sábado, 21 de maio de 2011

A TEOLOGIA MODERNA E A CRÍTICA DA BÍBLIA - C. S. Lewis - 2ª Parte


Continuação...........

* Este ensaio foi extraído de uma coletânea publicada das preleções e artigos de Lewis, intitulada Christian
Reflections, editada por Walter Hooper. E foi publicado com a permissão do publicador, William B.Eerdmans Publishing Company.

  Portanto, na opinião da crítica destrutiva o Novo Testamento não nos apresenta qualquer personalidade de nosso Senhor. Através de qual estranho processo aquele erudito alemão entrou, a fim de tornar-se cego para aquilo que todos os homens vêem, menos ele? Qual evidência existe de que ele reconheceria uma personalidade, se tivesse de defrontar-se com ela? Pois o caso é de um Bultmann contra mundum. Se existe alguma coisa que os crentes sentem em comum, e até mesmo muitos incrédulos, essa coisa é que, nos evangelhos, deparamo-nos com uma extraordinária personalidade. Existem personagens que sabemos
terem sido figuras históricas, mas acerca das quais sentimos que não possuímos qualquer conhecimento pessoal – conhecimento por meio da familiaridade. Poderíamos citar entre esses vultos pessoas como Alexandre, Átila ou Guilherme de Orange. Existem outros vultos que não reivindicam qualquer realidade histórica, a despeito do que nós os conhecemos como conhecemos pessoas reais, como Papai Noel, Tio Sam ou Super-Homem. Mas existem apenas três personagens que, dotadas da primeira sorte de realidade, também possuidoras da segunda espécie de realidade. E certamente todos sabem de quem se trata: o Sócrates de Platão, o Jesus dos evangelhos e o Johnson de Boswell. Nossa familiaridade com eles exibe-se de diferentes maneiras. Assim, quando nos pomos a ler os evangelhos apócrifos, surpreendemo-nos constantemente a dizer acerca desta ou daquela declaração ou logion: “Não. Temos aqui uma boa declaração. Mas não pertence a Jesus.

  Não era assim que Ele costumava falar”.
  Tão poderosa é a fragrância da personalidade que mesmo quando Jesus dizia coisas que – não fora o fato de Ele ser a própria encarnação da Deidade – pareciam espantosamente arrogantes, contudo, nós – e muitos incrédulos, por igual modo – aceitamos a Ele segundo a Sua própria avaliação. Para exemplificar, quando Ele declarou: “... sou manso e humilde de coração...” Até mesmo aquelas passagens do Novo Testamento que, superficialmente, e em intenção, dizem respeito à natureza divina, obscurecendo a natureza humana, levam-nos a enfrentar a personalidade de Jesus. Não tenho a certeza se essas passagens fazem isso mais do que outras. “... o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam... a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo...” (1João 1.1-3). Qual é a vantagem que alguém poderia obter por tentar evitar ou dissipar esse avassalador senso de contato pessoal com Jesus, quando esse alguém refere-se “àquela significação que a igreja primitiva encontrava e que se sentia impelida a atribuir ao
Mestre”? Declarações assim esbofeteiam-me o rosto. Não devemos pensar no que aqueles cristãos sentiram-se impelidos a fazer, mas podemos comparar tais impressões com as impressões impessoais de um artigo escrito por algum autor da escola da Alta Crítica, ou de um obituário, ou de alguma obra como Life and Letters of Yeshua Bar-Yosef, em três volumes, acompanhada por fotografias antigas.


  Esse, pois, é o meu primeiro balido. Esses homens pedem-me que eu acredite que eles podem ler entre as linhas dos textos antigos; mas todas as evidências levam-me a notar a óbvia incapacidade deles de lerem (em qualquer sentido digno de discussão) as próprias linhas. Eles afirmam poder ver coisinhas minúsculas, mas não podem ver um elefante a dez metros de distância, em plena luz do dia.


