Nono e décima perseguições gerais
(274-306)
DECADÊNCIA ESPIRITUAL DOS CRISTÃOS
Depois dum descanso de uns vinte e oito anos, tornou a mesquinha mão do homem a estender-se para continuar a perseguição, e o imperador fez o último e desesperado esforço para exterminar a religião tão odiada. Historicamente, foi este o último e decisivo conflito entre o paganismo e o cristianismo. Durou dez anos, e foi sem dúvida a mais desoladora de todas as perseguições. A segurança tranqüila, que a Igreja desfrutara desde a morte de Aureliano tinha produzido uma tal inação nos cristãos, que a sua condição levantou um certo sentimento de vergonha no coração de muitos, misturado com o receio de que o desagrado do Senhor estivesse pendente sobre as suas cabeças. Em conseqüência da sua infidelidade, a Igreja tinha diminuído muito em poder espiritual, mas tinha aumentado em soberba e ambição mundana; e a simplicidade de seu culto quase se ofuscou por ritos mais judaicos que cristãos.
E isto ainda não era tudo. Muitos empregavam os seus dons espirituais em ostentação em vez de os empregarem em edificação; e aqueles que tinham o privilégio de poder alimentar o rebanho de Deus, descuravam o seu encargo sagrado e ocupavam-se na acumulação de riquezas. Os bispos, cujo verdadeiro dever era servir ao povo e trabalhar pessoalmente entre os pobres e os doentes, tornavam-se numa grande ordem sacerdotal, e procediam como "tendo domínio sobre a herança de Deus". Estes tinham empregados às suas ordens e já não seguiam a hospitalidade de que Paulo falara como sendo uma qualidade indispensável aos bispos, mas recebiam um salário, tornando-se dependentes dos ganhos alheios.
Antes de ter passado um século, ouviu-se um pagão dizer: "Façam-me bispo de Roma, que eu logo me tornarei cristão".
Na verdade, a distinção entre o clero e os leigos procedia deste sistema de tirania espiritual; e daqui provinham por sua vez, aqueles medonhos abusos da Idade Média, que mais tarde foram condenados em parte (se bem que por razões políticas) pelo arrogante e ousado Hildebrando, quando subiu à cadeira papal.
Além disso, a paz inteira das assembléias era constantemente perturbada pelas discussões. Havia contínuas disputas entre os bispos e os presbíteros, por causa das altivas pretensões dos primeiros, que exigiam superioridade na igreja, superioridade esta que os últimos não queriam de modo algum conceder. Nos primeiros tempos do cristianismo aqueles dois títulos haviam sido considerados iguais, e só perto do fim do segundo século é que o costume conseguiu colocar um acima do outro. A controvérsia foi longa e amarga, e enquanto os pastores assim lutavam uns com os outros, as ovelhas morriam de fome, e os lobos daninhos estavam-se introduzindo no meio delas, não poupando o rebanho.
PERSEGUIÇÃO NO REINADO DE DIOCLECIANO
No meio deste triste estado de coisas, começou a perseguição no reinado de Diocleciano. Este tirano, soberbo e selvagem, ocupava o trono havia já dezenove anos, e durante esse tempo tinha associado ao seu governo três outros opressores como ele: Maximiliano, Galério, e Constantino Cloro, pai de Constantino, o Grande.
Galério, que odiava os cristãos, era genro do imperador, e exercia uma influência fatal sobre ele. Persuadiu-o de que o cristianismo se opunha aos melhores interesses do povo, e que o meio de fazer reviver as antigas glórias do império era arrancar pela raiz aquela odiosa religião e destruí-la completamente.
Para melhor atingir o seu fim, procurou o auxílio dos sacerdotes pagãos e dos mestres de filosofia que, pelas suas palavras e influências, bem depressa levaram o imperador a partilhar das idéias deles.
