“Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está
pronto a repartir as suas benesses para quem pagar bem”. Essa é a definição do
pastor Ariovaldo Ramos para o que a teologia da prosperidade prega.
Num artigo, publicado em seu blog, Ariovaldo faz uma síntese
da teologia praticada por muitas igrejas pentecostais: “Estamos, há mais de
vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa
teologia seja: Como têm conseguido permanecer por tanto tempo?”, questiona o
pastor.
Tratada por Ariovaldo Ramos como uma prática de engano e sem
base bíblica, a teologia da prosperidade já pintou quadros de absurdo, segundo
ele: “Lembro-me de ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem
tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte”,
contextualiza.
Para o pastor, a teologia da prosperidade “se sustenta pela
criatividade” e pelo fato de oferecer diversificação da mensagem cristã: “Os
pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, vivem de promover
espetáculos ás custas da boa fé do povo”.
-É uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta
x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x,
e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas
fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos
de massa, dirigidos por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados
animadores de auditório da TV brasileira – critica.
Há questões culturais envolvidas, segundo o texto de
Ariovaldo Ramos: “Os pregadores dessa panaceia descobriram que o povo gosta de
pagar pelos benefícios que recebe, algo como ‘não dever nada a ninguém’, fruto
da cultura de penitência amplamente disseminada na igreja romana medieval [...]
Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de
oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção”.
O pastor afirma que a teologia da prosperidade tem gerado
“decepção” às pessoas que buscam a mensagem cristã e convoca o corpo de Cristo
para reverter a situação: “Hoje, para além de tudo o que encerra a sua missão,
a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu nome, e, em muitos casos, sob a
sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo cometidos”.
Confira abaixo, a íntegra do artigo “Uma Pastoral para a
Decepção!”, do pastor Ariovaldo Ramos:
Quando, na década
de 80, a teologia da prosperidade chegou ao Brasil, ela veio como uma nova tese
sobre a fé, prometia o céu aqui para o que tivesse certo tipo de fé. As
promessas eram as mais mirabolantes: garantia de saúde a toda prova, riqueza,
carros maravilhosos, salários altíssimos, posições de liderança, prosperidade
ampla, geral e irrestrita.
Lembro-me de, nessa
época, ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem tivesse fé
poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte, afirmava que, na
nova condição de fé, em que se encontrava, Deus teria de negociar com ele a
data de sua partida para mundo dos que aguardam a ressurreição do corpo.
Estamos, há mais de
vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa
teologia seja: Como têm conseguido permanecer por tanto tempo? A tentação é
responder a questão com uma sonora declaração sobre a veracidade desta
proposição, ou seja, permanece porque é verdade, quem tem fé tem tudo isso e
muito mais. Entretanto, quando se faz uma pesquisa, por mais elementar, o que
se constata é que as promessas da teologia da prosperidade não se cumpriram, e,
de fato, nem o poderiam, quando as regras da exegese e da hermenêutica são
respeitadas, percebe-se: não há respaldo bíblico. Então qual a razão para essa
longevidade?
Em primeiro lugar,
a vida longa se sustenta pela criatividade, os pregadores dessa mensagem estão
sempre se reinventando, vivem de promover espetáculos ás custas da boa fé do
povo. Mesmo os mais discretos estão sempre expondo o povo, em alguns casos,
quando mais simplório melhor, em outros, quanto mais bonita, e note-se o feminino,
melhor.
Além disso, é uma
sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta x, outro é tocar a
trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x, e, por aí vai.
Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas fluidificadas e de
bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos de massa, dirigidos
por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados animadores de auditório
da TV brasileira.
Em segundo lugar, a
vida longa se mantém pela penitência; os pregadores dessa panacéia descobriram
que o povo gosta de pagar pelos benefícios que recebe, algo como “não dever
nada a ninguém”, fruto da cultura de penitência amplamente disseminada na
igreja romana medieval, aliás, grande causadora da reforma protestante. Tudo
nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de
oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção.
Deus foi
transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a repartir as suas
benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga e o faz pela fé;
a oferta, nessas comunidades, é a única prova de fé que alguém pode apresentar.
Na idade média,
como até hoje, entre os romanos, Deus podia ser pago com sacrifícios, tais
como: carregar a cruz por um longo caminho num arremedo da via “crucis”, ou
subir de joelhos um número absurdo de degraus, ou, em último caso, acender uma
velinha qualquer, não é preciso dizer que a maioria escolhe a vela. Mas, isso é
no romanismo!
Quem quer
prosperidade, cura, promoções, carrões e outros beneplácitos similares tem de
pagar em moeda corrente, afinal, dinheiro chama dinheiro, diz a crença popular.
E tem de pagar antes de receber e, se não receber não pode reclamar, porque
esse deus sabe o que faz e, se não liberou a bênção é porque não recebeu o
suficiente ou não encontrou a fé meritória. Esses pregadores têm o consumidor
ideal.