  Agora, o meu segundo balido. Toda teologia da categoria liberal envolve, em algum ponto – e, por muitas vezes, do começo ao fim –, a reivindicação que o real comportamento e o propósito dos ensinamentos de Cristo quase imediatamente vieram a ser mal compreendidos e distorcidos por Seus seguidores, e que somente os eruditos modernos puderam exumá-los ou recuperá-los. Ora, muito antes que me interessasse pelas questões teológicas, eu já havia encontrado esse tipo de teoria em outros lugares. A tradição de Jowett ainda dominava os estudos sobre a filosofia antiga quando comecei a ler as obras de Greats. Então, os leitores eram convidados a acreditar que o sentido real dos escritos de Platão havia sido mal entendido por Aristóteles, e loucamente travestido pelos filósofos neoplatônicos, e que tal sentido só foi redescoberto pelos pensadores modernos. E uma vez refeito esse significado, descobriu-se (mui afortunadamente) que Platão o tempo todo havia pensado como um Hegel inglês, ou melhor, como T. H. Green. E, em meus estudos profissionais, encontrei essa idéia pela terceira vez. A cada nova semana algum esperto quartanista, a cada quinze dias algum embotado perito norte-americano, vem descobrir, pela primeira vez na história do mundo qual o sentido real de alguma peça de Shakespeare.


  Nessa terceira instância, entretanto, já sou uma pessoa privilegiada. A revolução que tem havido na maneira de pensar e sentir, ocorrida durante o curto período de minha vida, é tão grande que, mentalmente falando, pertenço mais ao mundo de Shakespeare do que ao mundo desses intérpretes recentes. Percebo-o, sinto-o nos meus próprios ossos, estou convicto, acima de qualquer argumento, de que a maioria das interpretações desses
modernos pensadores é praticamente impossível. Tais interpretações envolvem uma maneira de considerar as coisas que era desconhecida em 1914, e, mais ainda, no período jacobeano. Isso confirma diariamente a minha suspeita quanto à abordagem dos críticos no tocante aos escritos de Platão ou do Novo Testamento. Essa noção de que qualquer homem ou escritor deveria ser opaco e imcompreensível para aqueles que viviam na mesma época, na mesma cultura, que falavam o mesmo idioma, que compartilhavam das mesmas
habituais imagens mentais e pressupostos inconscientes, e que, no entanto, torna-se perfeitamente claro e transparente para aqueles que não dispõem de nenhuma dessas óbvias vantagens, em minha opinião, não passa de um imenso absurdo. Nessa noção há uma improbabilidade a priori que não pode ser contrabalançada por quase qualquer argumento e evidência.


  Em terceiro lugar, descubro nesses teólogos o constante emprego do princípio que diz que os milagres nunca ocorrem. Isso quer dizer que qualquer declaração posta nos lábios de nosso Senhor, pelos textos antigos, se é que Ele a fez realmente, constituiria uma predição sobre o futuro, mas só foi registrada após a ocorrência daquilo que ela parecia predizer.


  Essa opinião pode parecer sensata para aqueles que julgam saber que jamais ocorrem predições inspiradas. Por semelhante modo, a rejeição de todas as passagens bíblicas que narram milagres como trechos não-históricos, pode parecer uma rejeição sensata para aqueles que pensam saber que os milagres, em geral, jamais ocorrem. Ora, não é meu propósito discutir aqui se os milagres são possíveis ou não. Tão-somente quero ressaltar aqui que essa é uma questão puramente filosófica. Os eruditos, enquanto eruditos, não falam a esse respeito com maior autoridade do que qualquer outra pessoa. O cânon que estipula, “se é miraculoso, não é histórico”, é uma regra que os críticos impõem aos seus estudos dos textos sagrados, e não um princípio que deduziram desses textos. E já que estamos falando em autoridade, a autoridade conjunta de todos os críticos bíblicos do mundo é aqui considerada como zero. Quanto a isso, os críticos falam apenas como homens; homens obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, espírito esse talvez insuficientemente crítico quanto às suas próprias conclusões.


  Mas o meu quarto balido – que também é o mais longo e mais vocífero – ainda vem por aí.

Continua........


Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira

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