Publicaram-se então quatro editos ao todo; o primeiro, ordenando a destruição de todas as igrejas e dos escritos sagrados - edito este sem dúvida instigado pelos filósofos; o ! segundo, determinando que todos os que pertencessem às ordens, clericais fossem presos; o terceiro, declarando que nenhum seria solto a não ser que consentisse em oferecer sacrifício; e o quarto mandando que todos os cristãos em qualquer condição em toda parte do império, oferecessem sacrifício e voltassem a adorar os deuses, sob pena de morte em caso de recusa.
Logo que o primeiro edito apareceu em Nicomédia (a nova capital do império) foi rasgado por um cristão indignado. No lugar dele deixou estas palavras de desprezo: "São estas as vitórias dos imperadores sobre os godos". Este ato de zelo custou-lhe bastante caro, pois sofreu as torturas que lhe infligiram: Foi queimado vivo num fogo lento.
Tendo rebentado uma conflagração no palácio do imperador, acusaram os cristãos do ato, e por isso aumentou a violência da perseguição. Em menos de quatorze dias, o palácio estava outra vez em chamas, e a cólera de Diocleciano que já então estava muito inquieto, tornou-se terrível. Os oficiais da casa imperial, e todos quantos moravam no palácio, foram expostos às mais cruéis torturas. Diz-se que por ordem, e em presença de Diocleciano, Prisca e Valéria, (mulher e filha do imperador) foram obrigadas a oferecer sacrifícios; os poderosos eunucos Doroteo, Jorgino e
Andrias sofreram a morte; Antino, bispo de Nicomédia, foi decapitado. Muitos foram executados, outros queimados, outros amarrados e com pedras atadas ao pescoço levados em botes para o meio do lago, e ali lançados à água.
Ao oriente e ocidente de Nicomédia as perseguições tornaram-se violentas e furiosas, e a única província romana que escapou a esta medonha tempestade foi a Gália. Era ali que residia Constantino, o único governador que protegia os cristãos; os outros eram implacáveis e não tinham remorsos. Mas Diocleciano sentiu-se por fim cansado de tão medonho trabalho, e no ano seguinte entregou as rédeas do governo. O seu colega Maximiano seguiu-lhe o exemplo imediatamente, e Galério reinou como único senhor do Oriente até que seu sobrinho, um monstro igual a ele, obteve o governo da Síria e do Egito sob o título de Maximiano II.
Ser-nos-á impossível falar de todos os mártires cujos nomes estão ligados a esta perseguição, pois devem ter sido contados por milhares durante estes tristes dez anos.
No Egito, os cristãos sofreram o martírio aos grupos, tendo havido dia de sessenta a oitenta mortes. Romano, o diácono de Antioquia, quando foi ameaçado com a tortura, exclamou: "Oh! imperador, recebo gostosamente a tua sentença; não me recuso a ser torturado a favor dos meus irmãos, ainda que seja pelos meios mais cruéis que possas inventar".
Quando o executor hesitava em continuar o seu terrível trabalho, em conseqüência de a vítima pertencer à nobreza, Romano disse: "Não é o sangue dos meus antepassados que faz com que eu seja nobre, mas sim a minha profissão cristã". Depois de ter recebido muitas feridas no rosto, exclamou: "Agradeço-te capitão, por me teres aberto tantas bocas pelas quais eu possa pregar o meu Senhor e Salvador Jesus Cristo".
MAIS MÁRTIRES
Outro a quem perguntaram durante o seu interrogatório: "Por que é que conservas as Escrituras que são proibidas pelo imperador?" Respondeu: "Porque sou cristão; nas
Escrituras está a vida eterna: e quem as despreza perde essa vida eterna".
Uma menina de treze anos, filha de um fidalgo de Emérita, dava louvores a Deus no meio das torturas, dizendo: "Oh! Senhor eu não te esquecerei! Que boa coisa é para aqueles que se lembram dos teus triunfos, oh! Cristo, e que atingem estas altas dignidades!" Outra também, uma senhora rica chamada Julieta, enquanto as chamas a envolviam, exclamava: "Oh! minhas irmãs, abandonai a vida que gastais nas trevas, e amai a Cristo - o meu Deus, meu Redentor, meu Consolador, e que é a verdadeira Luz do mundo. Que o Espírito de Deus vos faça convencer de que há um outro mundo no qual os adoradores dos ídolos e demônios hão de ser eternamente atormentados, e os servos do Deus verdadeiro serão eternamente coroados".
