ª Parte

 

A Batalha Espiritual no Nível Social .

  O segundo nível de batalha espiritual é o que se dá na memória social. Os principados e potestades estão condicionados pelo arcabouço social influenciando a sociedade, ao mesmo tempo em que são limitados por ela, muitas vezes submetendo-se ou ajustando-se às circunstâncias sociais.
  Para ilustrar tal afirmação, nada melhor do que a história de Gideão, que pode ser resumida da seguinte maneira: Israel plantava trigo, o qual era roubado pelos midianitas (Juízes 6:3), os quais também invadiam a terra, com seu gado e com toda a sua gente, destruindo-a (Juízes 6:5). Deste modo, ninguém mais agüentava plantar trigo, uma vez que os midianitas sempre o roubavam. O povo começou a clamar angustiado diante de Deus, porque plantava e não comia (Juízes 6:7). Deus suscita livramento por meio de Gideão, o qual é visitado pelo Anjo do Senhor (Juízes 6:11), que lhe diz:
"(...) O Senhor é contigo, homem valente. Vai nessa tua força, e livro a Israel das mãos dos midianitas; porventura não te enviei eu?" (Juízes 6:12b e 14b).
Gideão, atemorizado, responde-lhe:
"(...) Ai, Senhor meu, com que livrarei a Israel? Eis que a minha família é a mais pobre em Manassés, e eu o menor na casa de meu pai." (Juízes 6:15).
Gideão enfrenta conflitos interiores, querendo saber se realmente fora ele ou não escolhido para tal missão, pedindo ao Anjo um sinal (Juízes 6:17):
"Se hás de livrar a Israel por meu intermédio, como disseste, eis que eu porei uma porção de lã na eira: se o orvalho estiver somente nela, e seca a terra ao redor, então conhecerei que hás de livrar a Israel por meu intermédio, como disseste." (Juízes 6:36-37).
Gideão recebeu da parte de Deus o sinal pedido:
"E assim sucedeu; porque ao outro dia se levantou de madrugada e, apertando a li, do orvalho dela espremeu uma taça cheia de água." (Juízes 6:38).
Não satisfeito ainda, Gideão pede um outro sinal:
"Não se acenda contra mim a tua ira, se ainda falar só esta vez; rogo-te que mais esta vez faça eu a prova com a lã: que só a lã esteja seca, e na terra ao redor haja orvalho." (Juízes 6:39).
Mais uma vez Gideão tem o seu pedido atendido:
"E Deus assim o fez naquela noite: pois só a lã estava seca, e sobre a terra ao redor havia orvalho." (Juízes 6:40).
Gideão, então, crê que realmente fora ele designado a cumprir a missão de destruir os midianitas. Gideão convocou a quase todo o Israel para anunciar-lhe o livramento do Senhor (Juízes 6:35). Ajuntaram-se a Gideão 32 mil homens (Juízes 7:3). Mas, o Senhor diz a Gideão:
"(...) É demais o povo que está contigo, para eu dar os midianitas em sua mão; a fim de que Israel se não glorie contra mim, dizendo: A minha própria mão me livrou." (Juízes 7:2).
O Senhor ainda diz a Gideão:
"Apregoa, pois, aos ouvidos do povo, dizendo: Quem for tímido e medroso volte, e retire-se da região montanhosa de Gileade." (Juízes 7:3a).
Tendo feito Gideão conforme o Senhor lhe ordenara, 22 mil homens voltaram para suas casas (Juízes 7:3b), ficando apenas 10 mil (Juízes 7:3b). Disse mais o Senhor a Gideão:
"(...) Ainda há povo demais: faze-os descer às águas, e ali os provarei; aquele de quem eu te disser: Este irá contigo, esse contigo irá; porém todo aquele de quem eu te disser: Este não irá contigo, esse não irá. (...) Todo que lamber as águas com a língua, como faz o cão, esse porás a parte; como também a todo aquele que se abaixar de joelhos a beber." (Juízes 7:4 e 5b).
Dos 10 mil homens que foram submetidos a tal teste, apenas 300 beberam água em pé, como gente (Juízes 7:6a), acerca dos quais o Senhor falou a Gideão:
"Com estes trezentos homens que lamberam as águas eu vos livrarei, e entregarei os midianitas nas tuas mãos." (Juízes 7:7a).
