segunda-feira, 23 de maio de 2011

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO - 7 PARTE - A. Knight & W. Anglin



Período semelhante a Pérgamo
(375-500)


O IMPERADOR GRACIANO
Foi ao ano de 375 que Graciano sucedeu a Saleciano como imperador do Ocidente; e tinha apenas dezesseis anos de idade quando subiu ao trono. Era um verdadeiro filho de Deus e, apesar de sua pouca idade, distinguiu-se por uma piedade e um zelo que fariam honra a muitos mais velhos do que ele. Um dos primeiros atos do seu rei­nado foi escrever uma carta a Ambrósio, bispo de Milão, na qual lhe pedia que o viesse visitar.
"Vinde", escreveu ele "para que possais ensinar a dou­trina da salvação a quem crê verdadeiramente; não para Que estudemos para questionar, mas que a revelação de Deus possa penetrar mais intimamente no nosso coração". Foi geralmente estimado, e há dúvidas sobre a indolência e luxúria de que o acusam alguns historiadores. Isso não tem Qualquer fundamento a não ser na malícia dos inimigos.

O IMPERADOR TEODÓCIO
Depois da morte do seu tio, o imperador Valente (um grande partidário de Ario), Graciano ficou como o único governador do império, mas, sentindo-se incapaz de supor­tar o peso de ansiedade inerente a esta nova responsabili­dade, determinou investir com a púrpura imperial Teodócio, um espanhol de nascimento nobre. Era este o filho do general Teodócio, que tinha prestado bons serviços na Bre­tanha, durante o reinado de Valenciano, reprimindo as in­cursões dos pictos e escosses; e Graciano tinha toda con­fiança na sua energia e habilidade. E tinha razão, porque Teodócio era homem de grande piedade e boas qualidades, e o seu reinado, que durou perto de dezesseis anos, foi no­tável pela sabedoria e moderação que mostrou, e que convinha a um governador cristão. Mas, assim como o Davi dos tempos antigos, também o seu caráter teve algumas manchas, e durante a sua vida praticaram-se atos negros e sangrentos. Os seguintes fatos falam por si.
Tinha havido um tumulto em Tessalônica, devido à prisão de um homem muito estimado. Durante esse tu­multo o general Botênio e vários oficiais perderam a vida. Teodócio, cheio de indignação por este ultraje, determinou vingá-lo; e para esse fim deu instruções secretas para se proceder a uma carnificina geral nos habitantes. Sob o pre­texto de que ia ter lugar uma exibição de jogos públicos, reuniu-se uma enorme multidão de gente no circo da cida­de, e seguiu-se uma cena medonha em que quinze mil pes­soas perderam a vida. Ambrósio, ao qual o imperador ti­nha prometido que não faria caso da ofensa, ficou cheio de pesar e admiração quando recebeu esta notícia e, retiran­do-se para um deserto próximo, escreveu ao imperador uma carta muito severa, repreendendo-o. O bispo era ho­mem de caráter bom e amável, e os mais pobres do seu re­banho podiam sempre chegar-se a ele; mas também sabia ser firme quando era preciso, e viu que era agora ocasião de o ser. Quaisquer que fossem os seus sentimentos íntimos para o imperador, nada se podia colocar no caminho do seu dever para com Deus. Na sua presença quaisquer senti­mentos ou distinções humanas haviam de desaparecer.
Tratava-se dos direitos da glória divina, e eles deviam ser sustentados a todo o custo. Ambrósio, compreendeu per­feitamente a sua posição, mas o seu desgosto não foi mais verdadeiro do que o de Teodócio. A consciência do impera­dor despertou verdadeiramente, e o seu coração sentiu o duplo peso da censura do bispo, e da sua própria culpabili­dade sanguinária. O seu primeiro pensamento foi recorrer à igreja, mas Ambrósio, que soube disso apressou-se em ir a Milão para o impedir de assim fazer. Os dois homens en­contraram-se no pórtico da igreja, e houve uma cena notá­vel entre eles. Quando o imperador avançava para entrar na igreja, o bispo agarrou-lhe o vestido e conjurou-o solene­mente a que recuasse. O imperador apresentou as suas ra­zões, mas Ambrósio conservou-se firme. As expressões par­ticulares de pesar foram inúteis: o fato tornara-se público, e o bispo nada queria admitir a não ser depois duma con­fissão pública. "Imperador", disse o inflexível bispo, "pa­rece