quinta-feira, 26 de maio de 2011

GEOGRAFIA BIBLICA (O mundo da Bíblia Hebraica) - 1ªParte


O mundo da Bíblia Hebraica


7. Geografia física e econômica

A terra imediata da Bíblia — conhecida como Canaã, Israel, ou Palesti­na — limitava com o mar Mediterrâneo oriental. Foi aqui, numa área não mais de 150 milhas do norte ao sul e 75 milhas de oeste a leste, que a maior parte da Bíblia Hebraica foi escrita e a maioria dos acontecimentos por ela relatados aconteceram. Geográfica e historicamente, entretanto, esta terra do coração da Bíblia era meramente uma pequena parte de extensa área conheci­da hoje como o Oriente Médio e, na sua primitiva história, caracterizada ge­ralmente como o antigo Oriente Próximo. O antigo Oriente Próximo abarca­va a Ásia do sudoeste junto com seções menores da África do nordeste e a Europa do sudeste, onde três massas de terra continental se encontravam em contornos moldados por grandes massas de água. É o conjunto deste antigo Oriente Próximo que forma os horizontes próprios do Israel bíblico.

7.1. O antigo Oriente Próximo
 A região pertinente a uma compreensão de geografia bíblica estende-se  do oeste para leste aproximadamente duas mil milhas desde a costa do mar Egeu da Turquia até as montanhas Hindu Kush do Afeganistão. De norte a sul, uma distância quase semelhante estende-se desde os montes Cáucaso en­tre os mares Negro e Cáspio até a ponta sudoeste da península Arábica. Con­tudo, o antigo Oriente Próximo não se compunha de um vasto quadrado de terra não diferenciado. A massa de terras desta região era penetrada, cercada por todos os lados e cingida por cinco grandes aglomerações de água: os ma­res Vermelho, Mediterrâneo, Negro e Cáspio, e o golfo Pérsico. A região era muito diferenciada internamente por montanhas, planaltos, desertos e vales fluviais.
 Acredita-se que o Oriente Próximo adquiriu a sua estrutura geológica  quando dois vastos blocos de rocha dura, o escudo siberiano ao norte e o es­cudo afro-arábico ao sul, começaram a mover-se em direção um do outro. Na depressão que jazia entre os escudos (a qual finalmente iria conter as qua­tro grandes massas de água acima mencionadas), sedimentos provenientes dos escudos foram comprimidos e pregueados para cima a fim de criar as monta­nhas que correm geralmente do oeste para leste através de toda a seção norte da região. Estas montanhas — incluindo as cadeias do Tauro e as Pônticas da Turquia e do Zagros e as cadeias de Elburz do Irã — formam duplo laço  (como um algarismo oito alongado no seu lado). Os dois laços se reúnem no  nó das montanhas armênias da Turquia oriental. Ambos os laços encerram extensos planaltos (no Irão um deserto) cortados por cadeias de montanhas menores.
 Além disso, a grande pressão que pregueou completamente as montanhas  setentrionais fez com que o escudo rochoso meridional rachasse e quebrasse, abrindo fendas ou falhas, ao longo de cujas linhas, materiais ora se levanta­ram para formar montanhas de blocos, ora caíram para formar vales de ten­das. Estas montanhas de blocos e vales de fendas se estendiam aproximada­mente do norte ao sul, desde a Síria e a Palestina através de toda a extensão da Arábia e do Egito e abrangiam um grande vale de fendas no qual final­mente se formou o mar Vermelho. Ao longo de linhas de fissuras, tanto nas montanhas pregueadas como também nas montanhas de blocos, surgiram pi­cos vulcânicos e correntes de lava se derramaram para fora. Durante toda es­ta atividade geológica, uma imensa área ao sul e a leste da formação mais importante de montanhas ficou relativamente tranqüila. Esta região de deser­tos, "a Ilha dos árabes", se estendeu sobre o território dos modernos Iraque, Síria, Jordânia, Arábia Saudita e os estados menores do golfo Pérsico.
 Durante os períodos neolítico e primórdios da história, o clima do Oriente  Próximo tornara-se deficiente em chuvas. A. precipitação atmosférica era pe­riódica, chegando durante o inverno às seções setentrionais atingidas pelas tempestades ciclônicas vindas da Europa e durante o verão às seções mais me­ridionais atingidas pelas franjas das chuvas das monções vindas dos trópicos. Esta precipitação atmosférica, concentrada em relativamente poucos dias, era amiúde torrencial e acompanhada por rápida evaporação, rápido escoamento e abundante erosão do solo. Era necessário tomar muito cuidado para res­guardar água e solo e controlar a inundação. Em regra geral, elevações mais altas recebiam precipitação mais abundante, e os declives das montanhas em frente às chuvas portadoras de nuvens eram muito mais úmidos do que os declives para sota-vento (efeito de sombra das chuvas). Na grande região inte­rior da Mesopotâmia e da península Arábica, a precipitação atmosférica di­minuía rapidamente até quantidades muito pequenas para permitir cultivo re­gular do solo. Análoga falta de chuvas marcava a África do nordeste, a oeste do mar Vermelho. Em ambas as regiões predominavam verdadeiras condições de deserto. Em conjunto, a combinação da geologia e do clima do antigo Orien­te Próximo apresentava condições precárias para a vida humana. No entanto, foi no Oriente Próximo que estavam localizados dois dos grandes berços da civilização.