Entretanto, o coração de Gideão ainda tinha temores, dúvidas e vacilações quanto ao sucesso de sua missão. O Senhor, porém, fala a Gideão:
"Se ainda temes atacar, desce tu e teu moço para ao arraial; e ouvirás o que dizem; depois, fortalecidas as tuas mãos, descerás contra o arraial." (Juízes: 7:10-11a).
Atendendo à ordem do Senhor, Gideão, acompanhado do seu moço - Pura -, desce ao arraial, às escondidas. Chegando lá, "na moita", Gideão ouve dois homens conversarem. Naquele momento, um estava contando ao seu companheiro:
 "(...) Tive um sonho. Eis que um pão de cevada rodava contra o arraial dos midianitas, e deu de encontro à tenda do comandante, de maneira que esta caiu, e se virou de cima para baixo, e ficou assim estendida." (Juízes 7:13b).
Depois de ter relatado o sonho, o que o ouvia lhe disse:
"(...) Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, homem israelita. Nas mãos dele entregou Deus os midianitas e todo este arraial." (Juízes 7:14).
Ouvindo tal sonho, e sabendo do seu significado, Gideão volta ao arraial de Israel, e diz aos seus comandados:
"(...) Levantai-vos, porque o Senhor entregou o arraial dos midianitas nos vossas mãos." (Juízes 7:15b).
Após ouvir as palavras do Senhor, Gideão cercou o arraial dos midianitas, "(...) repartiu os trezentos homens em três companhias, e deu-lhes a cada um nas suas mãos trombetas, e cântaros vazios, com tochas neles." (Juízes 7:16).
Depois disso, disse-lhes Gideão:
"(...) Olhai para mim, e fazei como eu fizer. Chegando eu às imediações do arraial, como fizer eu, assim fareis. Quando eu tocar a trombeta, e todos os que comigo estiverem, então vós também tocareis a vossa ao redor de todo o arraial, e direis: Pelo Senhor e por Gideão!" (Juízes 7:17-18).
Dispondo, desta forma, os homens para a batalha, Gideão comanda os seus trezentos homens na luta contra os midianitas (Juízes 7:19-20), os quais ficam apavorados, e que, segundo o relato bíblico, dão "a correr, e a gritar, e a fugir." (Juízes 7:21b).
Gideão alcança a vitória com uma minoria que lutou em nome do Senhor.
Essa narrativa sobre Gideão apresenta-nos uma luta de potestades. Primeiramente, fazem-se presentes as potestades espirituais, as quais se manifestam mesmo naqueles governos que se dizem ateus, não crendo em Deus nem na existência do diabo. Não é por tal descrença que nem Deus nem o diabo vão estar ausentes. Não há nada, nem instância a mais remota possível que não esteja impregnada de realidades espirituais. Não há nenhum fenômeno humano - seja social, seja político – que não esteja penetrado por aquelas realidades. Os fenômenos sociais são mais do que eles realmente aparentam ser. Mesmo uma guerra entre povos está impregnada de forças espirituais.
O segundo tipo de potestade – entendam-se potestades como poderes – que aparecem no episódio de Gideão são as potestades políticas. Elas aparecem logo em Juízes 6:1, representadas pelos midianitas, os quais têm o poder de invadir, de saquear, de matar e de fazer guerra. A outra potestade política é Israel (Juízes 6:2), que não pode tanto, em função do eu é invadido e espoliado. Os midianitas e Israel são potestades porque são poderes.
Nesse mesmo sentido, o Palácio do Planalto, no Brasil, é uma potestade; a Casa Branca, nos EUA é uma potestade; a Casa Rosada, na Argentina, é uma potestade; nesse mesmo sentido a Câmara dos Deputados e o Senado são uma potestade; o Supremo Tribunal de Justiça também o é. São potestades, só que políticas.
A terceira potestade que aparece no episódio de Gideão são as potestades econômicas que se manifestam na luta pelo trigo:
"Porque cada vez que Israel semeava, os midianitas e os amalequitas, como também os povos do Oriente, subiam contra ele. E contra ele se acampavam, destruindo os produtos da terra até à vizinhança de Gaza, e não deixavam em Israel sustento algum, nem ovelhas, nem bois, nem jumentos." (Juízes 6:34).
Em Juízes 6:11, descobre-se que era o trigo o principal motivo pelo qual os midianitas eram levados a saquear Israel:
"(...) estava malhando o trigo no lagar para o pôr a salvo dos midianitas." (Juízes 6:11b).
Nesse sentido, cada plano econômico é uma potestade; cada pacote econômico é um poder também de natureza espiritual, pois ajuda a determinar a resposta que as pessoas dão a Deus e ao mundo.