que não conheces a enormidade do ato que praticaste; nem mesmo depois que cessou a tua raiva veio a razão fazer-te conhecer o crime cometido. Na verdade não convém que, enganado, pelo esplendor da púrpura, ignores a fra­queza do corpo que ela cobre. Imperador, tu governas cria­turas cuja natureza é igual à tua; e ainda mais, criaturas que são escravas como tu, porque Deus é o único Senhor e soberano de todos, sem exceção. Como pois hás de receber com as tuas mãos impuras o corpo supremamente santo do Senhor? E como hás tu, de, depois de derramares tanto sangue injustamente, aproximar da tua boca o cálice que fala do seu sangue? Afasta-te então deste lugar, e não ten­tes aumentar tuas transgressões passadas com novas cul­pas."
Teodócio aceitou esta censura e retirou-se. Passaram-se oito meses, e durante este tempo fechou-se no seu palá­cio, onde se dedicou à oração e à humilhação. Entretanto aproximava-se o Natal, e nesse dia apresentou-se nova­mente no pórtico da igreja. "Lamento profundamente", disse ele, "que o templo de Deus, e por conseqüência o Céu, esteja fechado para mim, ao passo que está aberto aos escravos e mendigos". Mas o bispo queria provas da since­ridade do seu arrependimento. "Que mudança de espírito tens apresentado?", perguntou-lhe, "depois de tão grande transgressão? E com que remédios tens curado as tuas feri­das?"
Então o imperador respondeu: "E vosso dever indicar os remédios, e o meu receber e fazer uso das vossas prescri­ções". "Nesse caso faz uma lei," replicou Ambrósio, "pela qual todos aqueles que têm a seu cargo fazer cumprir as or­dens imperiais, adiem por espaço de trinta dias o castigo dos que tenham sido condenados à morte, para que, este intervalo, dê tempo a que a cólera do imperador se abran­de, dando ocasião ao exercício da misericórdia, devido a qualquer mudança que tenha havido no seu espírito". Teodócio anuiu a isto, e deu ordens para que se publicasse imediatamente uma lei neste sentido. Ambrósio então dei­xou-o entrar na igreja. Despojando-se em seguida do seu manto imperial, Teodócio, com o rosto ao chão orou em voz alta as palavras do Salmo 119 versículo 25: "A minha alma está pegada ao pó: viuifica-me segundo a tua Pala­vra. " Esta cena foi enternecedora, e o povo, unindo-se à oração do imperador, misturou as suas lágrimas com as de­le.
Refletindo nesta notável ocorrência concordamos ple­namente com a seguinte opinião de um escritor moderno: "Livre das superstições e formalidades próprias dessa épo­ca, temos diante de nós um caso da mais genuína e salutar disciplina... O procedimento de Teodócio não foi o resulta­do de fraqueza ou de pusilanimidade, mas sim, de um sen­timento real do seu crime; duma consciência terna; dum conhecimento dos direitos de Deus, ao qual todas as gran­dezas do mundo estão sujeitas".

DISCIPLINA SEVERA DE TEODÓCIO
De um homem que procedia deste modo pode-se, com razão, esperar que fosse um disciplinador severo quando descobria erros ou crimes nos outros. De fato assim era, e vê-se um exemplo da sua severidade no zelo com que per­seguia os arianos, cujo número aumentava duma maneira assustadora. Este zelo foi mais ateado devido a uma censu­ra indireta de um bispo, já de idade, que o ofendeu por qualquer pequena falta de consideração para com um dos seus filhos: "Se estás zangado", disse o bispo, "porque fal­taram com o respeito ao teu filho, também o Pai celestial se há de zangar com aqueles que recusam ao seu Filho as honras que lhe dispensam a Ele (Deus)". O imperador fi­cou impressionado com esta observação, e resolveu que, daí por diante, havia de empregar o poder que Deus lhe dera na supressão dos arianos, e em desterrar todos os que seguissem as suas más doutrinas. Tendo tomado esta reso­lução, executou-a imediatamente. Foi publicado um man­dado imperial determinando que os arianos fossem dester­rados. Muitos deles refugiaram-se entre os godos e os vân­dalos e em outras hordas bárbaros da Prússia do Norte, on­de, em alguns casos, foram recebidos com muita benevo­lência; de modo que, em conseqüência deste ato errado, fo­ram as más doutrinas espalhadas mais largamente do que nunca.