 Observamos primeiramente que, ao longo das encostas e piemontes me­ridionais das cadeias de montanhas setentrionais, a precipitação atmosférica era regularmente abundante e o clima mais temperado do que nos desertos ou montanhas. Condições analogamente hospitaleiras predominavam ao longo do litoral mediterrâneo oriental, o Levante. É destas áreas que provêm nossas provas mais antigas da revolução neolítica na domesticação de plantas e de animais e na vida de aldeias estabelecidas, desenvolvendo-se numa margem de terra entre as altas montanhas mais agrestes e o deserto escasso de água. Neste nicho propício do ambiente do antigo Oriente Próximo, a vida humana começou a prosperar e a estender-se em direção ao domínio ulterior do mun­do natural.
Os seres humanos do neolítico e do calcolítico observavam os grandes rios que surgiam nas bem irrigadas montanhas e corriam através de vastos espaços de desertos, depositando rico aluvião ao longo de seu curso e criando grandes pântanos nas suas desembocaduras. Das cadeias de montanhas do norte brotavam os rios Tigre e Eufrates, convergindo antes de penetrarem no golfo Pérsico. O rio Nilo brotava das montanhas da Etiópia na orla oriental do deserto do Saara e ziguezagueava até o mar Mediterrâneo. Não obstante o forte calor do verão destes vales fluviais, os ricos solos eram convidativos. Para cultivar de maneira segura estes solos de aluvião, entretanto, tornava-se necessário aprisionar e controlar os escoamentos periódicos dos rios. Um pro­jeto tão ambicioso exigia satisfação de duas condições: (1) desenvolvimento de técnicas adequadas para construir sistemas de canais e represas, e (2) coor­denação dos esforços de muitas pessoas por sobre grandes distâncias e exten­sões de tempo. Requisitos técnicos nos dois vales eram um tanto diferentes, pois a subida e descida do Nilo era regular e predizível em volume, ao passo que o Tigre e o Eufrates, especialmente o primeiro, estavam sujeitos a inun­dação caprichosa. Apesar disso, por volta de 3000 a.C, ambos os sistemas fluviais haviam sido subjugados por projetos de irrigação suficiente para pro­mover agricultura intensiva e maior densidade de população.
Desta maneira a história começou ao longo dos grandes rios, primeira­mente na Suméria e um pouco mais tarde no Egito, à medida que as popula­ções que tinham estado dispersas nas regiões de piemonte do Oriente Próxi­mo e da África do Norte puderam afinal concentrar-se em comunidades mais amplas nos vales dos rios férteis pela irrigação. Quando falamos da "alvora­da da história" queremos dizer o início de um documento escrito de eventos e realizações humanas, mas também queremos dizer a emergência de uma or­ganização social mais elaborada a qual introduziu liderança e administração autorizadas a fim de supervisionar a subjugação dos rios e o cultivo dos cam­pos, como também a fim de pôr em vigor certas distribuições da riqueza acres­cida que as novas técnicas e a organização tornaram possíveis. Esta forma de organização social foi o Estado, e com o seu desenvolvimento a política, no pleno significado da palavra, começou a existir.
A partir de aproximadamente 3000 anos a.C. para diante, uma sucessão de estados dominava a organização social humana e escreveu a maioria dos documentos no antigo Oriente Próximo até através dos tempos bíblicos. A princípio estes estados limitavam-se aos vales fluviais, e geralmente os esta­dos mais fortes estavam baseados nestes vales, eventualmente, porém, a for­ma de estado da organização social humana espalhou-se para as regiões mon­tanhosas e de planaltos ao norte e a leste da Mesopotâmia, para dentro da Síria, da Palestina e da Arábia do Sul, como também ao longo das extensões superiores do Nilo ao sul do Egito. De vez em quando, as pessoas de dentro ou de fora destes diversos estados do Oriente Próximo puderam derrubar os regimes no poder e substituí-los com suas próprias formas de organização po­lítica, as quais, em geral, significavam ainda outro estado centralizado.
Torna-se significativo para nosso estudo o fato de que Israel apareceu primeiramente no palco da história como exatamente um perturbador da or­dem existente no antigo Canaã. As pessoas que formaram Israel eram, contu­do, opostas não simplesmente aos estados cananeus, mas também à forma de estado da organização social como tal, preferindo viver em sistema tribal mais solto. Mais tarde, neste capítulo examinaremos sucintamente a sucessão de estados que dominaram o antigo Oriente Próximo (§9). Nos capítulos que se seguem vamos examinar as origens e vicissitudes da vida de Israel como um rebelde recém-chegado ao mundo dos estados do Oriente Próximo em lu­ta (§14; 24).