A quarta potestade que aparece no cenário da luta de Gideão contra os midianitas são as potestades culturais, que têm a ver com memórias, - símbolos, representações, meios de comunicação.
Em Juízes 6:25, fala-se em Baal, em poste-ídolo, e numa série de outras coisas que já haviam sido incorporadas ao patrimônio religioso-cultural do povo israelita.
É nesse contexto que se dá o chamamento de Gideão para libertar a Israel. A vitória dele precisa ser entendida a partir do sonho do soldado midianita, narrado em Juízes 7:13-14.
Gideão é a expressão do pão roubado, que volta como um bumerangue:
"(...) Tive um sonho. Eis que um pão de cevada rodava contra o arraial dos midianitas." (Juízes 7:13).
A história da região é a história do trigo. O soldado sonha com o pão que é feito com o trigo que é roubado por ele mesmo. O que ele começa a sentir é culpa, a qual começa a ocupar a sua mente, até mesmo quando dorme, em sonhos, em pesadelos, fragilizando-o, não só a ele, mas a todos que estão no arraial dos midianitas.
Embora sempre invadindo, saqueando, roubando, matando e usurpando, tais atitudes começam a fazer mal aos midianitas, que sabiam no íntimo de seus corações que seria o próprio pão, feito com o trigo roubado por eles, que os destruiria. Tal qual um bumerangue que é arremessado por uma pessoa, mas que volta ao mesmo ponto de onde foi lançado. É algo que vai, mas que volta. O pecado é assim também.
A Bíblia diz que a planície entre a fonte de Harode até o outeiro de Moré (Juízes 7:1) estava cheia de midianitas, amalequitas e de povos do Oriente para saquearem a Israel, mais uma vez:
"Os midianitas, os amalequitas e todos os povos do Oriente cobriam o vale como gafanhotos em multidão; e eram os seus camelos em multidão inumerável como a areia que há na praia do mar." (Juízes 7:12).
Mas, segundo a Palavra de Deus, quando os trezentos homens de Gideão gritam "Espada pelo Senhor e por Gideão!" (Juízes 7:20b), eles saem "a correr, e a gritar, e a fugir." (Juízes 7:21b).
Foi o Espírito Santo que infundiu medo no coração de toda aquela gente apavorada que corria gritando, desesperadamente. Mas o Espírito do Senhor utilizou um fenômeno psicossocial: uma culpa acumulada durante anos a qual os fragilizou.
O que aprendemos no episódio da luta de Gideão contra os midianitas, que pode nos ajudar a discernir a atuação de principados e potestades na memória social de um povo?
Em primeiro lugar, aprendemos que a culpa social sempre se volta sobre a sociedade responsável por ela. Quem viver ainda verá os sérvios se autodestruindo: ninguém que violenta mães na frente de seus filhos; ninguém que rouba, mata e estupra crianças passará impune sem que tais ações se voltem sobre suas próprias cabeças. Ninguém também assola, ninguém mata, ninguém rouba, ninguém adultera, ninguém explora sem que todos esses pecados e suas conseqüências voltem sobre quem os praticou. Podem até demorar, mas sempre voltam.
Em segundo lugar, aprendemos que a culpa social pode transformar-se em inconsciente coletivo. A sociedade que está praticando injustiça, perversão, idolatria, iniqüidade vai sendo penetrada em seu inconsciente por tais coisas, redundando em sonho, pesadelo, suor frio à noite, em noite mal dormida, em estresse noturno, que vai minando, fragilizando a mente humana.
Uma das coisas mais curiosas para mim seria poder fazer uma pesquisa sobre com o que os brasileiros sonham.
Em terceiro lugar, aprendemos que a culpa social pode transformar-se em consciência coletiva. Há uma culpa que se acumulou, indo para o inconsciente, mas que volta numa consciência esmagadoramente poderosa e fragilizante. O sonho do soldado midianita é inconsciente (Juízes 7:13b), mas, de repente, transforma-se em consciente, porque ele sonhou, e lembrou-se do que sonhou. Às vezes, o indivíduo acorda mal-humorado, e não sabe o porquê; trata mal a mulher, e também não sabe o porquê; bate nos filhos, e não sabe o porquê; tem vontade de matar o vizinho, e não sabe o porquê; olha para a empregada com culpa, e não sabe o porquê; se é empresário, vê o seu empregado triste, desmotivado, e não sabe o porquê. Mas chega uma hora em que todos esses motivos obscuros saem do nível do inconsciente, voltando ao nível da consciência.
