7.3. Sub-regiões importantes para o Israel bíblico
Contra o fundo das características gerais da geografia palestinense, localizaremos agora com precisão as sub-regiões que tiveram relação mais significativa com a experiência de Israel.
7.3.a. A planície costeira
Quanto ao seu comprimento total, a Palestina estava flanqueada, a oeste, pelo mar Mediterrâneo. Circunstâncias naturais e políticas impediram Israel de se desenvolver em direção ao mar ou aventurar-se sobre o mar. Israel jamais colonizou plenamente a planície costeira nem se tornou potência marítima. Por que motivo?
Em primeiro lugar, a costa da Palestina, com exceção da baía de Aco ao norte do monte Carmelo, não era favorecida por entalhe e o desenvolvimento de portos era impedido pela sedimentação do delta do Nilo, depositada por toda a extensão do litoral. No que tange à instalação na planície costeira, os pântanos refratários da planície de Saron interditavam a ocupação no seu centro e os filisteus ocupavam a parte meridional desejável da planície, onde ela se abria em leque até sua maior largura. Mesmo depois que Davi subjugou os filisteus enquanto ameaça militar, Israel parece ter aceitado a presença permanente dos filisteus na planície (§30.1-3). O litoral mais para o norte, além do Carmelo, também era terra disputada, ocupada freqüentemente pelos fenícios.
Os hábeis exploradores do Mediterrâneo foram os cananeus, que habitavam ao longo da estreita planície costeira na Síria e no Líbano. Ugarit e Biblos eram portos importantes antes de terem sido sucedidos por Tiro e Sidônia nos primeiros tempos israelitas. Sob o nome de fenícios, os mercadores de Tiro e de Sidônia rapidamente se tornaram a principal potência marítima do grande mar interior (§30.4). Fatores fundamentais nesta "abertura ao mar" fenícia foram acessibilidade de bons portos, falta de terra para lavoura, e isolamento do comércio terrestre, que era atraído para Damasco, no interior.
Apesar de relatos na Bíblia de que os primitivos israelitas operavam navios, ou mais provavelmente serviam neles e que alguns dos reis de Israel fizeram esforços corajosos — embora em geral mal sucedidos — por desenvolver uma frota através da saída do mar Vermelho para o oceano Índico, Israel permaneceu essencialmente cercado de terra. A importância principal da planície costeira para Israel era que, através dela, corria a estrada tronco desde o Egito à Mesopotâmia, trazendo comerciantes, diplomatas e exércitos invasores. Além disso, ao norte do monte Carmelo, esta planície costeira penetrava todo o caminho através da Palestina até o rio Jordão, via vales de Esdrelon e Jezrael, através dos quais passavam duas ramificações da estrada (ronco, conforme ela se voltava para o interior em direção a Damasco. Foi aqui que o terreno plano litorâneo foi atraído para o coração de Israel como uma bênção misturada de terra fértil, comunicação facilitada e vulnerabilidade ao ataque.
As cidades filistéias mais importantes da planície eram (do sul ao norte) Gaza, Ascalon, Azoto, Gat e Acaron. Durante a monarquia, e mesmo nos tempos pós-exílicos, havia colônias israelitas ao norte da Filistéia em localidades tais como Gibeton, Jebneel, Gazer, Lod, Jafa, Tell Qasile (nome bíblico desconhecido), Afec, Hefer e Dor, e igualmente ao norte do monte Carmelo em Naalol, Afec, Acsaf, Aco e Aczib.
7.3.b. A região das colinas de Judá
Judá abrangia a extensão mais meridional dos planaltos ocidentais. O seu centro era um alto planalto rochoso, com a média de três mil pés de altitude, fértil a oeste da linha divisória das águas, mas despovoado ao leste onde o deserto de Judá ou Jesimon caía de repente em direção dos rochedos escarpados que davam vista para o mar Morto. O estabelecimento mais importante neste deserto era o oásis de Engadi nas proximidades do mar Morto. Nos rochedos, na extremidade noroeste do mar, uma comunidade sectária, zeladores dos famosos Manuscritos do mar Morto, viviam em virtual isolamento desde cerca de 100 a.C. até 70 d.C. (§10.2.b; 47).