A HERESIA DE PELÁGIO
Mas ainda havia outras heresias, além da de Ário, que os fiéis tinham de combater, e entre elas apareceu uma que se podia, talvez, classificar como igual à de Ário, de tal modo era ela perniciosa, os fin do século IV, houve um fra­de, chamado Pelágio, que negou a corrupção total da raça humana pela transgressão do primeiro homem, e ensinava que nós nascíamos em inocência. "O crime de Adão", dizia ele, "prejudicou a ele somente, e não ao gênero humano." Segundo a lógica desta doutrina, chegava-se à conclusão de que não havia necessidade da graça divina, e levava a consciência do homem e a Lei ao mesmo nível do Evange­lho; na verdade, segundo a teoria de Pelágio, um homem podia ser salvo tanto pela Lei como pelo Evangelho, e a queda do homem e a sua necessidade de um novo nasci­mento eram tidas como imaginações piedosas. Segundo a sua opinião, as virtudes dos filósofos e patriarcas eram o fruto da sua própria excelência intrínseca, e provaram quão grande era a bondade da natureza humana.

O BISPO AGOSTINHO
Mas Deus que vê o fim desde o princípio, já tinha preparado um homem para combater esse povo inimigo. Este homem foi Agostinho, bispo de Hipo; ele foi uma das luzes mais resplandecentes que jamais brilharam na igreja. Des­cendia de uma família nobre, e nasceu em Tegaste, uma pequena aldeia da Numídia, no ano 364. 0 pai era pagão, mas a mãe, que se chamava Mônica, era uma senhora muito piedosa, de cujos conselhos fiéis e carinhosos Agosti­nho sempre se recordava com ternura. Ambrósio conhecia-a bem e disse-lhe: '.'Tenha coragem; um filho de tanta ora­ção e lágrimas nunca se poderá perder". Agostinho recebeu uma boa educação e bem depressa ficou sendo o primeiro aluno na escola de retórica; mas mesmo na sua mocidade era notável pelo seu péssimo comportamento. Costumava enganar os seus professores e os seus pais com mentiras sem conta, e estava tão escravizado pela gula que chegava a praticar furtos na mesa e na adega de seus pais. A sua consciência estava adormecida.
O pai de Agostinho morreu enquanto o filho era ainda muito novo, mas morreu só depois de as orações de Mônica a favor de seu marido obterem resposta e ele ter achado paz para a sua alma no Salvador de sua esposa. Animada por este fato, a piedosa senhora continuou a orar por seu fi­lho, confiada em que a sua fé seria recompensada, apesar de a resposta à sua oração parecer que tardava. Desde os dezenove até aos vinte e oito anos foi Agostinho professor de retórica; e indo para Cartago durante este período foi imediatamente reconhecido como o melhor retórico da ci­dade. Mas apesar disso o seu mau comportamento conti­nuou, e ele confessou que o desejo de obter os louvores do povo era a paixão que dominava a sua vida. Mas isso não era ainda tudo. A sua sede de popularidade juntava-se uma grande concupiscência que o seduzia e que o conser­vou preso à maldade por muitos anos. Pouco mais ou me­nos por esse tempo chegou-lhe às mãos uma cópia do "Hortenses", de Cícero, que lhe fez uma certa impressão e obrigou-o a refletir, mas a filosofia humana não era ade­quada à profunda necessidade da sua alma, e o livro não lhe forneceu um bem permanente. Depois disto teve a des­graça de ler ainda outros livros de filosofia que o afastavam cada vez mais da verdade, e só no ano 384, quando visitou
Milão, é que foi capaz de se desembaraçar das malhas en­ganadoras da rede das mentiras. Foi ali que, sob o conselho de Ambrósio, ele começou a estudar as Escrituras Sagra­das com o mais feliz resultado. Ficou imensamente im­pressionado, e viu, pela primeira vez, a sua deformidade moral no espelho da verdade divina. Ficou admirado com a sua maldade e, desde então, procurou a Deus com toda a sinceridade. Ouvindo falar em certa ocasião, da conversão de alguns fidalgos romanos, exclamou: "Esta gente toma o reino do Céu à força, enquanto nós, com a nossa sabedoria, estamos vivendo no pecado". Por fim, depois de uma disci­plina de alguns meses e de uma espera penosa mas provei­tosa, foi convertido por meio de Ambrósio. Sua mãe, tendo visto satisfeito o seu último desejo na terra morreu no ano seguinte, exclamando na linguagem do velho Simão: "Agora, Senhor, despedes em paz a tua serva, pois já os meus olhos viram a tua salvação".
Depois da sua conversão, Agostinho esteve retirado pelo espaço de três anos, e durante esse tempo estudou as Escrituras Sagradas com muito aproveitamento.
Quando tornou a aparecer em público foi ordenado presbítero, e foi um pregador célebre em Fippo Rígio, onde alguns anos mais tarde foi elevado a bispo. Por todo o resto da sua vida continuou sempre a ser um fiel ministro da verdade, e distinguiu-se principalmente pela habilidade e energia com que combatia as doutrinas de um herege, Mani, e as de Pelágio. Afirmam muitos que o zelo de Agosti­nho contra Pelágio conduziu-o a crer no fatalismo, e talvez esta acusação seja justa.
Porém o seu tema favorito foi sempre a livre graça de Deus, porque, como Paulo, sabia de que tinha sido liberta­do, e podia gloriar-se nas palavras do apóstolo: "Pela graça somos salvos por meio da fé; e isto não vem de nós: é dom de Deus" (Ef 2.8).
Este bispo fiel morreu em Hipo, no ano 430, justamente quando os vândalos sitiavam a cidade.