Se traçarmos uma linha desde a foz dos rios Tigre-Eufrates sobre o golfo Pérsico para o norte ao longo do curso dos rios, dobrando para oeste até o mar Mediterrâneo e depois para o sul através da Síria e da Palestina até o delta do Nilo do Egito, esta linha aparecerá como um arco, meia-lua, ou cres­cente. A faixa de terra demarcada por este arco inclui as mais amplas concen­trações da população, as áreas agrícolas mais férteis, os caminhos mais fre­qüentemente transitados, os territórios por cuja posse exércitos mais lutaram e a grande maioria de estados poderosos no antigo Oriente Próximo. Este, assim chamado Crescente Fértil, designa a zona crucial de desenvolvimento econômico e político no antigo Oriente Próximo. Ele abarca e liga os dois grandes vales fluviais num e noutro extremo ao longo de uma rota de fácil acesso que evita os riscos de transporte pelo deserto e as altas montanhas.
Dentro deste grande arco que descreve e liga o Egito e a Mesopotâmia, a população se ocupava em numerosas atividades econômicas. Folgadamente, a grande maioria do povo lavrava a terra, quer nos vales irrigados, quer nas regiões alimentadas pelas chuvas ao longo da orla exterior do crescente na Mesopotâmia e na região montanhosa do Levante. Safras de primeira ne­cessidade eram grão, ora trigo para forragem ora cevada, linha para roupa branca, óleos de oliveira, de ricino, de sésamo ou de açafrão, vinho e cerveja, suplementados por frutas, legumes e hortaliças.
Os animais fundamentais para produtos de leite, carne, lã e peles, eram ovelhas, cabras, gado vacum e camelos (depois de ca. 1200 a.C). Jumentos, mulos e bois eram usados para transporte e trabalho nas fazendas, e cavalos, a princípio para puxar carruagens e mais tarde para a cavalaria, foram intro­duzidos depois de 1750 a.C. Os animais havia tempo que foram domesticados nas comunidades neolíticas de agricultores. Gradualmente, nômades pastores se especializavam em pastorear rebanhos de ovelhas, cabras e eventualmente camelos, sobre regiões de semideserto, estepe e montanhas não cultivadas nor­malmente. Estes nômades diferiam muito nos seus hábitos de residência e de movimento, porém estavam geralmente em relações íntimas e recíprocas regulares com os povos mais sedentários. Historiadores passados propenderam a exagerar amplamente o número e impacto de nômades nos relatos deles de movimentos das populações e a conquista de estados. Explicações das ori­gens de Israel têm sofrido muito por causa desta tendência (§24.2.a).
As necessidades de agricultores e pastores nômades eram amplamente sa­tisfeitas pelo seu próprio trabalho, permitindo simples troca, de modo que uma modesta divisão de trabalho parece ter sido praticada nas aldeias e acam­pamentos da massa do povo. Era coisa diferente nos grandes centros admi­nistrativos do estado, onde os apetites das classes governantes procuravam sa­tisfação nos trabalhos de artesãos especializados. O comércio começou igual­mente a prosperar. Era comum para estados negociar em recursos valiosos e produtos acabados, tais como metais preciosos, madeira e pedra para cons­trução, equipamento militar, ervas e especiarias exóticas, jóias e cerâmica de­corativa. Um sistema de estradas abria-se como leque sobre o Crescente Fértil e se ramificava para o norte até a Anatólia, rumo leste até dentro do Irã em direção da Índia e da China e em direção sul até a Arábia. O comércio maríti­mo seguia o oceano Índico até a África Oriental e a Índia, e o mar Mediterrâ­neo até a Grécia, a Itália e a África do Norte.
Um corpo privilegiado de burocratas administrava os grandes estados e suas contrapartes menores. Eles incluíam administradores de impostos e de propriedades régias, diplomatas, comandantes militares, escribas para conservar documentos do estado e treinar novas gerações de burocratas, como também sacerdotes que dirigiam os cultos do estado e muitas vezes administravam ex­tensas posses dos templos. Desse modo, ao lado do estado centralizado no antigo Oriente Próximo aparecia a estratificação social. Uma pequena mino­ria de pessoas protegidas do governo (desde porcentagem de 1-5 da popula­ção total) controlava a maioria do excedente econômico. "Excedente" aqui refere-se ao que é produzido a mais e acima do mínimo exigido para manter a porcentagem de 95-99 de agricultores, pastores e trabalhadores vivos e tra­balhando. Soldados profissionais constituíam a espinha dorsal dos exércitos do estado, não obstante, para campanhas mais importantes recrutavam-se fre­qüentemente as pessoas comuns. O trabalho mais servil, incluindo os proje­tos monumentais de construção, era freqüentemente realizado por escravos do estado, se bem que a escravidão do estado parece que nunca alcançou a proporção que mais tarde alcançou em Roma. Não era caso raro também pa­ra governos compelir legalmente cidadãos livres a contribuírem com trabalho não remunerado para projetos do estado.


