Roqueiro evangélico lembra amizade e conversa sobre religião
com Chorão.
Para ele, cantor expressou 'busca por algo mais do jeito
dele'; veja letras.
"Eu gostaria de olhar nos olhos do Chorão e falar alguma
coisa que tocasse o coração dele. Infelizmente eu não posso mais", diz
Rodolfo Abrantes, ex-vocalista dos Raimundos, hoje músico evangélico, sobre o
cantor do Charlie Brown Jr encontrado morto na quarta-feira (6).
Rodolfo falou ao G1 por telefone sobre a época em que Chorão
era "um dos poucos que podia dizer que era amigo" entre a geração de
bandas dos anos 90, na qual Raimundos e Charlie Brown Jr se destacaram. Ele
também destacou o interesse de Chorão pela conversão religiosa do roqueiro
evangélico, no início da década passada.
"Chorão estava ouvindo, absorvendo, não me julgou",
diz sobre a conversa de 2003.
G1 - Qual era sua relação com o Chorão?
Rodolfo Abrantes - O Chorão era um dos poucos caras que eu
podia dizer que era meu amigo das bandas daquela época da década de 90. Ia na
minha casa, eu ia na dele. Chegou até a me dar um skate, saíamos juntos. E
tocávamos juntos, fazíamos shows. Gostava muito dele porque era uma pessoa
real. Não era um personagem, ele era aquela figura. Ainda que você não concorde
muito com coisas que pessoas fazem, tem que admirar quando elas são
verdadeiras, esse é um terreno sagrado.
G1 - Você já falou que o Chorão pediu para que você pregasse
para ele. Como aconteceu isso?
Rodolfo Abrantes - Quando comecei a ter minhas experiências
com Deus, saí do Raimundos e minha vida mudou. Reencontrei o Chorão em show em
Belo Horizonte, com Charlie Brown e Rodox, em 2003. No camarim ele chegou para
mim, puxou numa cadeira, distante de outras pessoas, e falou: "Conta como
foi a parada". Eu contei como foi a minha experiência com Deus. Achava
fantástico isso no Chorão: ele estava ouvindo, absorvendo, não me julgou. Dava
pra ver que percebeu a diferença na minha vida e queria saber o que estava
acontecendo.
Rodolfo também falou com o G1 sobre as letras de Chorão e
sobre a o seu potencial para "levar multidões para Cristo". Na
discografia do Charlie Brown Jr, há doze músicas em que Deus é citado
diretamente (veja as principais ao lado). Chorão gostava de "trocar uma
ideia com Deus", frase usada por ele para batizar a faixa bônus que fecha
o disco "Nadando com os tubarões", de 2000.
Quando se pensa nas letras de Chorão, a primeira imagem
talvez seja do rapaz sem dinheiro e desbocado que corteja uma
"princesa". Esse é o caso dos hits "Proibida pra mim",
“Vícios e virtudes”, “Tudo o que ela gosta de escutar” e “Champanhe e Água
Benta” (do verso "Toda patricinha adora um vagabundo"). Na mesma
música, dizia que sua vida era "tipo um filme de Spike Lee: verdadeiro,
complicado, mal-humorado e violento", em alusão ao diretor
norte-americano.
Há no cancioneiro do grupo, porém, temas que remetem a
questões menos materiais. Chorão volta e meia menciona "o dom
natural" que ele tem para se comunicar (expressão citada em “Uma criança
com o seu olhar”). O letrista também falava bastante sobre os problemas que
enfrentou antes do sucesso. Em “Não viva em vão”, cantava sobre estar só.
"A vida já me derrubou, a vida já me deu abrigo / Mas a vida já me situou,
que a solidão não faz sentido", dizia Chorão na música.
A morte do pai, em 2001, inspirou versos sempre emotivos,
como os de "Lugar ao Sol". Na canção, cantava que "azul a cor da
parede da casa de Deus". Em “Pontes indestrutíveis”, afirmava: "Tomo
cuidado pra que os desequilibrados não abalem minha fé pra eu enfrentar com
otimismo essa loucura". E completava: "Os homens podem falar, mas os
anjos podem voar".
G1 - O Chorão fez várias músicas que citam Deus. Isso já te
chamou atenção?
Rodolfo Abrantes - O Chorão não tinha nenhuma rejeição à
coisa de Deus. Só não se sentia confortável com religião. Eu lembro nessa
conversa, em Belo Horizonte, que ele me mostrou a música em que canta
"azul é a cor da parede da casa de Deus" ["Lugar ao sol",
de 2001]. E cantou inteira. É uma musica muito bonita. Não bíblica, mas sobre a
impressao dele de Deus. Existia uma sede dele de algo mais, existia uma
consciência de que o que ele precisava era Deus, e do jeito dele, fez muito
bem.
Fiquei muito triste ao saber da morte dele, porque eu tinha
certeza que um dia ele ia fazer uma coisa que o tirasse da depressão.
Infelizmente agora não pode fazer mais nada. Os fãs do Charlie Brown têm uma
maneira muito sadia e muito nobre de honrarem a história do Chorão: fazendo
escolhas que os levem para perto de Deus, para a parte da luz. As pessoas podem
honrar a morte dele, em memórias, se fizerem escolhas boas, que edifiquem. E
vivam.
G1 - Você também já falou em uma entrevista que "se esse
cara [Chorão] começar a falar de Jesus, você vai ver multidões vindo para
Cristo". Por quê?
Rodolfo Abrantes - Deus deu dons para as pessoas. Ele tinha o
dom da palavra. O que o Chorão falava a galera seguia. As pessoas estavam muito
perto dele. Todo mundo vibrava, as músicas eram cantadas em coro. Se tivesse
experiências com Deus ele levaria muita gente para Cristo.
G1 - Qual foi a última vez que viu o Chorão?
Rodolfo Abrantes - A última vez foi em 2007. Eu fui gravar um
CD ao vivo em São Paulo. A gente tinha muitos amigos em comum, um dele é o
Tarobinha, skatista profissional, e hoje faz parte da mesma igreja que eu. Ele
convidou o Chorão, ele estava em Santos. Ele pegou o carro dele, foi lá ao
show, a gente conversou bastante e eu fiquei muito feliz de vê-lo ali.
G1 - O Digão e o Canisso [ex-companheiros de Rodolfo no
Raimundos] foram ao velório. Você gostaria de ter ido também?
Rodolfo Abrantes - Eu estou [em João Pessoa] pregando todos
os dias desde sexta. só vou voltar no domingo. Realmente, não tinha condições
de ir. Mas, sinceramente, velório é para dar abraço nos familiares e amigos. Na
minha despedida dele, eu gostaria de olhar nos olhos do Chorão e falar alguma
coisa que tocasse o coração dele. Infelizmente eu não posso mais.
G1 - O Renato Pelado [ex-baterista do Charlie Brown, hoje
também músico evangélico] ainda faz parte da mesma igreja que você?
Rodolfo Abrantes - Ele está na Bola de Neve. Mas há um ano
estou congregando em outro ministério. Mas o Pelado está firme lá. Tenho muitos
amigos e ele está muito firme, muito feliz. É alguém que deve estar sofrendo
muito pela morte do Chorão.
Fonte: http://g1.globo.com/
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