Foi este o seu fiel testemunho.
MORTE DOS PERSEGUIDORES
Façamos a comparação entre essas cenas triunfantes e o fim miserável dos grandes perseguidores do cristianismo.
Nero, Diocleciano, e Maximiano suicidaram-se. Domiciniano, Cômodo, Maximínio e Aureliano foram assassinados. Adriano morreu em agonia gritando: "Quão desgraçado é procurar a morte e não a encontrar! "Décio, cuja retirada foi impedida durante uma emboscada, morreu miseravelmente, e o seu corpo foi presa de abutres e animais ferozes. Valeriano depois de ser preso por Sapor rei da Pérsia, foi empregado como um banco onde esse rei punha os pés quando montava o seu cavalo; e depois de sofrer durante sete anos este e outros insultos, foram-lhe arrancados os olhos e esfolaram-no vivo. Maximínio teve uma morte lenta e horrorosa; e, finalmente, Galério, o príncipe dos perseguidores, foi atacado de uma doença terrível que o condenou a um contínuo martírio. Foram consultados os médicos, em vão, e assim como Antíoco Epifânio e Herodes, que foram tão cruéis quanto ele, foi o seu corpo comido de bichos.
Mas o período da história que está indicado na carta escrita ao anjo da igreja em Esmirna (Ap 2.8-11) tinha chegado ao seu fim. Aquela mística intimação do cabeça da igreja: "Vós tereis tribulações por dez dias", tinha sido cumprida; e as dez perseguições do império romano pagão tinham passado à história. A décima durou dez anos, mas mesmo essa acabou, e então o período que corresponde ao tempo indicado na carta dirigida ao anjo da igreja em Pérgamo (Ap 2.12-17), quando o leão se tornou em serpente e os adversários de fora deram lugar aos sedutores de dentro, começou: Constantino, o Grande, de quem fala a história, tinha subido ao trono.
Quarto século da Era cristã
(306-375)
CONSTANTINO O GRANDE
A subida ao trono de Constantino, o Grande, marca uma nova era na história da igreja e por isso é conveniente examinar rapidamente a sua carreira pública. Nasceu na Grã-Bretanha, e dize-se que a sua mãe era uma princesa britânica. Depois da morte de seu pai que foi muito estimado pela sua justiça e moderação, as legiões romanas estacionadas em York saudaram-no como César e vestiram-no com a púrpura imperial. Apesar de Galeriano se ofender com esta aclamação, ele não estava preparado para se arriscar numa guerra civil, opondo-se a ela; e portanto ratificou o título que o exército dera a seu general, e concedeu-lhe o quarto lugar entre os governadores do Império. Durante os seis anos que se seguiram administrou Constantino a Prefeitura da Gália com uma perícia notável, e ao fim desse tempo tomou posse de todo o império romano, visto que Maximínio e Galério, no intervalo, tinham morrido. Apenas restava agora um competidor ao trono, Maxêncio, um forte defensor do paganismo, e logo que Constantino obteve conhecimento exato dos seus recursos, marchou contra ele com um grande exército, e venceu-o completamente.
A questão de Constantino ser ou não realmente cristão, sempre tem sido ponto de dúvida entre os escritores sagrados, e têm-se apresentado muitas e diferentes razões como prova de que adotou a religião cristã. Mas se efetivamente se converteu, podemos afirmar positivamente que não foi antes de marchar contra Maxêncio, tendo, segundo se diz, presenciado durante essa marcha, um fenômeno extraordinário no firmamento, e sido favorecido com uma visão notável. Até esse tempo estava ainda indeciso entre o paganismo e o cristianismo.