7.2. Palestina
A Palestina localizava-se ao longo do arco entre a Mesopotâmia e o Egi­to num ponto onde o mar Mediterrâneo a oeste e o deserto da Arábia a leste constringiam a área habitada num estreito corredor que se estendia em largu­ra desde aproximadamente 35 milhas no norte da terra até aproximadamente 90 milhas no sul.
A estrutura do relevo do corredor da Palestina, cerca de 150 milhas de comprimento, estendia-se para o norte por outras 250 milhas através da Síria, formando um corredor siro-palestinense entre a grande curva do rio Eufrates e a aproximação do deserto do Sinai ao Egito. Esta estrutura é geralmente descrita como uma série de quatro zonas longitudinais, as quais prosseguem em ordem, desde o mar a oeste até o deserto a leste:

  1. a planície costeira;
  2. as montanhas ou planaltos ocidentais (a Cisjordânia na Palestina);
  3. o vale de fendas (o rio Jordão e o mar Morto na Palestina);
  4. as montanhas orientais, regiões montanhosas, ou planalto (a Transjordânia  na Palestina).

Embora seja esta uma descrição inicial vantajosa, o terreno é realmente bem mais complicado do que a divisão habitual permite.
Em primeiro lugar, as quatro zonas não continuam ininterruptas ou com a mesma preeminência por todo o corredor siro-palestinense. Por exemplo, a planície costeira é interrompida na Palestina pelo monte Carmelo e igual­mente em diversos pontos na Síria. As regiões montanhosas são apenas um planalto no Negueb na Palestina meridional, e a Samaria e a Galiléia estão separadas uma da outra pelos vales este-oeste de Esdrelon e de Jezrael que atravessam completamente os planaltos ocidentais desde o mar até o rio Jor­dão. O vale de fendas é interceptado por sua contraparte no Líbano por um emaranhado de montanhas a oeste do monte Hermon. As regiões montanho­sas orientais muitas vezes constituem-se numa meseta ou planalto em vez de uma cadeia de montanhas ou colinas. Na Palestina, em razão de a parte oci­dental delas ser escarpa íngreme caindo de repente dentro do vale de fendas, as regiões montanhosas orientais parecem montanhas desde a Cisjordânia, ao passo que, desde o planalto oriental do deserto, elas são bem menos sa­lientes.
Além disso, embora as características mais óbvias se estendam ao norte e ao sul, a estrutura geológica subjacente — a qual ficou obscurecida pela depressão norte-sul — está de fato sobre um eixo inclinado desde nor-nordeste até su-sudoeste. Dessa forma, a cúpula das montanhas de Galaad, a leste do Jordão, é realmente uma extensão da massa de montanhas de Judá, a oeste do Jordão. Ademais, as falhas de articulação apareciam em ângulos retos em relação às linhas estruturais principais, criando depressões que se tornaram importantes para o movimento lateral de zona para zona. Algumas estendiam-se de oeste para leste (como na depressão de Aco-lago da Galiléia-Basã, ao pas­so que outras se orientam de noroeste para sudoeste (como na depressão de Sidônia-uádi Sirhan e na depressão do vale de Esdrelon-uádi Farica).
O efeito líquido da estrutura complicada do relevo da Palestina é que o país se compõe de número regular de sub-regiões marcadamente diferentes que não se comunicavam facilmente uma com a outra. A tendência para auto-suficiência local nestas regiões tornava a unificação da terra, por qualquer que seja o motivo, tarefa difícil. A este respeito, o antigo Israel era aproxima­damente como a antiga Grécia. Em ambos os casos, observamos forte senti­do persistente de unidade cultural entre um povo dilacerado pela tendência para a separação política interna, que correspondia, em grande parte, ao marcante regionalismo da terra. A natureza do movimento social israelita inicial, a divisão em dois reinos, a hostilidade entre judeus e Samaritanos, como tam­bém muitos outros aspectos da história de Israel, só podem ser entendidos no projeto fundamental das divisões cantonais da Palestina.
