Meu Ministério entre os Russos
Por causa do meu remorso de ter sido ateu, ansiava, desde o primeiro dia da minha conversão, poder testemunhar aos russos. Os russos são um povo educado, desde a meninice, no ateísmo. Meu desejo de testemunhar aos russos já foi consumado. Sua realização começou nos tempos nazistas, porque tínhamos na Romênia muitos milhares de russos como prisioneiros de guerra e podíamos fazer trabalho evangelistico entre eles. Era um trabalho dramático e muito comovente. Nunca me esquecerei do meu primeiro encontro com um prisioneiro russo. Ele me havia dito que era engenheiro. Perguntei-lhe se cria em Deus. Se ele houvesse dito "não", jamais me incomodaria tanto. É direito de cada homem crer ou descrer. Porém quando lhe perguntei se cria em Deus, ele levantou os olhos para mim, sem me entender, e disse: "Não tenho ordem militar para crer. Se eu tiver uma ordem, crerei".
Lágrimas correram no meu rosto. Senti meu coração quebrantado. Diante de mim estava um homem com uma mente morta, um homem que havia perdido o maior dom que Deus dera à humanidade — o de ser um indivíduo. Ele havia passado por uma lavagem cerebral e se tornado um instrumento nas mãos dos comunistas, preparado para crer ou não em uma ordem. . Não podia mais pensar por si próprio. Era um russo típico depois de todos esses anos de domínio comunista! Depois do choque de ver o que o Comunismo tem feito com a pessoa humana, prometi a Deus dedicar a minha vida a estes homens, para trazer-lhes de volta sua personalidade e dar-lhes fé em Deus e em Cristo.
Não foi preciso ir à Rússia para pregar aos russos.
A partir do dia 23 de agosto de 1944, um milhão de soldados russos entraram na Romênia e logo após os comunistas assumiram o poder do nosso país. Então começou um pesadelo que fazia o sofrimento sob o Nazismo parecer nada.
Naqueles dias, na Romênia que tinha uma população de 18 milhões, o Partido Comunista possuía apenas 10 mil membros. Entretanto, Vishinsky, Secretário do Exterior da União Soviética, intempestivamente entrou no gabinete do nosso mui querido Rei Miguel I e, esmurrando a mesa, disse: "Você tem de nomear comunistas para o Governo". Nosso exército e polícia foram desarmados e, desta maneira, através da violência e odiados por quase todos, os comunistas assumiram o poder. Isso não se deu sem a cooperação dos governantes americanos e britânicos daqueles dias.
Os homens não são responsáveis perante Deus apenas por seus pecados pessoais, mas igualmente pelos seus pecados cometidos no plano nacional. A tragédia de todas essas nações cativas é uma responsabilidade dos corações de crentes americanos e britânicos. Os americanos devem saber que têm ajudado, involuntariamente, os russos a estabelecer sobre nós um regime de assassínio e terror. Devem expiar sua falta, agora, ajudando os povos cativos a vir à luz de Cristo.
São a mesma, a linguagem do Amor e a da Sedução
Desde que os comunistas assumiram o poder, cuidadosa e astutamente para os seus propósitos têm seduzido a Igreja. A linguagem do amor e a da sedução não diferem. Quem deseja uma jovem para ser sua esposa e quem a deseja por apenas uma noite, para depois a desprezar, ambos dizem "eu te amo". Jesus ensinou-nos a distinguir a linguagem da sedução da do amor, bem como a distinguir entre os lobos vestidos de ovelhas e as ovelhas de verdade.
Quando os comunistas assumiram o poder, milhares de padres, pastores e ministros não sabiam como distinguir as duas vozes.
Os comunistas organizaram um Congresso de todos os grupos cristãos no edifício do nosso Parlamento. Ali estavam quatro mil padres, pastores e ministros de todas as denominações. Esses quatro mil padres e pastores escolheram Joseph Stalin como presidente honorário do Congresso. Ao mesmo tempo era presidente do Movimento Mundial dos Ateus e assassinos dos cristãos. Um após outro, bispos e pastores se levantou no nosso Parlamento e declararam que Comunismo e Cristianismo são fundamentalmente a mesma coisa e podiam muito bem coexistir. Um após outro, os ministros ali presentes pronunciaram palavras laudatórias ao Comunismo e asseguraram ao novo governo a lealdade da Igreja.
Minha esposa e eu estávamos presentes. Ela, sentada junto a mim, dizia-me: "Ricardo, levanta-te e lava esta vergonha que estão atirando à face de Cristo! Eles estão cuspindo no Seu rosto". Respondi-lhe: "Se eu assim proceder, você perderá seu marido". Ela atalhou: "Não quero ter um marido covarde".