TEMPOS NOVOS PARA A IGREJA
Tinha agora chegado um tempo muito extraordinário para o povo de Deus... A religião de Cristo, saindo como do deserto e das prisões, tomou posse do mundo. Até nas estradas principais, nos íngremes cumes dos montes, nos fundos barrancos e nos vales distantes, nos tetos das casas, e nos mosaicos dos sobrados se via a cruz. A vitória era completa e decisiva. Até nas moedas de Constantino se via o lábaro com o monograma de Cristo levantando-se acima do Dragão vencido. Do mesmo modo o culto e o nome de Jesus se exaltaram acima dos deuses vencidos do paganismo. De fato começava uma ordem de coisas inteiramente nova, e o imperador romano tornou-se o principal da igreja.
A administração do estado e dos negócios civis foi reunida com o governo da igreja e podia-se presenciar o espetáculo extraordinário de um imperador romano presidir os concílios da igreja e tomar parte nos debates.
Em geral os cristãos não se ressentiam desta intrusão, pelo contrário consideravam-na como um auspicioso e feliz presságio, e em lugar de censurar o imperador pelo seu intrometimento, receberam-no como bispo dos bispos. O povo de Deus aceitou a proteção de um estado semi-pagão, e o cristianismo sofreu a maior degradação possível com a proteção de um potentado do mundo.
EFEITOS DA UNIÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO
O efeito desastrado desta primeira união da igreja com o estado fez-se sentir imediatamente. Levantaram-se contendas, e o imperador foi nomeado árbitro pelas partes contendoras. Mas logo que dava a sua decisão sobre a questão, esta continuava rejeitada com desprezo pela parte cujas razões eram desatendidas. Repetiu-se a mesma coisa uma vez e outra, até que o imperador se indignou, e recorreu a meios violentos para reforçar o seu poder. Isso provava até a evidência e inutilidade e a inconveniência daquela proteção a que os cristãos de tão boa vontade, mas tão cegamente se submeteram.
Até então tinham os concílios da igreja sido compostos de bispos e presbíteros de uma província, mas durante o reinado de Constantino foram consagradas as assembléias, que o imperador podia reunir e dissolver à vontade! Chamavam-se concílios ecumênicos ou gerais, e tinham por fim a discussão das questões mais importantes da igreja.
O PRIMEIRO CONCILIO ECUMÊNICO
A primeira destas Assembléias reuniu-se em Nicéia, na Bitínia, para o julgamento de um tal Ário, que tinha estado a ensinar que nosso Senhor fora criado por Deus como qualquer outro ser, sujeito ao pecado e ao erro, e que, por conseqüência, não seria eterno como o Pai. Foi a isso que Constantino chamou uma ninharia, quando o informaram da heresia; o concilio porém, com poucas exceções, deu-lhe o nome de horrível blasfêmia. Os bispos sentiram tanto a indignidade que Ário fizera pesar sobre o bendito Senhor, que tapavam os ouvidos enquanto ele explicava as suas doutrinas, e declararam que, quem expunha tais ensinamentos, era digno de anátema. Como repressão às heresias crescentes foi escrito a célebre confissão de fé, conhecida como o Credo de Nicéia, no qual está clara e inteiramente anunciada a doutrina das Escrituras Sagradas com referência à divindade do Senhor. Ário e seus adeptos receberam ao mesmo tempo sentença de desterro, e possuir ou fazer circular os seus escritos era considerado como grande ofensa.
A conduta posterior do soberano mostrou que o seu modo de proceder naquela ocasião não obedecia a nenhuma convicção profunda nem determinada. A pedido de sua irmã Constância, cujas simpatias pelo partido ariano eram bastante fortes, ordenou que o heresiarca voltasse do exílio, e revogou a interdição dos seus escritos. Ário foi, portanto, plenamente restituído ao favor do imperador, e tratado na corte com todas as distinções.
