segunda-feira, 23 de maio de 2011

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO - 4 PARTE - A. Knight & W. Anglin


Quinta e sexta perseguições gerais
(200 - 238)


A CORAGEM DOS CRENTES
A grande coragem que notamos em Policarpo, Ignácio e outros, não se encontrava somente neles. Nem só os cris­tãos, de longa experiência, ou os homens fortes e valorosos por natureza, mostraram esta resistência no sofrimento; também os tímidos e fracos mostravam igual poder, que tanto se via nas mulheres como nos homens; nas crianças de tenra idade, como nos de idade madura. A força que os tornava vencedores não provinha deles, mas de Deus, por cujo poder eram guardados pela fé (1 Pe 1.5).
E certo que houve alguns que procuravam resistir ao inimigo na sua própria força, e um deles foi um frígio cha­mado Quinto, que andou por diversos pontos a persuadir os outros para que fossem ao encontro da perseguição, mas que no primeiro momento de verdadeiro perigo, voltou as costas ao Senhor e negou-o. Não queremos duvidar da rea­lidade do seu zelo, porém agiu sem fé. Confiou na sua pró­pria força, em lugar de a pedir a Deus, e não se lembrou que Paulo tinha dito: "O meu poder se aperfeiçoa na fra­queza". Deixou cair o escudo da fé, pelo qual podia ter apagado os dardos inflamados do Maligno, e valeu-se do escudo da sua própria força; e um escudo assim, como era de esperar, foi atravessado pela primeira seta do inimigo. Não aconteceu o mesmo a Perpétua, a mártir de Cartago, cujo nome deve sempre figurar em um dos primeiros lu­gares dos anais do martirológio, pois sofreu durante o tem­po da perseguição de que vamos falar, e que se levantou no princípio do terceiro século, quando o imperador Severo ocupava o trono dos Césares.

O IMPERADOR SEVERO
O imperador Severo, homem de grande sagacidade e sabedoria, era africano por nascimento, mas foi odiado pela sua perfídia e crueldade. A perseguição que teve princípio no seu reinado não foi excedida em barbaridade por nenhum dos seus antecessores, nem tampouco o foi, de certo, por nenhum dos seus sucessores.
Durante algum tempo, Severo pareceu estar disposto favoravelmente aos cristãos, e até se diz que atribuiu o res­tabelecimento duma grave doença que teve às orações de um cristão chamado Proculo. Mas a sua benevolência não durou muito, e no ano 202 a perseguição rebentou na Áfri­ca com desusada violência. Nem os esforços de Tertuliano que tão eloqüentemente apelou para a humanidade do po­vo, nem os solenes avisos que ele dirigiu ao prefeito da África, serviram para fazer parar a torrente da fúria popular que nesse movimento se desencadeava sobre os cristãos. Foram, um após outro, arrastados à tortura e executados, até que as palavras do grande apologista fossem realiza­das: "A vossa crueldade será a nossa glória. Milhares de pessoas de ambos os sexos, e de todas as classes, se hão de apressar a sofrer o martírio, hão de exaurir os vossos fogos, e cansar as vossas espadas. Cartago há de ser dizimada; as principais pessoas da cidade, talvez até mesmo os vossos amigos mais íntimos e os vossos parentes, hão de ser sacri­ficados. A vossa contenda contra Deus será em vão!"

HISTORIA DE PERPETUA
O nobre exército dos mártires foi, na verdade, reforçado por muitas pessoas vindas da famosa capital da África Romana, e Vivia Perpétua, que se convertera pouco tempo antes, foi uma dessas:
Era uma senhora casada, de 22 anos de idade, perten­cente a uma boa família, e bem educada, e era mãe de uma criança, que a esse tempo era ainda de colo. O seu pai era pagão, e amava-a ternamente; e quando a agarraram e le­varam para a prisão, ele procurou por todos os meios fazê-la voltar ao paganismo. Um dia em que ele tinha sido mais eloqüente do que costumava nas suas deligências, ela, mostrando-lhe um jarro que estava perto deles, disse: "Meu pai, veja este vaso; pode porventura dar-lhe um nome diferente daquele que tem?" "Não." - disse ele. "Pois bem", disse Perpétua, "também eu não posso usar outro nome que não seja o de cristã". A estas palavras, o pai voltou-se para ela colérico, esbofeteou-a, e então reti­rou-se: e durante alguns dias não lhe tornou a aparecer.
Durante esta ausência, batizou-se ela, juntamente com mais quatro jovens, um dos quais era seu irmão, e então começou a perseguição a pesar mais sobre ela, pois foi lan­çada com os seus companheiros na masmorra comum. Não havia luz, e quase se abafava por causa do calor, e aglome­ração de gente.

