Numa realidade pós-moderna qual deve ser nossa expectativa concernente
ao púlpito? Estou convencido que, mesmo que tenhamos metodologias e argumentos
tecnológicos que nos auxiliem e que sejam diferentes de outros tempos, a
expectativa deve ser a mesma, qual seja alimentar o rebanho que o Senhor nos
confiou de modo objetivo e eficaz.
Quando pensamos em revitalização, por exemplo, a pregação cristocêntrica
é uma das armas de maior eficácia dentro daquilo que podemos fazer para trazer
saúde ao rebanho. Num de seus capítulos, Reeder III e Swavely estabelecem isso
apresentando a primazia da pregação como uma das estratégias adequadas para
trazer uma comunidade de volta ao caminho da fé genuína. A ministração da
Palavra, portanto, tem papel fundamental em tudo isso, já que a Bíblia nos
mostra que é pela pregação da mesma que a fé se estabelece1 e
por ela vem libertação sobre o rebanho do Senhor.2
Reeder III e Swavely começam seu capítulo 8 simplesmente dizendo que “a
igreja em Jerusalém foi concebida em oração (Atos 1) e nasceu num sermão (Atos
2)”,3 o que consideram um modelo deixado pelos apóstolos para
todo tipo de liderança da Igreja do Senhor, especialmente para os pastores.
Citam Atos 6.4 como paradigma, algo que se deu logo em seguida à escolha dos
primeiros diáconos: “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao
ministério da palavra.” E prosseguem dizendo que
o ensino dos apóstolos é a Palavra proclamada,
é claro, mas poderíamos também dizer que a fraternidade era a Palavra compartilhada,
que o partir do pão era a ministração da Palavravisualizada e que a
oração era a ministração da Palavra retornada.4
Ora, isso aponta para a importância que a Palavra tem desde o fundamento
visível da Igreja. Mas o púlpito saudável prescinde de uma prática pastoral
saudável, uma vez que a manutenção dos princípios estabelecidos por Deus passa
pela vida entregue aos propósitos únicos de Deus. No mesmo capítulo, como
reforço, os autores citados acima estabelecem alguns princípios que jamais
podem deixar de existir no púlpito saudável. São eles:5
Uma mensagem do
Evangelho
|
Devemos pregar a
mensagem das Boas Novas da salvação, aquela que aponta para Cristo, autor e
consumador da salvação;
|
Uma mensagem
centrada em Cristo |
A mensagem deve
ser centrada na pessoa e no trabalho de Jesus Cristo, único capaz de nos
conduzir à paz em Deus;
|
Uma mensagem dada
por Deus |
O propósito da
pregação é comunicar a própria Palavra de Deus a todo aquele que carece do
pronunciamento do Senhor;
|
Uma mensagem
proveitosa
|
A mensagem que
provém da Palavra de Deus é sempre proveitosa para o homem, de maneira
integral à sua existência;
|
Uma mensagem que
transforme vidas
|
A mensagem
deve mostrar às pessoas como elas serão transformadas em todos os aspectos da
vida;
|
Uma mensagem que
equipe
|
A mensagem deve
ter como foco encorajar, fortalecer e treinar os carentes de vigor;
|
Uma mensagem
suficiente
|
Devemos pregar
uma mensagem que seja por si só suficiente para estabelecer e atrair os que
creem
|
Uma vez que tais princípios são levantados, é certo que somente poderão
ser empregados e ativados no Corpo de Cristo através de uma prática pastoral
saudável com vistas ao crescimento saudável do rebanho.
Chegamos a um interessante texto de Piper no qual ele chama nossa
atenção para a profissionalização do pastorado, o que contribuiria em muito
para o não cumprimento dos princípios com centro na Bíblia. Um dos capítulos do
livro, o que me interessa neste ponto, chama-se “Irmãos, nós não somos
profissionais”. Por si só o título denuncia as intenções do autor de mostrar a
que viemos a partir da Palavra de Deus e no que muitos têm se transformado ao
longo dos tempos. O texto segue uma linha positiva, não de ataques, mas de
amáveis admoestações quase preventivas, procurando deixar em evidência o que é
um pastor segundo a Bíblia de outro, segundo a profissionalização de nosso
tempo.