A prova de que o sonho do soldado midianita já tinha se tornado numa obsessão, num pesadelo na cabeça de todos eles, é que ao contar o sonho, o que o ouvia interpreta-o de imediato:
"(...) Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, homem israelita. Nas mãos dele entregou Deus os midianitas e todo este arraial." (Juízes 7:14).
O sonho do soldado era o mesmo que povoava a mente de todos os soldados midianitas, de modo que, quando um sonhou, o outro teve logo a interpretação:
"- Sonhei com um 'pão-bumerangue', que dava sobre a tenda do comandante e a derrubava ao chão."
"- É Gideão, que vem sobre nós para destruir-nos."
As potestades espirituais, sejam elas boas, sejam elas más, agem no espaço de fragilidade da sociedade, tornando-a extremamente vulnerável. Quando a sociedade chega a esse ponto, tudo pode acontecer. Se gritarem "(...) Pelo Senhor e por Gideão!" a sociedade cai; mas, se gritarem "Por Chico Xavier!", ela também cairá. Quando a sociedade chega a esse ponto, é a hora de a Igreja discernir as forças espirituais que estão agindo no ambiente social onde ela está inserida, anunciando o Reino e a Salvação de Deus, em nome de Jesus.
No caso de Gideão, é um Anjo do Senhor que está à frente. Mas, no caso dos alemães, na época da 2.ª Guerra, foram potestades diabólicas, que arregimentaram o pais inteiro para matar e nem sentir que matava. No Rio de Janeiro, atualmente, estamos presenciando as duas frentes: de um lado, estão as potestades diabólicas agindo com um poder avassalador de morte; de outro, porém, muitas e muitas almas se convertendo; sambistas e macumbeiros indo a Jesus. É hora de ver quem é que vai gritar mais forte.
O que é preciso ter é convicção de que o Brasil está maduro. As pessoas estão sonhando, porque a iniqüidade se acumulou. O tempo chegou. É hora de gritarmos forte "Por Jesus e pelo Senhor!", e todas as demais forças cairão, em nome de Jesus.
É por isso que a Bíblia diz que o pecado não encheu ainda a medida de certos povos (Gênesis 15:16b). Eu, particularmente, não entendia isso.
Algum tempo atrás, Israel assinava o acordo de paz com os palestinos. Naquele episódio, via a ironia da História: primeiro, Israel vence ao forte, quando era fraco; sente-se fortalecido com isso, até mais do que deveria realmente ser. Em contrapartida, os palestinos começaram a fazer guerrilhas e mais guerrilhas, até que desistem. Os jovens palestinos vão para as ruas e começam a atirar pedras (é a história de Davi e Golias, ao contrário: Israel é Golias e os jovens palestinos, Davi). Jogaram tantas pedras, que Israel assinou o acordo com os palestinos. Fora mais fácil para Israel enfrentar guerrilhas e guerrilheiros do que pedradas de jovens desarmados.
No Brasil, já chegou o tempo. É hora de aproveitarmos, porque esse tempo vai, esse tempo vem, mas, às vezes, não volta. Assim como as consciências se sensibilizam, as consciências sociais também se petrificam. Chegou, portanto, o momento de gritarmos pelo Senhor Jesus, aqui no Brasil, enquanto as consciências estão sensíveis.

A Batalha Espiritual no Nível Cultural

Em Marcos 5:1-20 é narrada a história do endemoninhado gadareno. Ao atravessar o mar da Galiléia, chegando à cidade de Gadara (Marcos 5:1), vem ao encontro de Jesus um homem possesso de espíritos imundos (Marcos 5:2). Segundo o próprio texto bíblico, tal homem "vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo; porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebrados por ele e os grilhões despedaçados e ninguém podia subjugá-lo" (Marcos 5:3-4).
Ao defrontar-se com Jesus, Este lhe falou:
"(...) Espírito imundo, sai desse homem!" (Marcos 5:8b).
O endemoninhado retrucou:
"(...) Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes." (Marcos 5:7).
Jesus, em contrapartida, pergunta ao espírito que fala:
 "(...) Qual é o teu nome?" (Marcos 5:9a).
E o espírito Lhe responde:
"(...) Legião é o meu nome, porque somos muitos." (Marcos 5:9b).
Então, ao serem ordenados que saíssem daquele homem, os espíritos Lhe rogaram "encarecidamente que não os mandasse para fora do país." (Marcos 5:10).