As férteis elevações ocidentais de Judá estavam protegidas pelas acidentadas colinas inferiores da Sefelá ("terras-baixas" ou "contrafortes"), a qual estava separada da escarpa íngreme dos planaltos por um estreito vale de fossos norte-sul. A Sefelá, muito disputada por filisteus e judaítas, continha os estabelecimentos de Tell Beit Mirsim (possivelmente Dabir), Laquis, Maresa, Ceila, Odulam, Soco, Azeca e Bet-Sames. O maciço judaíta continuava caindo de repente ao sul de Hebron até dentro do ondulante Negueb, ou região sul, onde o território de Simeão, com os seus estabelecimentos de Bersabéia, Cabzeel, Horma e Arad, foi logo incorporado a Judá. As aproximações a Judá, poderosamente fortificadas durante a monarquia, eram assim decididamente defensáveis por todos os lados, salvo o norte (§33.2; 33.6).
Nos férteis planaltos de Judá situavam-se as cidades de Maon, Carmel, Zif, Aduram, Hebron, Khirbet Rabud (provavelmente Dabir), Bet-Zur, Técua, Etam, Belém e Jerusalém. Por toda esta área as vinhas eram a colheita característica, e trigo e cevada cultivavam-se em quantidade. Plantavam-se oliveiras, mas o frio inverno e a diminuição das chuvas tornavam-nas menos abundantes, mais para o sul quando se penetrava nos planaltos. A região mais fértil de Judá encontrava-se diretamente ao sul de Jerusalém nas proximidades de Belém e de Etam. Ovelhas e cabras criavam-se extensamente por toda a área, e até se apascentavam nas partes acessíveis do deserto de Judá. A estrada principal acompanhava a linha de vertente das águas de norte a sul com as aldeias situadas de ambos os lados em sítios defensáveis.
7.3.c. A região das colinas de Samaria
A massa central dos planaltos ocidentais era separada de Judá pela assim chamada Sela de Benjamim. Aqui, exatamente ao norte de Jerusalém, os planaltos caíam de repente vários pés abaixo de sua altura usual. Era isso uma encruzilhada importante, oferecendo o acesso mais fácil até dentro dos planaltos, desde a costa via passo de Aialon e desde a depressão do Jordão via uma estrada desde Jericó. A zona amortecedora de Benjamim entre Judá e Efraim, que continha os estabelecimentos de Gabaá, Ramá, Masfa e Gabaon, era freqüentemente disputada pelos reinos do norte e do sul de Israel e sempre apresentava um problema para a defesa adequada da vizinha Jerusalém.
Ao norte da cúpula calcária de Efraim estendia-se, através de todos os planaltos, um baluarte firmemente defendido de pequenas aldeias bem adaptadas ao cultivo de oliveiras e de vinhas. Cidades mais importantes eram Betel, Efra, Baal-Hasor, Jesana, Silo, Sareda e Tafua. Ainda mais para o norte encontrava-se o território de Manassés, onde os planaltos centrais partiam-se em dois braços que se abriam em leque a fim de abranger a bacia de falha em declive, no centro da qual se levantavam os cumes do Ebal e do Garizim, com a importante cidade de encruzilhadas, Siquém, situada entre as duas montanhas. Outras colônias importantes em Manassés eram Aruma, Jecnaam, Tersa, Tebes, Bezec, Samaria e Dotã. As bacias eram ideais para cultivar cereais e as encostas eram ricas em bosquetes de vinhas e oliveiras.