ATANÁSIO, BISPO DE ALEXANDRIA
Mas o triunfo de Ário não foi completo. Encontrou um adversário poderoso e infatigável em Atanásio, bispo de Alexandria, o qual já tinha derrotado durante as reuniões do concilio em Nicéia, e que apesar de ser apenas diácono naquele tempo, tomara parte notável na discussão, e desde então sempre continuara a ser acérrimo defensor da verdade e um ativo antagonista das malévolas intenções dos arianos.
Um mandato imperial de Constantino para que os he-reges excomungados fossem admitidos à igreja, foi recebido pelo bispo com um desprezo deliberado e firme: não queria submeter-se a qualquer autoridade que procurasse pôr de parte a divindade do seu Senhor e Salvador. Contudo, os seus inimigos estavam resolvidos a levar por diante os seus propósitos e aquilo que não puderam obter por bons meios tentaram alcançar por meios infames. Fizeram uma acusação horrível contra o bispo, no sentido de ter ele causado a morte de um bispo miletino chamado Arsino, de cuja mão, diziam eles, se serviu para fins de feitiçaria. Foi, por conseqüência, intimado a responder perante um concilio em Cesaréia, pela dupla acusação de feitiçaria e assassínio: mas Atanásio recusou-se a comparecer ali por ser o tribunal composto de inimigos. Foi pois convocado outro concilio em Tiro, e a este assistiu o bispo. A mão que devia ter servido para prova do crime apareceu no tribunal, mas infelizmente para os acusadores o dono da mão, o bispo assassinado, também lá estava vivo e ileso!
DESTERRO DE ATANASIO
Ainda assim, esta farça não impôs aos seus adversários o silêncio que a vergonha devia produzir, e apressaram-se em preparar uma nova acusação. Afirmaram que Atanásio ameaçava reprimir a exportação do trigo de Alexandria para Constantinopla, o que traria a fome para esta cidade, pensando eles, e com razão, que bastava só atribuir-lhe este mau procedimento para levantar a inveja e desagrado do imperador, cujos maiores interesses estavam ali concentrados. Os seus planos tiveram bom êxito. Com esta simples acusação, pois a verdade dela nunca foi provada, obtiveram uma sentença de desterro, e Atanásio foi mandado para Treves, no Reno, onde se conservou dois anos e quatro meses.
MORTE DE ÁRIO
Mas o desterro do bispo fiel não assegurou os resultados pelos quais o partido de Ario estava a combater. Os Cristãos de Alexandria também tinham sido muito bem instruídos nas verdades das Escrituras Sagradas, e conservavam-nas com tal amor, que não as abandonaram depois do seu ensinador partir. Não queriam ligar-se a compromisso algum e até mesmo quando Ario subscreveu uma fé ortodoxa, o novo bispo, um velho servo de Deus chamado Alexandre, duvidou da sua sinceridade, e não quis aceitar a sua retratação. Constantino teve de intervir novamente neste caso, e mandando chamar o bispo, insistiu para que Ario fosse recebido em comunhão no dia seguinte. Muitos viram nisto uma crise nos negócios da igreja, e os cristãos de Alexandria esperavam pelo resultado com muita ansiedade. Alexandre sentiu a sua fraqueza, e pensamentos in-quietadores lhe assaltaram o espírito; entrou na igreja e apresentou o seu caso diante do Senhor. A oração era o seu último recurso, mas não foi um recurso vão nem estéril.
Os arianos já exultavam, e enquanto o bispo estava de joelhos diante do altar levaram eles o seu chefe em triunfo pelas ruas. De repente cessaram as ovações. Ario entrara em uma casa particular e ninguém parecia saber para quê.
Todos esperavam, e se admiravam, mas esperavam em vão; o homem, cujo regresso aguardavam, tinha-se retirado dos seus olhares para nunca mais aparecer. Teve a mesma sorte de Judas, e o grande herético estava morto. Atanásio disse mais tarde que a morte de Ário era uma refuta-ção suficiente da sua heresia.
MORTE DE CONSTANTINO, O GRANDE
Constantino não sobreviveu muito tempo a este acontecimento. Morreu em 337 d.C. com sessenta e quatro anos de idade, tendo reinado quase trinta e um anos. E sua legislação geral, diz um escritor moderno, manifesta a influência dos princípios cristãos; e o efeito destas leis humanitárias havia de ser sentido muito além do círculo da comunidade cristã.