Em terceiro lugar
são longevos porque justificam o pior do capitalismo, embora, segundo Weber, o
capitalismo seja fruto da ética protestante, (aliás, a bem da verdade é preciso
que se diga que o capitalismo descrito por Max Weber em seu livro “A ética
protestante e o espírito do capitalismo” não é, nem de longe, o praticado hoje,
que se sustenta no consumismo, enquanto aquele se erguia da poupança.); a fé
cristã, de modo geral, não se dá bem com a busca pela riqueza como objetivo em
si.
A chegada, porém,
dessa teologia mudou o quadro, o pior do capital está, finalmente, justificado,
foi promovido de grilhão que manieta a fé em troféu da mesma. Antes, o que se
assenhoreava do capital tornava-se o avaro acumulador egoísta, agora, nessa
tese, é o protótipo do ser humano de fé. Antes, o que corria atrás dos bens
materiais era um mundano, hoje, para esses palradores, é o que busca o
cumprimento das promessas celestiais.
Juntamente com o
capitalismo, essa mensagem justifica o individualismo, a bênção é para o que
tem fé, ela é inalienável e intransferível. Eu soube de uma igreja dessas que,
num rasgo de coerência, proibiu qualquer socorro social na comunidade para não
premiar os que não tem fé. Assim, quem tem fé tem tudo quem não tem fé não tem
nada.
Antes, ter fé em
Cristo colocava o sujeito na estrada da solidariedade, hoje, nesse tipo de
pregação, o coloca no barranco da arrogância. Toda “esperteza” está justificada
e incentivada. Não é de estranhar que ética seja um artigo em falta na vida e
no “shopping center” de fé desses “ministros”.
Mas, o que isso
tudo tem gerado, de verdade? Decepção, fragorosa decepção é tudo o que está
sobrando no frigir dos ovos. As bênçãos mirabolantes não vieram porque Deus
nunca as prometeu, e Deus não pode ser manipulado. O sucesso e a riqueza que,
porventura, vieram foram mais fruto de manobras “espertalhonas”, para dizer o
mínimo, do que resultado de fé.
Aliás, para muitos
foi ficando claro que o que chamavam de fé, nada mais era do que a ganância que
cega; o antigo conto do vigário foi substituído pelo conto do pastor. Gente
houve que ficou doente, mas, escondeu; perdeu o emprego, mas, mentiu; acreditou
ter recebido a cura, encerrou o tratamento médico e morreu. Um bocado de gente
tentando salvar as aparências, tentando defender os seus lideres de suas
próprias mentiras e deslizes éticos e morais; um mundo marcado pela
esquizofrenia.
O individualismo
acabou por gerar frieza, solidão e, principalmente, perda de identidade, porque
a gente só se torna em comunidade.
Tudo isso
acontecendo enquanto muitos fiéis observavam o contraste entre si e seus
pastores, eles sendo alcançados pela perda de bens, pela angústia de uma fé
inoperante, pela perda de entes queridos que julgavam absolutamente curados, e
os pastores se enriquecendo, melhorando sensivelmente o padrão de vida,
adquirindo patrimônio digno de nota, sendo contados entre o “jet set”, virando
artistas de TV, tudo em nome de um evangelho que diziam ter de ser pregado, e
que as suas novas e portentosas posses avalizavam.
E onde estão estes
decepcionados? E para onde estão indo os seus pares? Muitos estão,
literalmente, por aí, perderam aquela fé, mas não acharam a que os apóstolos e
profetas da escritura judaico-cristã anunciaram; ouviram o nome Cristo, mas não
o encontraram e pararam de procurar. Talvez, estejam perdidos para evangelho;
para sempre.
Outros, no meio de
tudo isso, foram achados por Cristo, e estão procurando pelo lugar onde ele se
encontra. Para os primeiros não há muito que fazer a não ser interceder diante
do Eterno, para que se apiede dos que foram vergonhosamente enganados; para os
que estão a procura, entretanto, é preciso desenvolver uma pastoral.
Eles não estão
chegando como chegam os que estão em processo de reconhecimento de Deus e do
seu Cristo. Estão batendo às portas das comunidades, que julgam sérias com a
Bíblia, à procura de cura para a sua fé, para a sua forma de ser crente, para a
sua esperança de salvação, para a sua falta de comunidade e para a sua confusão
doutrinária.
Precisam,
finalmente, ver a Jesus Cristo e a si mesmos; precisam, em meio a tanta
desinformação encontrar o ensino, em meio a tanto engano recuperar a esperança.
Necessitam de comunidade e de identidade, de abraço e de paciência, de paz e de
alento, de fraternidade e de exemplo, de doutrina e de vida abundante.
Quem quer que há de
recebê-los terá de preparar-se para tanto, mesmo porque, ainda que certos da
confusão a que foram expostos, a cultura que trazem é a única que têm, e nos
momentos de crise, de qualquer natureza, será a partir desta que reagirão, até
que o discipulado bíblico construa, com o tempo, uma nova e saudável cultura.
Hoje, para além de
tudo o que encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu
nome, e, em muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda,
estão sendo cometidos.
Por Tiago Chagas, para o Gospel+
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