A Teologia
da Libertação e as igrejas asiáticas: uma verdadeira sinfonia
Discutir o futuro das Teologias da Libertação asiáticas foi o
tema central da conferência do teólogo vietnamita Peter Phan na manhã desta
quarta-feira, 10-10-2012, dentro da programação do Congresso Continental de
Teologia.
A
reportagem é de Márcia Junges.
Com um bom humor peculiar e esforçando-se para falar em
espanhol e português, mas tendo que recorrer ao inglês constantemente, Phan
argumentou que a Teologia da Libertação não está morta – longe disso. “Ela está
viva, especialmente na Ásia”. Ele estabeleceu uma descrição ampla dos vínculos
teológicos entre a vertente latino-americana e a asiática. Em seguida, ofereceu
uma visão geral de exemplos representativos da Teologia da Libertação nesse
continente. Finalmente, deu sugestões sobre como as teologias dos dois
continentes podem continuar a se fertilizar e enriquecer.
A Teologia da Libertação asiática não surgiu somente depois
da Teologia da Libertação da América Latina na década de 1970, observou Phan.
Um estudo de suas origens mostrou que essa vertente teológica não surgiu do
nada, como uma criatio ex nihilo, mas como resultado do contexto da teologia
latino-americana, e isso deveria ser visto como continuação do projeto antigo
de fazer uma fé cristã genuinamente asiática.
Contudo, as tendências liberacionistas asiáticas não são
clones dos seus pares latino-americanos. “Naturalmente, temos muitas coisas em
comum com a América Latina, mas não somos clones de ninguém”, frisou Phan.
“Somos gêmeos, na verdade, irmãos. Nos parecemos porque começamos com a mesma
pergunta: o que o contexto de vida no qual estamos inseridos pode nos ensinar
para sermos cristãos?”
Uma
teologia “glocal”
A Teologia da Libertação pode ser considerada a primeira
teologia global verdadeira. Ao mesmo tempo, ela é uma teologia verdadeiramente
local. Podemos falar, então, de uma teologia glocal, neologismo que une a
característica local e universal concomitantemente.
Outro aspecto importante a ser debatido é que a Teologia da
Libertação é seguida inclusive por não cristãos, como budistas e hinduístas. Na
Ásia a Teologia da Libertação é uma verdadeira sinfonia, pois é composta de
muitas vozes diferentes.
Peter Phan mencionou o exemplo dos dalits, os intocáveis,
pessoas que estão fora do sistema de castas da Índia, que são indignos de
comporem qualquer uma delas. Pensando em sua vida, no contexto econômico,
social e político no qual estão inseridos, surgiu a Teologia da Libertação
Dalit, que não busca inculturar a fé cristã, mas criar categorias teológicas e filosóficas
hindus exclusivas. “A Teologia da Libertação Dalit privilegia a situação desse
povo”, mencionou. A opressão sistemática à qual os dalits são submetidos é o
objeto central dessa corrente teológica.
Deus servo
Os cristãos estão habituados a chamar a Deus de Senhor. Para
os dalits, esse título não é justo e nem bom. Deus não é Senhor, ele é servo.
Assim como eles, Deus é um servo que cozinha, que limpa e realiza serviços
braçais. Peter Phan explicou que a partir disso foi trocada a linguagem teológica
junto a esse segmento da sociedade indiana. Os dalits não cantam ao Senhor, mas
ao servo, porque essa é a experiência que eles vivenciam. “Eles são sempre
servos, e assim não tem dignidade humana, são escravos. O seu Deus, então, é
sempre escravo e servo. Essa é uma intuição profunda do cotidiano dos dalits”.
Peter Phan relembra a ideia de Arvind P. Nirmal, que fala,
inclusive, em Cristo como um dalit. Nessa lógica, ele insiste que os outros
cristãos também são dalits cristãos. Mas quem é o Cristo? Jesus Cristo é um
dalit, mesmo que fosse judeu. Em segundo lugar, sua humanidade e divindade
devem ser entendidas em termos de sua “dalitnidade”. Deus é um dalit. É um
espírito consolador de vida, e não transcendente. A Igreja não é uma
organização, instituição, mas uma comunidade em solidariedade a todos aqueles
que sofrem como um dalit, ponderou Phan.
Hemenêuticas
pós-colonial
A Teologia Feminista asiática e várias de suas expoentes
foram mencionadas na conferência de Phan: Marianne Katoppo, Chung Hyun Kyung,
Gabriele Dietrich, Aruna Gnanadason, Virginia Fabella, Mary John Manazan, Sun
Ai Park, Vandana Mataji, Kwok Pui-Lan. A partir da experiência de múltiplas
opressões é que essas teólogas feministas criam uma teologia totalmente
liberadora daquela de recorte clássico.
Outras Teologias da Libertação na Ásia podem ser encontradas
nas Filipinas, com a Teologia da Resistência, bem como na Índia e em Taiwan.
Quanto ao futuro dessas teologias asiáticas, Phan mencionou a
necessidade de se fazer uma nova interpretação bíblica, composta por
hermenêuticas intertextuais. Ele sugeriu que uma página da Bíblia fosse lida
seguida por um texto hindu. “Com isso abre-se uma visão totalmente diferente.
São modos diversos de conceber Deus, os humanos, o mundo, a teologia, a moral,
a ética. Tratam-se de leituras intertextuais frente a textos não cristãos”.
Para Phan, os não cristãos também possuem uma revelação. Um Deus que não está
presente em todas as religiões não é Deus, argumenta. “É preciso uma
hermenêutica pós-colonial. Vivemos um neocolonialismo de mercado”.
Quem é
Pether Phan?
Peter C. Phan é doutor em Teologia pela Pontifícia
Universidade Salesiana de Roma e doutor em Filosofia pela Universidade de
Londres, instituição na qual também obteve doutorado em Teologia Pastoral.
Publicou diversas obras sobre vários aspectos da teologia, traduzidos em
italiano, alemão, francês, espanhol, polonês, chinês, japonês e vietnamita. É o
atual titular da Cátedra Ignacio Ellacuría de Pensamento Social Católico da
Universidade de Georgetown. Além disso, já lecionou na Universidade de Dallas,
na Catholic University of America de Washington e no Union Theological Seminary
de Nova Iorque, dentre outros. Em 2010 foi homenageado com o prêmio John Murray
Courtney, a mais alta honraria concedida pela Sociedade Teológica Católica da
América, por seu “extraordinário e distinto êxito em Teologia”.
Na tarde de quarta-feira, 10-10-2012, Peter Phan concedeu uma
entrevista exclusiva à IHU On-Line, pessoalmente. Em breve o material será
publicado na revista IHU On-Line, em www.ihuonline.unisinos.br
Texto: Márcia Junges
Foto: Wagner
Fonte: http://www.unisinos.br
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