ROGOS DO PAI DE PERPETUA
Alguns dias depois, espalhou-se o boato de que os prisio­neiros iam ser interrogados, e o pai de Perpétua, minado de desgosto, veio da cidade, com o maior desejo de salvá-la. A maneira pela qual se aproximou dela era, desta vez, bem diferente, e as ameaças e violências deram lugar a sú­plicas e rogos. Pediu-lhe que tivesse dó dos seus cabelos brancos, e pensasse na honra do seu nome; que se lembras­se de toda a sua bondade para com ela, e da maneira como ele a tinha amado acima de todos os filhos. Instou com ela para que se apiedasse de sua mãe e irmãos, do seu querido filho, que não podia viver sem ela. "Não nos aniquiles a to­dos!" - exclamou ele. Em seguida deitou-se aos seus pés, chorando amargamente, e beijando-lhe as mãos com ter­nura; e, agarrando-se-lhe à roupa como um suplicante, disse-lhe que dali em diante, em vez de lhe chamar filha,
lhe chamaria "senhora", porque ela era agora senhora do destino de todos eles. Mas Perpétua, poderosamente sus­tentada por Deus. suportou a agonia daquele momento com inabalável coragem, apenas dizendo: "Neste momen­to de provação, há de acontecer o que for da vontade de Deus. Fique sabendo, meu pai, que nós não podemos dis­por de nós mesmos, mas que esse poder pertence a Deus".

O DIA DO JULGAMENTO
No dia do julgamento, foi conduzida ao tribunal, com os outros prisioneiros, e quando chegou a sua vez de ser in­terrogada, o pobre velho pai apareceu com a criança, e apresentando-lhe diante dos olhos, pediu-lhe mais uma vez que tivesse compaixão deles.
Valendo-se da situação, o procurador Hilariano sus­pendeu o seu severo interrogatório, e disse-lhe com os mo­dos mais brandos: "Poupa os cabelos brancos de teu pai! poupa o teu filhinho! oferece um sacrifício pela prosperida­de do imperador!" Mas ela respondeu: "Não oferecerei sa­crifício algum". Então o procurador perguntou-lhe: "És cristã?" A estas palavras o pai rompeu em altos gritos, tanto que o procurador ordenou que ele fosse lançado ao chão, e açoitado; tudo isto Perpétua presenciou com cora­gem, reprimindo a sua dor; em seguida leram-lhe a senten­ça de morte e conduziram-na de novo à prisão com os seus companheiros.
Enquanto se aproximava o dia dos jogos, mais uma vez o velho a visitou, e com rogos ainda mais veementes pediu-lhe que tivesse dó da sua aflição, e consentisse em oferecer um sacrifício pela prosperidade do imperador; mas apesar da mágoa de Perpétua ser muito grande a sua firmeza não se abalou, e não negou a fé. Foram estas, na verdade, as mais duras provas pelas quais ela teve de passar, mas aca­baram, por fim, e o dia do seu martírio bem depressa che­gou.

O DIA DA EXECUÇÃO
Nesse dia conduziram-na para fora com o irmão, e ou­tra mulher chamada Felicidade, e as duas foram atadas em redes, e lançadas a uma vaca brava. Os ferimentos de Perpétua não foram mortais, e a populaça farta, mas não saciada pela vista do sangue, disse ao algoz que aplicasse o golpe da morte.
Como que despertando de um sonho agradável, Perpé­tua chegou a túnica mais a si, levantou o cabelo que lhe caíra pelas costas abaixo, e depois de ter dirigido com voz fraca algumas palavras de animação a seu irmão, guiou ela mesma a espada do gladiador para o coração, e assim expi­rou. Corajosa Perpétua! O coração bate-nos apressado ao ler a tua maravilhosa história, mas ainda havemos, pela graça de Deus, de ver-te coroada e feliz na presença do teu Senhor!