Como a maior parte do antigo Oriente Próximo, com exceção do Egito e da Mesopotâmia, a Palestina carecia de um grande rio que pudesse ser apro­veitado para irrigação. O seu povo, colheitas e rebanhos eram necessariamen­te alimentados pelas chuvas. As chuvas vitais desprendiam-se do Mediterrâ­neo desde meados de outubro até começos de abril, caindo mais copiosamente no norte do país e diminuindo notavelmente em direção do sul. A costa norte e as encostas voltadas para o mar dos planaltos, a leste e a oeste da de­pressão jordaniana, recebiam a irrigação mais completa, enquanto as encos­tas de barlavento dos planaltos, situadas na sombra de chuvas, recebiam mui­to menos chuva. Além disso, as quantidades de precipitação atmosférica eram sumamente variáveis de ano para ano, como também de região para região, e o espacejamento das chuvas a tal ponto imprevisível que as safras podiam falhar por causa de demasiada chuva ou muito pouca em pontos cruciais, na estação de crescimento.
Os solos na Palestina variavam muito em sua adaptabilidade para culti­vo. Os duros calcários na região das colinas forneciam excelente pedra de cons­trução e se decompunham num rico solo permeável para a agricultura. Gran­de parte, entretanto, da região das colinas era formada por greda, que se pres­tava muito mal para culturas, porém tinha a vantagem de desgastar-se rapida­mente, de modo que estradas acompanhavam estes depósitos gredosos sem­pre que possível. Algumas superfícies eram totalmente incontroláveis para agri­cultura: arenito, freqüente sobre a margem ocidental dos planaltos da Transjordânia e que continha depósitos de cobre; as margens carregadas de sal do vale do Jordão; e a rocha de basalto da Galiléia oriental que ainda não se tinha decomposto em solo como se decompusera em partes de Basã. Grande parte da planície costeira era enriquecida por solo de aluvião arrastado pela água dos planaltos ocidentais, todavia dunas de areia estorvavam a drenagem e mantinham fora de cultivo partes consideráveis da planície. Algumas regiões com rico aluvião eram demasiado pantanosas para cultivar, tais como a pla­nície do Saron ao sul do monte Carmelo e o vale superior do Jordão na bacia do Hulê.
O resultado desta combinação de relevo, precipitação atmosférica e fato­res do solo foi que áreas para lavoura seguras da Palestina elevavam-se a me­nos da metade da área total de terra. As regiões de lavoura centrais seguras da Palestina eram aproximadamente como segue:

  1. a planície costeira ao norte do monte Carmelo (a planície de Aco) e entre '  a planície do Saron e de Gaza ao sul (a planície Filistéia), e incluindo os va­les laterais de Esdrelon-Jezrael;
  2. os planaltos da Cisjordânia quanto ao seu cumprimento total, desde a Gali­léia até um ponto ao sul de Hebron, numa faixa que fazia a média talvez de vinte milhas de largura;
  3. alguns pontos do vale superior do Jordão ao norte de Betsã;
  4. os planaltos da Transjordânia quanto ao seu cumprimento total, desde Basã  até Edom, numa faixa que fazia a média talvez de dez milhas de largura.