Mas, por que os demônios suplicaram a Jesus que não os mandasse para fora daquele país? Porque haviam se especializado em infernizar gadarenos, conhecendo sua antropologia, sua história, sua cultura.
Os demônios, então, pediram-Lhe que os deixasse entrar nos porcos que pastavam por ali. Jesus o permitiu.
E, saindo do corpo daquele homem, os demônios dirigiram-se a uma manada de porcos, que, conforme a Bíblia, era constituída de aproximadamente dois mil porcos (Marcos 5:13), os quais, infestados de espíritos malignos, precipitaram-se "despenhadeiro abaixo, para dentro do mar, onde se afogaram." (Marcos 5:13).
Os porqueiros, ao verem o que acontecia, entram em pânico. Uma "lei econômica" que Jesus estabelece é que a propriedade privada precisa ser respeitada até o ponto em que a sua manutenção não esteja destruindo a vida humana. Quando se chega a tal ponto, a propriedade privada tem de ser usada para salvar vidas.
Os porcos se precipitam no mar, morrendo afogados. Os porqueiros ficam apavorados, porque do ponto de vista econômico, eles sofreram uma grande perda.
Indo ao encontro de Jesus, os porqueiros "viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo; e temeram." (Marcos 5:15).
E, vendo isso, pedem a Jesus que Se retire daquela cidade (Marcos 5:17), porque eles não conseguiam viver com a lucidez.
O que é que se pode aprender com essa história, que, embora sendo a história de um homem, ela é mais do que isso: ela é a história de uma cultura, de uma sociedade.
A primeira é que as dez cidades - Decápolis dentre as quais Gadara (ou Gerasa) - haviam sido fundadas por Alexandre, o Grande, daí sua origem grega (Decápolis), as quais foram ampliadas pelos seus sucessores, ficando no meio dos reinos que sucederam o reino de Alexandre (acerca dos quais já se falou no capítulo anterior), ou seja, ao norte a Síria, onde ficava o reino dos Selêucidas, e o outro ao Sul, no Egito, onde era o reino dos Ptolomeus. Decápolis ficava entre esses dois reinos, portanto, Gadara também. Daí, quando houve desentendimento entre os selêucidas e os ptolomeus, Gadara também se tornou campo de batalha. Ora esta cidade ficava sob o domínio dos selêucidas, ora sob o domínio dos ptolomeus. E, depois de estar alternadamente sob o jugo selêucida e sob o jugo ptolomaico, ocorre a Revolta dos Macabeus, ficando agora Gadara sob o jugo judaico. Depois desse período de domínio judaico, apoderam-se de Decápolis os romanos, que impõem sua língua, seu regime de governo, suas manifestações religiosas, suas leis, enfim, uma nova cultura. Nesse período de domínio romano, dá-se uma nova revolta dos judeus, a qual é sufocada, e o governo daquelas dez cidades é dado a Herodes, que começa a fazer obras "faraônicas" em todas elas. Depois desse período de governo de Herodes, o próprio César, o Augusto, toma o poder.
O Novo Testamento alterna o nome da cidade do "gadareno", ora chamando-a de Gadara, ora chamando-a de Gerasa. Mas é esta última que nos ajuda a entender a mensagem do texto em questão. Trata-se de uma curiosidade interessante sobre o nome Gerasa. Ele vem do hebraico "Gers", que significa expulsar, tirar de dentro, expelir. Isso reflete toda a conturbada história sócio-política não só daquela cidade, como também das outras nove. Porque com todo "entra-e-sai" das forças que disputavam o poder naquela região, criou-se uma cultura de possessão. Portanto, a cidade de Gerasa (ou Gadara) tem um nome que desenvolve e denuncia tal estado de coisas, qual seja, o de possessão. Era uma sociedade que "se acostumara" à invasão, à possessão. Na cidade de Gerasa - que tem uma cultura que assimilou e que absorveu a idéia da possessão política, econômica, social - o diabo usa esse estado de coisas. Com isso se aprende que os fenômenos sócio-político-econômicos não são estanques, mas que podem ser manipulados por forças espirituais para esmagarem seres humanos, espiritualmente.
A história do gadarenos ajuda-nos a compreender que havia naquela cidade uma cultura de possessão. Porque as sociedades, quando adoecidas, "abrem a porta" para o diabo entrar nelas, e agir nas mentes humanas.