A ação recíproca entre geografia e política é complexa nesta região. A proximidade dos vales de Esdrelon e de Jezrael ao norte convidava Manassés a espalhar-se por entre eles, ainda que na Bíblia estes vales sejam atribuídos às tribos menores de Issacar e de Zabulon. Foi assim mormente Manassés, que desafiou o domínio cananeu sobre Jeblaam, En-Ganim, Tanac, Meguido e Jezrael nos vales transversais. A expansão de vários vales consideráveis dentro das bacias da região das colinas contribuía para boa comunicação interna, porém, o fato de Manassés não estar bem defendido contra penetração desde a planície costeira, desde o vale de Esdrelon, ou desde a depressão jordaniana — mais o fato de que, durante longo tempo, o reino do norte não possuía cidade capital totalmente defensável nesta região (§33.2-3) — significava que as condições naturais aqui não favoreciam a estabilidade política. As regiões de Efraim e Manassés tomadas em conjunto (as assim chamadas tribos de José) foram finalmente conhecidas como Samaria, depois da capital fortificada construída por Amri, todavia a unidade desta terra do coração do reino do norte estava comprometida por realidades geopolíticas diferentes no maciço de Efraim e nas bacias abertas de Manassés (§33.6).
O monte Carmelo era a extensão mais afastada a noroeste de uma cadeia de montanhas de trinta milhas de comprimento que se dobrava em ângulo fora dos planaltos de Samaria e chegava até a margem do mar. Esta cordilheira, embora nunca atingindo dois mil pés, era assustadoramente escarpada e arborizada — por conseguinte despovoada — e servia para dividir a planície costeira, de maneira que o tráfego era canalizado através de suas estreitas passagens para dentro dos vales de Esdrelon e de Jezrael, os quais se tornavam assim a ligação central de comunicação no norte da Palestina.
7.3.d. A região das colinas da Galiléia
A Galiléia reassumia o terreno montanhoso de norte-sul, elevando-se em dois degraus para o norte desde os vales de Esdrelon e de Jezrael. A Galiléia inferior compunha-se de calcário fragmentado e colinas de greda, não ultrapassando os dois mil pés, com muitas bacias de falha em declive que se ligavam internamente. É aqui que se situavam as colônias bíblicas de Jabneel, Madon, Helba, Gat-Hefer, Jafia, Semron, Rimon e Jotba, no meio de encostas e bacias bem adaptadas à escala israelita preferida de oliveiras, vinhas e cereais. Na seção oriental havia muita rocha basáltica que se estendia até o lago da Galiléia na depressão jordaniana. Esta região era atravessada, de sudoeste a nordeste, pela estrada tronco desde o vale de Esdrelon, que passava ao norte do lago da Galiléia.
A Galiléia superior erguia-se a três mil pés e mais sobre uma ampla área elevada de maneira saliente ao longo de uma escarpa leste-oeste que dominava a Galiléia inferior. Na sua parte inferior corria um caminho direto desde o lago da Galiléia até Aco no litoral. Sobre as bordas ou dentro desta fortaleza rochosa situavam-se Hasor, Merom, Cades, Bet-Anat, Bet-Sames, Iiron e Caná. A área possuía potencialmente bom solo e excelente precipitação atmosférica, porém não é conhecido até que grau de extensão os primitivos israelitas desobstruíram suas vastidões cobertas de matas e arborizadas. A própria Bíblia fala muito pouco a respeito dessa região, embora exista prova arqueológica de que uma rede de pequenas aldeias de lavoura, provavelmente israelitas, se espalhavam de fato sobre partes desta região antes da monarquia (§24.1.a).
7.3.e. A depressão do Jordão
De modo geral, a depressão do Jordão não era proveitosa para colonização, salvo nuns poucos lugares de oásis tais como Jericó e Betsã, ou onde os ribeirões recentes vindos dos planaltos da Transjordânia desaguavam no vale do Jordão. A água do próprio rio Jordão era demasiado salina para uso agrícola. A depressão jordaniana, sim, proporcionava viagem confortável de norte-sul, embora fosse preciso que as estradas fossem cuidadosamente escolhidas por causa dos uádis tributários, as margas retorcidas e os escoamentos de basalto. O rio, alinhado por um matagal de tamargueiras, cortava um profundo canal através de terras áridas margosas, desde o sul de Betsã, todo o caminho até o mar Morto, e assim só podia ser atravessado em alguns pontos de vadeação.