TEMPOS TENEBROSOS DE ROMA
No entanto Arcádio e Honório sucederam no trono a seu pai Teodócio, e então principiou o tempo mais te­nebroso de Roma. O império, na verdade, declinava havia muito tempo; e estava-se aproximando a sua dissolução mesmo quando Teodócio estava no governo. Durante o seu reinado tinham-se tornado a unir, pela última vez, os im­périos Oriental e Ocidental, mas logo que a morte de Teo­dócio se tornou conhecida, as hordas bárbaras começaram a entrar por todos os lados. Os godos foram os primeiros a fazer uma incursão e, tendo conseguido passar o Danúbio, uma nação após outra seguiu o seu exemplo até que esse poderoso dilúvio de vidas humanas espalhou-se pela Euro­pa, e até se lançou nas costas da África.
No ano 400, Alarico, rei dos visigodos, invadiu a Itália, mas logo que este foi repelido, entrou pelas portas do Báltico uma nova horda de bárbaros sob o comando do seu che­fe Radagaíso. Correram toda a Alemanha, mas aconteceu que foram cercados pelo exército romano entre os Apeninos, onde muitos foram feitos prisioneiros e milhares mor­reram de frio. Mas Roma, mergulhada em luxúria e pre­guiça, não teve força nem energia para se aproveitar desta vantagem. Três vezes durante o reinado de Honório, que estabeleceu a sua residência em Ravena, ficou a antiga ci­dade de Roma à mercê dos bárbaros. A primeira vez (408) foi quando Alarico, rei dos godos, conduziu as suas tropas em triunfo até as portas da cidade, e então os cidadãos conseguiram que ele se retirasse, entregando-lhe todas as suas riquezas; a segunda vez (em 451), foi quando Átila, rei dos hunos, tendo devastado o país à proporção que avançava, só concordou em deixar a cidade depois dos grandes esforços que os romanos fizeram para persuadi-lo a isso; a terceira vez (em 455) foi quando Gersérico, rei dos vândalos, trouxe o seu exército até as muralhas e então in­vadiram a cidade como enxames de gafanhotos, deixando a ruína e a desolação por onde passaram. Tal foi o modo horrível como acabou a Roma antiga, e assim terminou Deus a corrupção daquela cidade, atribuindo-lhe o sangue do seu povo martirizado.
No ano 476, o Império Romano foi finalmente destruí­do, e Odoacer, rei dos herulis, assumiu o título de rei da Itália. Reinou quatorze anos, no fim dos quais entregou o reino a Teodorico, homem prudente e de sabedoria, em cujo reinado o país começou mais uma vez a gozar os be­nefícios da paz, depois de tantas lutas.