UMA CARTA DE IRINEU
No mesmo ano (202 d.C.) morreu Irineu, bispo de Lyon, um amigo sincero das almas, e zeloso defensor da verdade. Resistiu a Vitor, que era então bispo de Roma, homem de muita arrogância e pouca piedade; e escreveu-lhe uma carta sinódica em nome das igrejas galicanas.
O seguinte extrato de outra carta que Irineu escreveu a um tal Horino, cismático de Roma, será sem dúvida lida com interesse:
"Vi-te", escreve ele, "na Ásia Menor, quando ainda eu era rapaz, com Policarpo, no meio do grande esplendor da corte, procurando por todos os meios ganhar a sua amiza­de. Lembro-me muito melhor dos acontecimentos desse tempo, do que daqueles dos tempos mais recentes. Os es­tudos da nossa mocidade, desenvolvendo-se a par da nossa inteligência, unem-se de tal modo que eu posso também indicar o próprio sítio onde o bendito Policarpo costumava sentar-se a discursar; e igualmente me lembro das suas en­tradas, passeios, maneira de viver, a sua forma, as suas conversas com o povo, as suas afáveis entrevistas com João, segundo ele costumava contar-nos, e a sua familiaridade com aqueles que tinham visto o Senhor Jesus.
"Também me recordo da maneira como costumava contar os discursos desses homens, e as coisas que eles ti­nham ouvido dizer sobre o Senhor. Tudo que dizia respeito aos seus milagres e doutrinas era repetido por Policarpo em conformidade com as Sagradas Escrituras, como o ti­nha ouvido das testemunhas oculares desses fatos".
Irineu teve muitas contendas com os falsos ensinadores do seu tempo cujo número ia, infelizmente, aumentando com grande rapidez; e o seu zelo em pouco tempo fez cair sobre ele o ressentimento do imperador. Foi conduzido ao cume de um monte, juntamente com mais alguns cristãos, e tendo se recusado a oferecer sacrifícios, foi degolado.

OS MÁRTIRES DA ALEXANDRIA
Assim morreu em Alexandria, Leônidas, homem de sa­bedoria, e alta posição, pai de Orígenes, de quem falare­mos mais tarde. Também dois cristãos chamados Sereno, com Heraclides, Heron, e Plutarco, sendo o último um discípulo de Orígenes. Podíamos aumentar a lista com muito mais nomes, mas falta-nos espaço; e sentimos uma bendita satisfação pela idéia de que virá o dia, em que não só havemos de conhecer os seus nomes, mas também os ve­remos coroados, e sem dúvida teremos doce comunhão com eles.

A SEXTA PERSEGUIÇÃO GERAL
A sexta perseguição geral começou quando o traciano Máximo subiu ao trono no ano 235 d.C. e durou três anos. Esta perseguição teve por causa imediata uma circunstân­cia muito extraordinária. Máximo tinha um ódio terrível ao seu antecessor Alexandre, e para mostrar o seu ódio, mudou quanto possível a política do reinado de Alexandre. Aquele governador tão humano tinha tratado os cristãos com bondade; foi isto o bastante para que esse malvado traciano os tratasse com severidade. O seu primeiro edito apenas ordenava que fossem mortos os homens principais da igreja, mas a sua natureza cruel excitou-se com este ato sanguinário, e bem depressa a este edito se seguiu outro com caráter mais cruel. Durante o seu reinado, os cristãos foram conduzidos ao lugar de suplício sem serem julgados, e muitas vezes os seus corpos eram atirados nas covas, uns para cima dos outros, como cães. Os magistrados não os podiam proteger contra a selvageria da plebe, nem contra a tirania dos opressores, de modo que os seus bens torna­ram-se a presa da população e as suas vidas estavam em perigo a todo o momento. Mas no meio de tudo isto, ainda se encontravam por toda a parte homens e mulheres fiéis à causa do cristianismo, e quanto mais editos o imperador mandava publicar, com mais resplendor brilhavam as lu­zes que ele em vão procurava apagar.

PERSEGUIDORES E PERSEGUIDOS
Duzentos anos se tinham passado depois da morte de Cristo; duzentos anos de ódio e sofrimento contra a sua amada Igreja, mas ainda assim o número de crentes ia sempre aumentando. Muitas e muitas vezes o poder do In­ferno trabalhou contra ela, mas sempre em vão. "Esta bigorna tinha gastado muitos martelos", e quando o selva­gem traciano subiu ao trono imperial, viu que tinha a ven­cer as mesmas dificuldades, e a subjugar o mesmo poder misterioso que iludira o mais astucioso e infatigável dos seus antecessores. Na verdade, a Igreja prosperou no meio da perseguição, e a semente do Evangelho foi espalhada por uma área cada vez maior, e regada com o sangue dos mártires; o fruto foi cento por um, apesar de os esforços que se empregaram para aniquilar o cristianismo serem terríveis e variados; atiraram-se contra uma comunidade pacífica, mas nem os editos do imperador, nem a popula­ção irada, nem os agoureiros descontentes, nem os filósofos escarnecedores, conseguiram deter o seu desenvolvimento, e ainda menos destruí-la.
Fundada sobre a Rocha, a Igreja ali ficou - como obra de Deus e a maravilha dos homens; com aquela eterna pro­messa que é a sua forte confiança: "As portas do Inferno não prevalecerão contra ela..."


Continua..........


Pesquisa: Pr.Charles Maciel Vieira

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