Uma comparação dos planaltos ocidentais e orientais como zonas cultiváveis é instrutiva. Evidentemente, os planaltos da Cisjordânia representavam a região agrícola mais extensa e mais produtiva. A zona cultivável de maneira certa na Transjordânia era, na maioria dos casos, mais estreita do que na Cisjordânia, contudo ela mostrava irregularidades inegáveis na forma. Ela se abaulava muito para o interior em Basã e Galaad, porém estreitava-se até uma única fileira de aldeias ao longo do alto levantamento de Edom meridional o qual recebia chuva conveniente, enquanto o Negueb inferior ao oeste imediato era virtualmente árido. Digna de nota também é a variedade, em geral maior, de safras nos planaltos ocidentais. Em geral, a Transjordânia não podia cultivar videiras e oliveiras, de maneira que Galaad sozinha, nos planaltos orientais, podia duplicar a mescla de grão, vinho e óleo que era tão familiar aos planal­tos ocidentais.
Isto não significa, naturalmente, que toda a terra, fora da terra confiável do coração agrícola, fosse um deserto econômico. Em primeiro lugar, ove­lhas e cabras podiam ser pastoreadas nas pastagens que brotavam com as chuvas do inverno. Aqui e acolá, nascentes criavam viçosos oásis em, sob ou­tros aspectos, regiões áridas, como em Jericó e En-Gedi no vale das fendas. Havia sempre possibilidade de arriscar plantações em áreas marginais, caso uma não fosse totalmente dependente delas; é provável, por exemplo, que uma apreciável colheita de cevada pudesse ter sido obtida na bacia de Bersabéia na média de cada três anos. Da mesma forma, se existia bom motivo para habitar uma região de fronteira do deserto, era possível represar e terracear leitos de uádis, a fim de que as águas de escoamento apanhadas em armadi­lha suportassem agricultura, como foi o caso durante a monarquia israelita em Jesimon (o deserto de Judá) e em partes do Negueb ou até dentro dos tempos nabateus, romanos e bizantinos.
No entanto, foi precisamente nas terras de lavoura mais seguras das re­giões montanhosas da Cisjordânia e da Transjordânia que os primeiros israe­litas viveram como agricultores e criadores de gado residentes. Os territórios de Judá, Benjamim, Efraim e Manassés, nos planaltos ocidentais, constituíam a terra do coração do antigo Israel. É aqui que se localizavam as cidades de Hebron, Belém, Jerusalém, Gabaon, Betel, Silo, Siquém, Tersa e Samaria. Dois importantes baluartes israelitas se mantinham separados desta base central: a Galiléia ao norte, separada pelo corredor dos vales de Esdrelon-Jezrael, e Galaad ao leste, interceptado pela profunda depressão jordaniana. Possivel­mente colonizados primeiramente por israelitas das regiões montanhosas de Judá-Samaria, a Galiléia e Galaad sempre foram ocupados de maneira pre­cária por Israel e o regionalismo da terra aparece na suspeita e hostilidade manifestadas freqüentemente, para cá e para lá, entre estas regiões — incluin­do tensão marcada entre Judá e Samaria, ainda que as duas mantivessem po­sições seguras no núcleo privilegiado de planaltos ocidentais. Somente sob Davi foram submetidos ao controle de Israel a planície costeira, a depressão jordaniana e a maior parte da Transjordânia. Sempre que o poder político de Israel  se contraía, eram estas regiões secundárias que primeiro se perdiam. A região das colinas da Cisjordânia meridional, e as ramificações mais vulneráveis da Galiléia e de Galaad, permaneceram a base física e econômica e a terra natal cultural e espiritual do Israel bíblico.


Fonte: Introdução Socioliteraria à Bíblia Hebraica - Norman K.Gottwald

Pesquisa: Pr.Charles Maciel Vieira

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