Vinho novo em odres velhos
Quando Jesus
disse ter vindo para "lançar fogo sobre a terra" Lucas 12:49) e não
para "trazer paz, mas espada" (Mateus 10:34), como falou
verdadeiramente! Ele não se ajustava aos modos familiares do mundo ao qual
veio. Mesmo o mais revolucionário pensamento de seu tempo não poderia contê-lo.
Suas palavras e modos eram transcendentemente diferentes, inquietantes,
ameaçadores. Não poderia haver uma síntese calada do velho e do novo, somente
uma colisão descomprometida que conduziria inevitavelmente a rebelião ou
rendição. Alguns viriam a gostar do novo, outros a odiá-lo.
Em suas três
analogias, em Mateus 9:14-17 (Marcos 2:18-22; Lucas 5:33-39), Jesus responde
aos seus críticos gentilmente, mas ilustra o inevitável do conflito: como pode
pano novo ser usado para remendar roupa velha? Como pode o explosivo vinho novo
ser contido em velhos e inflexíveis odres?
O provérbio
de Jesus sobre o remendo novo na roupa velha saiu facilmente de sua própria
vida. Aquele que "não tinha lugar para repousar sua cabeça" não
deveria desconhecer vestes remendadas. E todos sabiam que uma tentativa de
remendar uma roupa gasta com pano novo levaria a dois desastres, um estrutural
e outro estético. O pano novo encolheria com a primeira lavagem e aplicaria tal
tensão sobre o pano velho que faria um rasgo maior do que antes (Marcos 2:21);
e, por sua própria novidade, o remendo novo faria com que a roupa velha
parecesse ainda mais desbotada e velha (Lucas 9:36). Às vezes, o velho é
irreparável e tem simplesmente que ceder lugar ao novo.
O judaísmo
rabínico, com suas corrupções farisaicas, estava além da recuperação. Sua
atitude estava totalmente tão afastada do espírito da lei e dos profetas que o
único meio de ir além dela era saindo dela. E ainda que a mensagem de
arrependimento e de abatida contrição de João fosse de Deus e vital para o seu
tempo, ela era preparatória, e não permanente (Atos 18:25-26; 19:1-5). O novo
caminho de Jesus era um pano inteiro e não uma colcha de retalhos. Ele não
tinha vindo para enxertar suas novas verdades no esfarrapado tecido religioso
das tradições humanas e ímpias atitudes, ou para sentar-se imóvel a uma das
paradas da estrada do propósito eterno de Deus. Tivesse feito isso e teria
destruído tudo. Em Cristo, todas as coisas teriam que ser novas (2 Coríntios
5:17).
A
incredulidade judaica vigente recusou-se a renunciar aos seus caminhos
tradicionais para receber a palavra de Deus, e crucificou Jesus. Os judaizantes
da igreja primitiva relutavam em deixar a lei pelo evangelho e, em seu esforço
para acomodar o evangelho à lei, manobraram para rasgar e destruir tudo
(Gálatas 1:6-9; 5:3-4). A mesma disposição mental vive hoje. Velhos e ímpios
caminhos, recusando a entregar a alma, nos desafiarão a acomodar o evangelho a
eles ou a sair. Nesses momentos precisamos correr, e não andar, para a saída
mais próxima.
O terceiro
destes provérbios que Jesus usa para responder a seus críticos simplesmente
reforça a mensagem dos dois primeiros: certas coisas não se ajustam. Os homens,
ele disse, não colocam vinho novo, ainda fermentando e expandindo, em velhos e
ressecados odres porque eles se rasgariam e seriam destruídos e o vinho novo
escorreria e se perderia (Mateus 9:17). O Senhor está advertindo que
mentalidades rígidas custarão aos homens a incomparável qualidade especial do
evangelho. Porque ela é imprevisivelmente nova e inimaginável (1 Coríntios 2:9)
e não se ajusta confortavelmente nos trilhos familiares, estamos demasiado
dispostos a tentar forçá-la, através de nossas categorias congeladas, até que
ela saia parecendo mais com o que esperávamos e desejávamos que fosse. Não há
meio melhor do que este para simplesmente derramar no chão o precioso vinho
novo do reino eterno de Deus.
Precisamos
estar atentos a um conservadorismo tão insensato que pensemos que o melhor modo
de permanecer firmes na fé seja manter as coisas como estão. Que tudo está bem
e bom se o modo como as coisas estão é como o Senhor quer que estejam; mas se
não, precisamos juntar armas a bagagem e ficar prontos para uma longa jornada
naqueles novos lugares onde o Senhor pretende que estejamos. O vinho novo do
evangelho não é destinado a nos deixar confortáveis, mas a nos fazer novos.
Alguns
fizeram um uso infeliz da afirmação de Jesus a propósito do vinho novo e dos
odres velhos. Para eles, os odres velhos freqüentemente representam aqueles
modos pelos quais, no Novo Testamento, os discípulos então fizeram as coisas, e
o vinho novo simboliza idéias modernas que são mais atraentes para os homens e
as mulheres da geração corrente. Eles precisam ser lembrados que todos os modos
dos cristãos primitivos que não foram simplesmente um reflexo das condições do
seu tempo (a lavagem dos pés como um ato de hospitalidade, um beijo para
saudação, etc.) eram o produto da vontade radical de Cristo e os imutáveis
princípios eternos do seu reino. Todos nós faríamos bem em seguir o exemplo
deles (Atos 2:42). Pois se o fizermos, certamente não estaremos sentados
imóveis, mas estaremos empenhados na experiência mais radicalmente
transformadora da história humana. Beber o vinho do reino de Deus não é um
passo de moderação. Obedecer à voz do Filho de Deus não é um ato conservador!
-por Paul
Earnhart
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