Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br
Nos últimos seis anos, 400 matrimônios foram considerados
nulos pelo Tribunal Eclesiástico no Rio Grande do Sul
Os casamentos católicos são considerados indissolúveis até a
morte de um dos cônjuges, mas a Igreja deixou aberta uma porta que mais de 400
casais atravessaram nos últimos seis anos no Rio Grande do Sul: decretar que,
apesar da cerimônia no altar, da bênção do padre, do testemunho dos padrinhos e
do "sim" dos noivos, o matrimônio nunca existiu.
Para essa regressão do histórico nupcial à estaca zero, a
condição básica é convencer os juízes do Tribunal Eclesiástico de que a boda
não ocorreu de fato, porque não foi abençoada por Deus. Já há 59 nulidades
homologadas no Estado em 2012.
A busca por esse tipo reconhecimento pode causar estranheza
numa época em que o casamento religioso perde fôlego — o Censo revela que no
Rio Grande do Sul já há mais gente em união consensual ou civil do que aqueles
que subiram ao altar. No entanto, para quem é católico praticante e acredita na
doutrina da Igreja, perseguir a nulidade faz todo o sentido.
O empresário de Cachoeirinha Andreo Pereira da Costa, 29
anos, diz que trocou alianças aos 19 anos motivado pela festa e para contrariar
a mãe. Divorciou-se em 2006 e ficou com a guarda do filho, Bruno. Em 2009, foi
confessar-se e descobriu que estava impedido de fazê-lo — porque tinha uma nova
companheira, Lucilene, apesar de ser casado com outra aos olhos da Igreja.
Costa apresentou o pedido de nulidade em 2010. Foram oito
meses até o reconhecimento em primeira instância e mais quatro para a decisão
de segunda instância. A ex, que estava em um novo relacionamento e tinha outro
filho, colaborou e prestou depoimento perante o Tribunal Eclesiástico.
— Aleguei falta de liberdade na decisão de casar. Foi um
casamento para agradar uma pessoa, sem discernimento. Conseguir a nulidade foi
muito importante, porque eu estava indo contra o que minha religião pregava.
Minha vida melhorou muito, por uma questão espiritual. Foi uma libertação do
pecado — conta Costa.
Uma motivação para o empresário era o desejo de um novo
matrimônio na Igreja, possível apenas se o primeiro fosse considerado
inexistente. Costa e Lucilene casaram-se em julho do ano passado, quatro meses
depois de reconhecida a nulidade pelo Tribunal Eclesiástico.
— Dessa vez foi uma decisão consciente — afirma o empresário.
ENTREVISTA: monsenhor Inácio José Schuster, vigário judicial
do Tribunal Eclesiástico da Regional Sul 3 da CNBB
Os casos de nulidade no RS passam pelo monsenhor Inácio José
Schuster, vigário judicial do tribunal eclesiástico de segunda instância que
tem sede em Porto Alegre. Na entrevista a seguir, ele revela que
aproximadamente 80% dos pedidos são julgados favoravelmente. Confira:
ZH — O que motiva as pessoas a apresentar o pedido de
nulidade?
Inácio José Schuster — Muitas vezes, a razão é fazer outro
casamento na Igreja. Mas também há pessoas que estão bem sozinhas e não querem
casar de novo, mas pedem a nulidade.
ZH — O que é um casamento que não aconteceu?
Schuster — É um casamento em que os noivos não queriam casar
e casaram por pressão ou conveniência social, por exemplo. Ou quando se esconde
uma anomalia física, no sentido de ter filhos, ou uma anomalia psíquica.
ZH — Em que casos o pedido de nulidade é negado?
Schuster — Às vezes não há o que fazer, porque é preciso que
a incapacidade ou desequilíbrio já existam antes do casamento, mesmo que sejam
desconhecidos.
ZH — A ausência de relações sexuais justifica a nulidade?
Schuster — Também é um fator, porque o casamento deve ser
consumado para ter valor, mesmo que tenham ocorrido várias relações sexuais
antes de casar.
Algumas justificativas que podem ser apresentadas para
configurar a nulidade do matrimônio religioso:
Erro de qualidades da pessoa: quando o cônjuge apresenta,
depois do matrimônio, personalidade diferente
Incapacidade psíquica: quando o cônjuge tem histórico de
características que, na visão da Igreja, o impedem de assumir as obrigações
essenciais do matrimônio (ninfomania ou sadismo, por exemplo)
Exclusão de fidelidade: casos comprovados em que um dos
cônjuges foi infiel. Só é aceito quando a traição ocorreu antes do matrimônio
Medo grave: quando o casamento ocorreu sob pressão
psicológica e familiar.
Simulação: quando o cônjuge não assume o matrimônio e não
acredita em sua indissolubilidade.
Dolo: quando alguma informação importante ou relevante sobre
a vida da pessoa foi omitida ou contada de forma inverídica. São exemplos o
cônjuge que escondeu já ter filhos ou a mulher que afirmava ser virgem, mas não
era
Filhos: quando um dos cônjuges não quer filhos
Uso da razão: quando um dos cônjuges não tinha, no momento da
celebração, uso da razão.
Impotência: pessoas incapazes de ter uma relação sexual
completa
Crime: quem, para poder casar com uma pessoa já casada, mata
o cônjuge dela ou mata seu próprio cônjuge para ficar viúvo
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