Decretou leis para que se guardasse melhor o domingo e contra a venda de crianças como escravos; e também contra o roubo de crianças com o fim de se venderem e muitas outras leis de caráter tanto social como moral. Mas o fato mais importante e de maior influência do seu reinado, cheio de acontecimentos, foi a destruição dos ídolos e a exaltação de Cristo. Outro fato de importância, sob o ponto de vista cristão, foi a conversão dos etíopes e ibérios, que, segundo se diz, receberam o Evangelho durante esse mesmo tempo.
DIVISÃO DO IMPÉRIO
O império estava agora dividido entre os três filhos de Constantino, o Grande, ficando Constantino com a Gália, Espanha e a Bretanha; Constâncio com as províncias asiáticas, e Constante, com a Itália e a África.
Constantino favoreceu o partido católico ou ortodoxo, e fez voltar Atanásio do exílio, mas foi morto no ano 340, quando invadia a Itália. Constante, que tomou posse dos seus domínios, também seguia a causa dos católicos e foi amigo de Atanásio, porém Constâncio e toda a sua corte tomaram o partido dos arianos.
UMA GUERRA RELIGIOSA
Começou então uma guerra religiosa entre os dois irmãos, e como geralmente acontece nas guerras religiosas, foi esta também notável pela crueldade e injustiça de ambos os lados.
Entretanto, Atanásio foi novamente degredado, pelos esforços de Constâncio e dos bispos arianos; e Gregório de Capadócia, homem de caráter violento, foi colocado à força no seu lugar. Este procedimento iníquo deu ocasião a desordens e a cenas violentas, e tiveram de pedir auxílio à tropa para manter o bispo intruso na colocação que lhe tinham dado. Foram depois convocados muitos e vários concílios, e publicados cinco credos diferentes, em outros tantos anos, mas parece que com pouco resultado. Em todos estes concílios foi sempre confirmado a ortodoxia de Atanásio, porém não fizeram justiça ao velho bispo enquanto Gregório viveu. Mas depois da morte deste foi reintegrado no seu lugar com grande alegria de todos aqueles que apreciavam a verdade e se agarravam à boa doutrina.
MORTE DE CONSTANTE
Constante, que desde o princípio se tinha mostrado um verdadeiro amigo de Atanásio, morreu no ano 359, e os arianos, com a proteção de Constâncio renovaram as suas perseguições. Tendo sido expulso pela terceira vez do seu lugar, Atanásio retirou-se voluntariamente para o exílio, e entrou, durante algum tempo, num refúgio dos desertos do Egito, onde pela meditação e oração se preparou para posterior conflito. E, aqueles que professavam as suas doutrinas eram perseguidos com rigor devido à ascendência dos arianos. Por isso se dizia por toda a parte que os tempos de Nero e Diocleciano tinham voltado.
MORTE DE CONTÂNCIO
Constâncio morreu no ano de 361, e teve por sucessor Juliano, que tornou a chamar os bispos desterrados por Constâncio; mas não foi de certo por simpatia pelas suas doutrinas, porque ele pouco depois caiu no paganismo, e distingüiu-se tanto pelos seus esforços em restaurar a idolatria, que mereceu o nome de Juliano, o Apóstata. Afirmou que o julgamento de Deus sobre os judeus, como estavam preditos nos evangelhos e em outras partes, eram uma fábula, e fez uma ímpia tentativa de provar a sua afirmativa, mandando uma expedição à Palestina para reconstruir o templo. Mas os seus planos frustraram-se de uma maneira milagrosa. Diz a tradição que saíam da terra línguas de fogo, fazendo ura barulho medonho, o que fez afastar os operários daquele lugar cheios de terror. Abandonaram portanto o trabalho; e as intenções ímpias de Juliano não vingaram.