Observe-se que há uma cultura entre a cidade e a possessão, uma vez que há uma relação estranha e doentia entre a cidade de Gerasa e seu possesso "de estimação". Como se sabe disso? A Bíblia nos diz que ele vivia nos sepulcros (Marcos 5:3), mas não morria de fome. Por quê? Porque aparecia sempre um pratinho de comida, um pedaço de pão, uma garrafa d'água ou de vinho ao lado da sepultura toda manhã. A sociedade dos gerasenos mantinha o possesso, a "besta". A cidade fazia cadeias para serem quebradas, porque a Bíblia diz que grilhões e cadeias eram postos nele, os quais eram quebrados (Marcos 5:4). Eu, pessoalmente, não acredito na resistência daquelas cadeias e grilhões que lhe eram postos. Isto porque, se se quiser fazer corrente resistente para possesso algum quebrar, isso é possível. Quebra-se o braço; a corrente não. Porque até a possessão demoníaca tem limites, que é o limite físico da resistência do osso de um possesso. O possesso fica com uma força sobre-humana, enquanto o osso agüenta. Por exemplo, uma menina possessa, às vezes, consegue jogar ao chão dez ou quinze homens; mas não joga cinqüenta. Mesmo o poder diabólico agindo no corpo humano, tem um limite, que é o limite do corpo.
No entanto, para o endemoninhado gadareno eram feitas correntes para serem quebradas por ele. De alguma forma há uma mórbida situação de contentamento em se ver o possesso quebrar as correntes. Os moradores daquela cidade não conseguiam quebrar as correntes sócio-político-econômicas dos povos que os invadiram, mas há um dentre eles que consegue quebrar todo tipo de corrente, num "espetáculo de liberdade".
A cidade tem uma relação doentia com o possesso, porque ela o quer possesso. No momento em que Jesus "despossessa" o possesso, seus moradores ficam aborrecidos, porque Jesus acabou com o seu "espetáculo".
Aprende-se com isso que, de algum modo, as sociedades precisam de seus possessos, de seus loucos, de seus doentes. As sociedades não podem sofrer a sua própria violência, a sua própria impotência, a sua própria frustração sem uma válvula de escape. Torna-se imprescindível que haja o gadareno, e muitos "loucos" para que outros possam se achar normais.
Não se pode viver sempre com ódios revolucionários. Por isso tem que se vazar toda a frustração social, política, econômica, cultural, emocional e sexual de todo tipo num ser que carrega em si toda a nossa miséria e amargura.
A Igreja também precisa de seus doidos, para se sentir mais normal. Quando estão todos normais, ninguém gosta, sendo preciso haver um maluco, para que todos possam conversar teologicamente, doutrinariamente, metodologicamente, etc. Aparecem, então, os loucos, os possessos, os monstruosos, os suicidas, os hereges e os charlatães.
Se se quer entender quais são as potestades que estão operando na cultura brasileira, não é preciso fazer pergunta a endemoninhado:
"- Qual é a potestade que está atuando no Brasil? Fala, demônio!"
Não é preciso nada disso! Basta ouvir Raul Seixas. Por quê? Porque quando se fala nele, fala-se de tantos outros que estão vazando loucura. Nas suas músicas, ele diz um monte de esquisitices, mas que muita gente gosta. E um dado interessante sobre ele, que é um "gadareno cultural" do Brasil: quando ele estava vivo, as pessoas lhe estavam dando "pratinho", "corrente" para ele quebrar, etc. Até que ele morreu e transformou-se em ídolo. Talvez seja ele a primeira pessoa na nossa cultura, a tornar-se ídolo depois de morto no Brasil.
É um fenômeno quase que religioso. Por quê? Muitas pessoas da nossa sociedade, quando ele estava vivo, davam-lhe o "pratinho", sustentando-o. Ainda que não houvesse muita identificação entre ele e a sociedade que o mantinha, era importante a sua existência. Quando ele morre, não havendo mais a possibilidade de projetar nele tudo o que ela queria, a sociedade começa a cultuar a sua memória, para mantê-lo vivo, porque ele precisa estar vivo, com toda a sua loucura, a fim de que a sociedade possa se sentir um pouco mais sã.
Dentro da Igreja evangélica brasileira esse mesmo fenômeno está acontecendo.