O enorme vale, visível desde muitas partes dos planaltos, dava sentido de grandeza e amplitude — por estar no meio de paisagens de altitudes imensas, profundezas e distâncias — a uma terra que mais freqüentemente atraía a atenção para seus ambientes locais miniaturizados. Apesar dos seus declives escarpados e do seu aspecto árido, o vale jordaniano não constituía obstáculo intransitável para o movimento de leste a oeste. Onde as regiões nos planaltos, de um e de outro lado do vale, eram similares, a comunicação e um sentido de comunidade unida podiam ser mantidos — como, sem dúvida, aconteceu entre Manassés na Cisjordânia e Galaad na Transjordânia.
7.3.f. A região das colinas de Galaad
Localizada a leste da depressão ou vale do Jordão, defronte a Manassés e Efraim, Galaad erguia-se numa grande cúpula calcária que protegia a vida de pequenas aldeias e estimulava os modelos típicos de agricultura mista dos israelitas. Em contraste, as terras da Transjordânia ao norte e ao sul de Galaad eram menos seguras estrategicamente e propendiam a dedicar-se em primeiro lugar a uma ou outra safra, sendo os cereais especialmente abundantes em Basã ao norte e em Moab ao sul. Galaad era dividido pelo curso este-oeste do uádi Jaboc, porém condições naturais similares em ambos os lados do profundo uádi contribuíam para uma sensação de unidade em toda a região. Ramot-Galaad, Bet-Arbel, Lo-Dabar, Jabes-Galaad, Fanuel, Maanaim, Jazer, e possivelmente Abel-Meola (porém, talvez, na Cisjordânia) estavam localizadas nos planaltos, ao passo que Sartã, Safon e Sucot estavam situadas na margem do vale jordaniano onde uádis manavam da escarpada de Galaad. Visto que na Bíblia Galaad era atribuída em parte à meia tribo de Manassés e em parte a Gad, com reivindicações por vezes sobrepondo-se, é ponto discutível que Galaad fosse colonizado por israelitas partindo da Cisjordânia. As regiões rochosas e arborizadas de Galaad eram lugar freqüente de refúgio em tempos de dificuldade política.
7.3.g. Amon, Moab e Edom
Três reinos do planalto na Transjordânia mantinham freqüentes contatos, na maior parte hostis, com Israel. Amon, ao sudeste de Galaad, era estado misto de agricultura e pastoreio na mesma orla do deserto. Moab, diretamente ao sul de Galaad, era platô cultivador de cereais e criador de ovelhas, dando vista para o mar Morto desde o leste. A sua terra do coração estava entre o uádi Zared no sul e o uádi Arnon no norte, porém, quando se sentia forte, Moab controlava o platô para o norte até Hesebon e mesmo até os vaus do Jordão defronte a Jericó. Edom, ao sul do uádi Zared, erguia-se sobre uma longa elevação de mais de cinco mil pés de altura, onde a altitude adicional lhe garantia suficiente precipitação atmosférica para agricultura ao longo da crista do planalto.
O segundo caminho mais importante na Palestina, a estrada real, que se ligava à estrada das especiarias até a Arábia do sul, corria desde a cabeceira do golfo de Áqaba para o norte através de Edom, Moab e Amon em direção a Damasco. Era objeto de intenso tráfego por parte das caravanas de mercadores que se viam obrigados a pagar pedágios sempre que os reinos do planalto eram suficientemente fortes para cobrá-los. Os midianitas construíram um império comercial nesta região durante os dias dos juízes israelitas, e o mesmo fizeram os árabes nabateus desde a sua inexpugnável cidade de petra nas rochas, em Edom, durante os tempos helenísticos e romanos. Sempre que um rei israelita visava ao controle sobre a Transjordânia, tornava-se imperioso obter o controle do comércio lucrativo ao longo da estrada real (§30.4; 33.3).
Fonte: Introdução Socioliteraria à Bíblia Hebraica - Norman K.Gottwald
Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira
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