Então me levantei e falei ao Congresso, exaltando não aos matadores de cristãos, mas a Cristo e Deus, e afirmei que nossa lealdade é devida em primeiro lugar ao Senhor. Os discursos nesse Congresso estavam sendo irradiados; por todo o país se ouvia a proclamação do Evangelho, feita da tribuna do Parlamento comunista! Depois tive de pagar por isto, mas valeu a pena!
Ortodoxos e protestantes disputavam entre si a entrega de cada um ao Comunismo. Um bispo ortodoxo colocou em sua batina a foice e o martelo, pedindo aos seus subalternos que não mais o chamassem de "Sua Graça", mas de "Camarada Bispo". Assisti ao Congresso dos batistas na cidade de Resita — congresso sob a bandeira vermelha — que o hino da União Soviética foi entoado por todos os presentes de pé. O presidente dos batistas afirmou que Stalin o que fez foi realizar a vontade de Deus e também o elogiou como um grande professor de Bíblia! Padres ortodoxos como Patrascoiu e Rosianou foram mais específicos. Tornaram-se agentes da Policia Secreta. Rapp, bispo representante da Igreja Luterana da Romênia, começou a ensinar no Seminário Teológico que Deus deu três revelações: uma por Moisés, outra através de Jesus e a terceira através de Stalin, esta última superando a anterior.
Deve ficar entendido que os verdadeiros batistas, aos quais muito amo, não concordaram com isso e permaneceram fiéis a Cristo, pelo que muito sofreram. Entretanto, os comunistas "elegeram" seus líderes e eles não tiveram outra alternativa senão aceitá-los. A mesma situação continua hoje com a mais alta liderança religiosa.
Aqueles que se tornaram servos do Comunismo, em lugar de servos de Cristo, começaram a denunciar os irmãos que os não acompanhavam.
Da mesma forma como os cristãos russos criaram uma Igreja Subterrânea depois da Revolução no seu país, a ascensão do Comunismo e a traição praticada por muitos líderes oficiais da igreja compeliram-nos a criar também na Romênia uma Igreja Subterrânea, que fosse fiel à evangelização, à pregação do Evangelho e que atraísse as crianças para Cristo. Os comunistas proibiram tudo isso e a igreja oficial concordou.
Juntamente com outros, comecei um trabalho subterrâneo. Fora, eu tinha uma posição social muito respeitável, que nada tinha a ver com o meu trabalho secreto e que servia apenas de cobertura. Era pastor da Missão Luterana Norueguesa e ao mesmo tempo trabalhava na representação do Concilio Mundial de Igrejas na Romênia. (Na Romênia não tínhamos a menor idéia de que esta organização cooperasse com os comunistas. Naquela época em nosso país o Concilio Mundial não fazia coisa alguma a não ser o trabalho de assistência social). Estes dois títulos davam-me boa posição perante as autoridades que não sabiam de minhas atividades secretas.
Elas tinham dois ramos.
O primeiro era nosso trabalho secreto entre um milhão de soldados russos.
O segundo era o nosso ministério secreto entre o povo escravizado da Romênia.
Russos — um Povo de Alma Sedenta
Pregar o Evangelho aos russos é o mesmo que experimentar o céu na terra. Já preguei a homens de muitas nações, porém nunca vi gente para absorver o Evangelho como os russos. Eles de fato têm almas sedentas.
Um padre da Igreja Ortodoxa, muito amigo meu, telefonou-me e contou-me que um oficial russo o havia procurado para se confessar. Meu amigo, porém, não conhecia a língua russa. Sabendo que eu falava esse idioma, deu meu endereço ao oficial. No dia seguinte, ele veio ao meu encontro. Amava a Deus e O buscava, mas nunca havia visto uma Bíblia. Nunca assistira a trabalhos religiosos. (Igrejas na Rússia são muito raras). Não tivera nenhuma educação religiosa, porém amava a Deus sem ter o menor conhecimento dEle.
Comecei a ler para ele o Sermão da Montanha e as parábolas de Jesus. Depois de ouvi-las dançou ao redor da sala com grande alegria, exclamando: "Que beleza maravilhosa! Como é que eu poderia viver sem conhecer este Cristo!" Foi a primeira vez que vi uma pessoa tão arrebatada de alegria no Senhor.
Prosseguindo, cometi um erro. Li para ele a narrativa da Paixão e da Crucificação de Jesus, sem tê-lo ainda preparado para tanto. Ele não esperava, e quando ouviu do sofrimento de Cristo, como foi crucificado e finalmente morreu, caiu em uma poltrona e começou a chorar amargamente. Havia crido em um Salvador e agora este estava morto.
Olhei para aquele homem e fiquei envergonhado por me haver chamado de Crente e Pastor, mestre do rebanho e nunca haver partilhado dos sofrimentos de Cristo, como este oficial russo agora fazia. Ao vê-lo, senti como se estivesse a ver Maria Madalena chorando ao pé da cruz, e mesmo quando Cristo já era cadáver no túmulo.