A história do gadareno também nos ajuda a discernir a relação entre a dimensão sócio-política e suas conseqüências espirituais sobre a vida dos indivíduos. As situações sócio-políticas têm suas conseqüências e implicações na vida espiritual das pessoas. Observe-se que todo drama sócio-político-cultural de toda a cidade de Gadara afeta a vida do indivíduo. Talvez aquele endemoninhado tivesse nascido uma pessoa sensibilíssima; podia ser o maior poeta, ou o maior músico daquela cidade. Geralmente, o diabo esmaga as pessoas mais sensíveis. Raramente se vê um indivíduo bruto, possesso. Quase sempre é uma alma sensível que cai nas mãos do diabo. Ele vê aquilo que ninguém vê; sente o que ninguém sente. Desde pequeno, algo estranho começa a nascer dentro dele. Sentimentos de frustração e de amargura vão brotando no seu interior, fragilizando-o. Até que o diabo usa essa fragilidade individual da personalidade, das emoções, da auto-imagem, entrando dentro dele, destruindo sua vida, até o dia em que Jesus chega e diz:
"- Sai dele, espírito imundo!"
Libertando-o do diabo e dos demônios que estavam dentro dele, Jesus o desoprime de toda carga maligna que estava sobre ele.
Não adianta dizer que se vive com Deus e com Jesus - aqui no Brasil - e dizer que não se dá a mínima importância aos acontecimentos sociais, culturais, políticos e econômicos, porque se é de outra esfera. Não adianta dizer isso. Agindo assim, algumas pessoas tentam negar que vivem no Brasil.
Certa vez um pastor me falou que não conseguiu ficar numa certa igreja, porque ele tinha que fazer um "suicídio intelectual", uma vez que, ao chegar lá, um irmão, líder da igreja, dizia assim, no início do culto:
"- Irmãos, vamos repetir: No meu país não tem inflação! No meu país não tem inflação! No meu país não tem inflação! No meu país não tem inflação! Meu dinheiro não corrói! Meu dinheiro não corrói! Meu dinheiro não corrói! Meu dinheiro não corrói!"
Tal pastor ficou naquela igreja durante um ano, ouvindo essas coisas. No entanto, naquele período, 30% de inflação ao mês. E a coisa piorou mais ainda quando aquele mesmo irmão, líder da igreja, começou a dizer assim:
"- Olhe para a sua mulher e diga: Minha mulher é bonita. Minha mulher é bonita. Minha mulher é bonita. Minha mulher é bonita."
Aquele pastor me disse que, se a relação era a mesma, em que ele dizia que não havia inflação, mas havia, e se aquele irmão está mandando dizer que a nossa mulher é bonita, é porque, de fato, não é.
De outra vez, conversando com um empresário, ele me disse:
"- Eu nem quero saber mais! Não quero saber de coisa alguma. Eu não estou nem aí para o Brasil. Eu estou vivendo bem, sem conseqüência alguma da crise."
Essa conversa foi algum tempo atrás. Outro dia, conversando com o mesmo empresário, ele já não se sentia o mesmo. Por quê? Porque nenhum de nós que vive no planeta Terra consegue se desvincular das realidades políticas, sociais e econômicas, vivendo como se elas não trouxessem nenhuma ingerência espiritual à vida. Porque, conquanto sejam de natureza sócio-político-econômica, o diabo usa a conjuntura, as circunstâncias do momento histórico e a espiritualidade que tais forças em conjunto geram para influir na mente e na alma das pessoas, deprimindo-as, desgraçando-as, oprimindo-as, desvalorizando-as em sua autoimagem, "gadarenizando-as" enfim.
O gadareno foi também vitimado pela dimensão sócio-política nas seguintes áreas: ele se feria com pedras por uma sociedade que se odiava por não poder ser livre. Ele quebrava as cadeias de um povo que ansiava por libertação, mas não sabia como tê-la. Ele era a expressão mais livre e organizada e uma sociedade oprimida e desorganizada. Por isso quando Jesus lhe pergunta o nome, os demônios que o possuem verbalizam um outro anseio: legião, a qual era a forma mais organizada de coletividade naqueles dias, que era a legião romana. Ele é o único que denuncia o opressor: os romanos, que estavam no país, mais que eram indesejados ali, mas para os quais ninguém tinha coragem de dizer isso. Só aquele homem, lançando mão do "pré-requisito" de ser possesso, pode falar o que quiser, porque o doido pode falar o que quiser. Até Davi, quando ameaçado de morte, e querendo escapar, fez-se de doido (I Samuel 21:12-14). O gadareno endemoninhado denuncia como o opressor? Quando interrogado por Jesus acerca de seu nome, ele responde:
"- Legião, porque somos muitos."
Ele, com isso, está explicitando dois desejos: o do diabo, ao querer continuar destruindo aquela vida, e o dos romanos, de continuarem ali, exercendo o poder naquela região. O diabo e Roma tinham os mesmos objetivos: oprimir e destruir a vida humana.