O MÁRTIR BASÍLIO
Durante o reinado deste imperador, um cristão chamado Basílio tornou-se notável pelas suas denúncias destemidas do arianismo e da idolatria. O bispo ariano de Constantinopla ordenou-lhe que desistisse de pregar, mas Basílio continuou apesar da ordem recebida/Afirmava ele que recebia ordens do Senhor e não dos homens.
O bispo então denunciou-o como perturbador da ordem pública; mas o imperador (a quem a denúncia era dirigida se estava preparando nessa ocasião para uma expedição à Pérsia e não prestou a mínima atenção a esta acusação. Contudo, mais tarde, o zelo de Basílio contra o paganismo, fez cair sobre ele a indignação dos pagãos e foi levado à presença de Saturnino, governador de Ancira, que o mandou para o cavalete. A sua firmeza e paciência durante a tortura foi a admiração de todos quantos o viram, e foram imediatamente contar isto ao imperador. O interesse deste não se excitou menos do que a admiração dos seus súditos, e deu ordem para que o prisioneiro fosse trazido à sua presença. Basílio, que se interessava pelo bem do imperador, aproveitou essa ocasião para proclamar o Evangelho na sua presença e o avisou do perigo em que estava, devido ao seu desprezo pelo Filho de Deus. A censura, aplicada com tanta fidelidade, não deu, infelizmente, bom resultado; Juliano recebeu-o com desprezo, e mostrou o ódio que tinha à religião cristã pela maneira com que tratou o ministro dela. Ordenou que Basílio fosse novamente conduzido a sua prisão e que todos os dias lhe separassem a carne dos ossos, até que o seu corpo estivesse completamente despedaçado. Esta sentença desumana foi cumprida, e o bravo mártir expirou na tortura no dia 28 de junho do ano 362 d.C.
MORTE DE JULIANO
Juliano não sobreviveu muito tempo a isso. No mesmo mês, quase no mesmo dia (26 de junho) do ano seguinte foi mortalmente ferido numa escaramuça com os asiáticos; e, quando jazia por terra, fraco e perdido, foi visto estender a mão para o Céu e murmurar estas palavras: "0 galileu, venceste!", e assim expirou.
UM IMPERADOR VERDADEIRAMENTE CRISTÃO
Joviano, que lhe sucedeu, foi talvez o primeiro governador do império romano verdadeiramente cristão: mas o seu reinado foi curto. Quis que Atanásio, que voltara de Alexandria depois da morte de Juliano, fosse o seu mestre e conselheiro; e bem depressa ficou tão seguro da verdade que nem padres pagãos, nem arianos hereges, tinham poder algum sobre ele. Mas usou de tolerância para com todos e, apesar de se ligar à verdade, sempre se viu rodeado de alguns que se opunham a ela. Na verdade, se podemos acreditar em Sócrates, que para autoridade cita o filósofo Temíscio, os adeptos do grande heresiarca Ário eram governados mais por conveniência do que por consciência, e regulavam as suas opiniões pelas do poder reinante. Depois de um feliz reinado de oito meses, Joviano morreu por asfixia, em 17 de fevereiro do ano 364.
Os seus sucessores, Valenciano e Valente, prometiam seguir os passos de seu pai mas Valente foi logo levado para o partido ariano por instigação de sua mulher, e foi batizado por um bispo ariano.
MORTE DE ATANÁSIO
Renovou em seguida os ataques a Atanásio e seus adeptos e o velho bispo depois de ter estado escondido por espaço de quatro meses no sepulcro de seu pai teve de fugir outra vez de Alexandria. Contudo, a opinião popular não podia consentir que ele estivesse muito tempo no exílio, e foi quase imediatamente chamado de novo. Pouco depois, no ano 373. terminou pacificamente a sua longa e agitada carreira. A sua morte foi considerada calamidade pública por todos os que velavam com solicitude os interesses do seu divino Mestre.
Foi por pugnar pela grande verdade da Trindade que o venerável bispo fora desterrado três vezes, e acusado de herege pelos falsos padres de Ário.
Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira
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