Então li a história da Ressurreição. Ele não sabia que Cristo havia ressuscitado dos mortos. Quando ouviu tão maravilhosas novas, bateu em seus joelhos e proferiu palavras não muito dignas, porém, eu as considerei de grande valor, pois esta era a sua rude maneira de se expressar! Mais uma vez se alegrou. Gritou de alegria: "Ele está vivo!". Novamente dançou ao redor da sala, transbordante de alegria.
Disse-lhe: "Oremos!" Ele não sabia como orar. Não sabia as nossas frases sagradas. Ajoelhamo-nos e suas palavras foram: "Oh Deus, que camaradão Tu és! Se eu fora Tu e Tu fosses eu, nunca Te perdoaria os Teus pecados. Porém Tu és realmente um camaradão! Eu Te amo de todo o meu coração".
Penso que todos os anjos nos céus pararam para ouvir esta sublime oração de um oficial russo. O homem havia sido vencido por Cristo!
Certa vez encontrei em uma loja um capitão russo com uma senhora, também oficial. Estavam comprando multas coisas e tinham dificuldade em falar com o vendedor que não entendia russo. Ofereci-me como intérprete e fizemos amizade. Convidei-os para almoçar em nossa casa. Antes de começarmos a refeição, eu lhes disse: "Vocês estão em uma casa cristã e aqui temos o hábito de orar". Orei em russo. Com surpresa para mim largaram os garfos e facas e não se interessaram mais pela comida. Começaram a fazer-nos pergunta após pergunta a respeito de Deus, de Jesus Cristo e da Bíblia. Não sabia de coisa alguma.
Não foi fácil falar-lhes. Contei-lhes a parábola do homem que tinha cem ovelhas e perdeu uma. Não entenderam. Perguntaram: "Como é que ele tem cem ovelhas? Porventura a fazenda comunista ainda não as tomou?" Afirmei-lhes que Jesus é um Rei. Responderam-me: "Todos os reis foram homens ruins que tiranizaram o povo e Jesus também deve ter sido um tirano". Quando lhes contei a parábola dos trabalhadores na vinha, disseram: "Bem, estes fizeram muito bem em se rebelar contra o dono. A vinha tem de pertencer à coletividade". Tudo lhes era novo. Quando lhes contei a respeito do nascimento de Jesus, perguntaram-me: O que na boca de um ocidental seria uma blasfêmia: "Era Maria a esposa de Deus?" E assim entendi pela conversa com eles e muitos outros que para pregar o Evangelho aos russos, depois de tantos anos sob o Comunismo, devemos usar uma linguagem totalmente nova.
Missionários que foram à África, tiveram dificuldades em traduzir as palavras de Isaías, "Ainda que os teus pecados sejam vermelhos como a escarlata eles se tornarão mais alvos que a neve." Ninguém na África Central jamais viu neve. Não tinham palavra para neve. Tiveram que traduzir: "Vossos pecados se tornarão mais alvos que a polpa de coco seco".
Dessa forma tínhamos que traduzir o Evangelho para a linguagem marxista, para torná-lo compreensível a eles. Isso era algo que não podíamos fazer sozinhos, mas o Espírito Santo fez Seu trabalho por nosso intermédio.
O capitão e a oficial se converteram no mesmo dia. Depois nos ajudaram muito em nosso ministério subterrâneo entre os russos.
Secretamente imprimíamos milhares de Evangelhos e outros tipos de literatura cristã e distribuíamos entre os russos. Através dos soldados russos convertidos podíamos contrabandear para a Rússia, muitas Bíblias e porções bíblicas.
Outra técnica também empregávamos para fazer chegar tal literatura às mãos dos russos. Os soldados russos estavam lutando havia vários anos e muitos deles tinham deixado crianças, às quais não viam por todo esse tempo. (Os russos têm grande afeição por crianças). Meu filho Mihai, juntamente com outras crianças de menos de dez anos, ia aos soldados russos nas ruas e parques, levando consigo muitas Bíblias, Evangelhos e panfletos religiosos em seus bolsos. Os soldados russos acariciavam-lhes as cabeças e com eles falavam carinhosamente, pensando em seus filhos que não viam por tantos anos. Davam chocolates ou doces e as crianças, por sua vez, davam-lhes alguma coisa: Bíblias e Evangelhos que eram recebidos com ansiedade. De fato, o que nos era muito perigoso fazer abertamente, nossos filhos faziam em completa segurança. Eles eram "pequenos missionários" a serviço dos russos. Os resultados eram excelentes. Muitos soldados receberam o Evangelho dessa maneira, quando não existia outro meio para fazê-lo.
Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira
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