Assim, descobrimos que doenças "psicodemoníacas" também podem ser produzidas - pelo menos agravadas - por conflitos de classe, por exploração econômica e política, por conflitos entre tradições que são quebradas, por revoluções, por violência urbana, por impotência humana, por abusos, por culpa, por revolta, por ódio, pela frustração sócio-econômica, e pela corrupção e pela injustiça institucionalizadas. Se vemos tudo isso acontecer no Brasil, tais coisas não acontecem apenas nos níveis em que os sociólogos, psicólogos, psiquiatras, cientistas sociais e políticos, e tantos outros especialistas dizem estar acontecendo; mas elas criam cunhas, que lascam, abrindo passagens para dentro da espiritualidade geral do país, oportunizando ao diabo, por tais vias, embrenhar-se por elas, a fim de arruinar a alma das pessoas.
A melhor maneira de discernir os espíritos que operam numa sociedade é mediante a compreensão da cultura nacional. Os demônios nunca se tomam totalmente autônomos em relação à realidade histórica, precisando eles de veículos para se manifestarem. Quando atuam em pessoas, eles querem corpos; quando querem atuar mais amplamente, precisam de culturas, de sociedades, de sistemas políticos e econômicos.
A cidade mais mal sucedida em termos de evangelização no país é Uberaba. A maior parte das cidades brasileiras hoje tem, no mínimo, de 10 a 15% de crentes na população, algumas já chegando a 40%. Anápolis tem um índice elevado, bem como Londrina e Goiânia; alguns municípios do Rio de Janeiro apresentam um índice elevadíssimo de população evangélica. Mas, Uberaba tem em torno de 2% de população evangélica, como sinal da influência espírita naquela localidade.
Uma coisa estranha é que Uberlândia - cidade vizinha a Uberaba - é uma cidade próspera, cuja Igreja cresce, sendo a "Disneylândia" do Triângulo Mineiro, provocando um complexo de inferioridade nos moradores de Uberaba, que pode ser verificado quando se conversa com os seus habitantes:
"- Ah!... Lá em Uberlândia as coisas acontecem... Aqui, não!"
Uberlândia - cuja origem do nome é algo americanizado, portanto de Primeiro Mundo - procede de "Uber", que significa farinha e de "Land" que significa terra; portanto Terra da Farinha. No entanto, Uberaba significa Terra da Farinha Podre. Indagando acerca do significado do nome dessa cidade, encontrei outra significação: "terra da curva do rio não-sei-de-que amaldiçoado" . As significações do nome de tal cidade só traduzem desgraça.
A importância das relações culturais é algo inegável. Não só as de nível nacional, como também as de um bairro, as de um município, as de uma cidade. Por que São Paulo é São Paulo, e o Rio é o Rio? Não há, apenas, quatrocentos quilômetros separando essas duas cidades. Há, também, algo mais que as distingue. Em São Paulo, sente-se uma "coceira" por se ganhar dinheiro; no Rio, sente-se uma vontade de "soltar a franga" e "liberar geral".
Desculpem-me os cariocas!
Eu queria desafiar os cristãos de Uberaba a transformarem a sua cidade de Terra da Farinha Podre em Terra do Pão da Vida, em nome de Jesus.
O que se pode fazer para enfrentar as potestades sócio-político-cultural-econômicas no nível individual?
A primeira é submissão à Palavra. Volte-se para a Palavra, como Jesus o fez: "Está escrito". Livros evangélicos são ótimos, mas nossa fonte de orientação e submissão é a Bíblia, a Palavra de Deus. Se tiver que escolher entre algum livro, fique, sempre, com a Palavra do Senhor.
A segunda coisa para enfrentar essas potestades no nível individual é praticar o bom senso, não se "estupidificando", não pulando do pináculo do templo. Jesus disse: "Não tentarás o Senhor teu Deus".
A terceira é resistir ao diabo. Jesus disse: "Retira-te, Satanás". É necessário falar, repreendendo o demônio, uma vez que isto é feito no nome de Jesus.
Se fizermos essas três coisas - submissão à Palavra, prática do bom senso e resistência ao diabo - ele, o diabo, fugirá de nós, conforme nos diz a Palavra de Deus:
"(...) mas resistí ao diabo, e ele fugirá de vós." (Tiago 4:7b).


Fonte: Batalha Espiritual - Caio Fabio

Pesquisa: Pr. Charles Maciel Vieira

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