Para Piper, não há meios de conectar os princípios da profissionalização
com os do ministério pastoral, asseverando que o “profissionalismo não tem nada
que ver com a essência e o cerne do ministério cristão. Quanto mais
profissionais desejamos ser, mais morte espiritual deixaremos em nosso rastro.”6
Ora, quando olhamos para o púlpito e sabemos o que é preciso ser e
fazer, devemos ter em mente a profundidade daquilo que Deus nos chamou a fazer
e como é precioso o chamado para sermos pastores segundo o coração de Deus,
pois é isso que Deus promete ao Seu povo desde tempos imemoriais ao lhe dizer
“Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento
e com inteligência.7 ” Ao mesmo tempo, o mesmo profeta registra
palavras do próprio Senhor advertindo que muitos pastores não seriam exatamente
assim, quando diz claramente que muitos “pastores se tornaram estúpidos e não
buscaram ao Senhor”,8 outros tantos destruíram a vinha do
Senhor, tornando árido o que era prazer para Ele,9 estabelece
advertência de castigo para os pastores que destroem e dispersam as ovelhas do
Senhor10 , e volta a afirmar que pastores bons, que apascentem
o Seu rebanho serão levantados para o bem das ovelhas e que o temor e o espanto
das ovelhas desaparecerá, além de todas serem preservadas por Deus.11
Voltando ao texto de Piper, entendemos em seu pensamento que a prática
pastoral e as ovelhas sadias têm íntima relação. Aliás, esse mesmo sentimento é
transmitido pelos textos bíblicos acima, além de muitos outros. Piper nos chama
atenção que devemos constantemente ansiar por Deus em oração e prosseguir em
direção ao alvo para obter a santidade de Cristo e o prêmio do chamado soberano
de Deus, ser cheios do Espírito Santo e jamais nos esquecermos de que os
objetivos de nosso ministério são espirituais e eternos . Além disso, num
interessante recorte, diz o autor:
Porque me parece que Deus nos colocou a nós, pregadores, em último lugar
no mundo. Somos loucos por causa de Cristo, mas os profissionais são sensatos;
somos fracos, os profissionais, porém, são fortes. Eles são sempre honrados;
mas ninguém nos respeita. Não tentamos garantir um estilo de vida profissional;
antes, passamos fome, sede, nudez e falta de morada. Quando somos amaldiçoados,
abençoamos; quando somos perseguidos, suportamos; quando caluniados,
respondemos com amabilidade. Até agora nos tornamos a escória da terra, o lixo
do mundo (1Co 4.9-13). Temos mesmo?
Irmãos, nós não somos
profissionais! Somos rejeitados. Somos estrangeiros e peregrinos no mundo (1Pe
2.11). A nossa cidadania está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o
Salvador (Fp 3.20). Não se pode profissionalizar o amor por seu aparecimento
sem matá-lo. E issosignifica morrer.13
Ora, os nossos compromissos e a nossa ação no púlpito devem ser estabelecidos por Deus. Assim seremos pastores com prática saudável. Um interessante texto a acrescentar é o de Mark Driscoll que nos chama a atenção para o fato de podermos pregar um Evangelho relevante e contundente, a todas as pessoas que nos cercam, de maneira contextualizada e com perspectiva contemporânea, mas sem abandonar a centralidade do Evangelho e de Cristo como âmago da pregação14 . A defesa de Driscoll é que podemos levar o cerne da mensagem de Deus sem que o conteúdo seja maculado pelas perspectivas pós-cristãs. Nesse aspecto, seus pressupostos se aproximam dos de Piper, mesmo com discursos em ambientações cognitivas diferentes.
Compreendemos então que nosso chamado é superior aos demais chamados nesta terra. Se desejarmos de fato ter ovelhas sadias sob nosso cuidado pastoral, precisamos urgentemente rever o púlpito que temos praticado, a qualidade do alimento que temos servido e como está nossa vida com o próprio Senhor que nos chamou para esse ministério. De nossa prática pastoral podem sair ovelhas doentes ou ovelhas sadias. O que fizermos deverá ser apresentado ao Senhor um dia e, por isso, há urgência em nossas ações nesse sentido.
__________
1Romanos 10.14:
“Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de
quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?”
2João 8.32: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
3REEDER III, H. L., & SWAVELY, D. (2008). From embers to a flame: how God can revitalize your church. Phillipsburg, New Jersey, USA: P&R Publishing, p. 107. Tradução livre.
4Ibidem, p. 108.
5 Ibidem, p. 110-119.
6PIPER, J. (2009). Irmãos, nós não somos profissionais: um apelo aos pastores para ter um ministério radical. (L. Palhares, Trad.) São Paulo, SP: Shedd, p. 15.
7Jeremias 3.15
8Jeremias 10.21
9Jeremias 12.10
10Jeremias 23.1,2; 25.34-36
11Jeremias 23.4
12Ibidem, 15-17
13 Ibidem, 16
14DRISCOLL, M. (2009). Reformissão: como levar a mensagem sem comprometer o conteúdo. (M. M. ASSIS, Trad.) Niterói, RJ: Tempo de Colheita.
2João 8.32: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
3REEDER III, H. L., & SWAVELY, D. (2008). From embers to a flame: how God can revitalize your church. Phillipsburg, New Jersey, USA: P&R Publishing, p. 107. Tradução livre.
4Ibidem, p. 108.
5 Ibidem, p. 110-119.
6PIPER, J. (2009). Irmãos, nós não somos profissionais: um apelo aos pastores para ter um ministério radical. (L. Palhares, Trad.) São Paulo, SP: Shedd, p. 15.
7Jeremias 3.15
8Jeremias 10.21
9Jeremias 12.10
10Jeremias 23.1,2; 25.34-36
11Jeremias 23.4
12Ibidem, 15-17
13 Ibidem, 16
14DRISCOLL, M. (2009). Reformissão: como levar a mensagem sem comprometer o conteúdo. (M. M. ASSIS, Trad.) Niterói, RJ: Tempo de Colheita.
Autor
Joel Theodoro da Fonseca Jr.
É graduado em Teologia, Letras e
Filosofia, e Mestre em Ciência da Literatura (Semiologia). Atualmente cursa
Doutorado em Ministério pelo Reformed Theological Seminary em parceria com o
Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. Concluiu o curso de Liderança Avançada
do Haggai Institute, em Cingapura. É pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil
em Ramos, Rio de Janeiro, e é casado com Roberta Leonardo da Fonseca, com quem
tem dois filhos, Gabriel e Rafaela.
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