DESENVOLVIMENTO DO ESTADO ESPIRITUAL OBSERVADO EM "PERGAMO"
Durante muitos anos antes da queda de Roma, um bom número de pessoas abraçou o cristianismo, mas, como em muitos casos, era a forma falsa de cristianismo que os aria­nos tinham espalhado depois de serem expulsos por Teodócio, e não é para admitir que os cristãos ortodoxos fos­sem muito persegui-los quando os bárbaros ficaram senho­res do império. Ainda assim, devem notar-s três invasões da Itáia, desde o ano 403 até o ano 455, quando os soldados de Alarico, Átila, e Gersérico, iam de um lado para outro saqueando o país. Mas as igrejas ricas dos cristãos foram poupadas por eles, que mostraram sempre deferência pelos bispos. Na verdade, a retirada de Átila, que já se achava junto das muralhas de Roma, foi devida em grande parte à prontidão de Leão I, bispo de Roma, que o procurou no acampamento e de tal maneira o convenceu pelas suas ob­servações, que o impetuoso rei se retirou em marcha preci­pitada com o seu exército, abandonando, assim, a cidade.

DECADÊNCIA DOS CRISTÃOS
Mas não obstante o Senhor ter assim livrado o seu povo de muitos perigos, foram os próprios cristãos que prepara­ram para si bastante trabalho pelas suas loucuras. O pro­cedimento do clero (com algumas brilhantes exceções) tor­nara-se notavelmente irregular, e tinha decaído a tal ponto em Roma, que dois candidatos ao bispado, Lourenço e Si-maco, nos esforços que empregaram para obter o lugar, não temeram fazer as mais graves acusações um ao outro. O atrevimento do clero revela-se de um modo notável, no fato de que Martinho bispo de Tours, (que era um cristão fiel e dedicado), consentiu em ser servido à mesa pela mu­lher do imperador Máximo, vestida como uma criada! Também se conta deste bispo outra história da mesma espécie. Estando um dia a jantar com o imperador, este pas­sou-lhe a sua taça, pedindo que bebesse primeiro. Martinho assim fez com grande ostentação, mas antes de restituir a taça ao imperador, passou-a ao seu capelão, fazendo observações de que os príncipes e potentados estavam abaixo da dignidade de padres e bispos.
A ambição pela distinção na igreja estava também con­sumindo a energia de muitos cristãos menos talentosos, e por isso foram criados numerosos lugares novos: e assim começou-se a ouvir falar de subdiáconos, leitores, ajudan­tes, acólitos, exorcistas, e porteiros. Mas além de tudo isso também se tornara comum a adoração das imagens e a in­vocação dos santos; e a perseguição que sofreu Nestor por se recusar a empregar o termo "Mãe de Deus" referindo-se à virgem Maria, mostra muito claramente para onde a igreja estava resvalando.

O COMEÇO DO MONASTICISMO
Foi desta confusão e manifestação de decadência por toda a parte que nasceu o monasticismo. Foi Antônio, na­tural de Roma, que teve a duvidosa honra de ser o primeiro monge. Tinham já existido antes dele, mas foi ele o primei­ro que adotou a vida de claustro, retirando-se completa­mente do mundo. Diz-se que foi levado a dar este passo, quando ainda era muito novo, por ter ouvido estas pala­vras do Salvador: "Vende tudo quanto tens, reparte-o pe­los pobres, e terás um tesouro no Céu". Pouco depois dis­pôs de todos os seus bens, e retirou-se para um túmulo, onde permaneceu dez anos. Tornou-se notável pela sua piedade e ascetismo, e muita gente de todas as classes re­corria a ele. Depois, foi para um castelo em ruínas, próxi­mo ao mar Vermelho, onde se conservou durante vinte anos.
Um historiador antigo diz que "o seu sustento era ape­nas pão e sal. Só bebia água; e a hora da sua refeição era ao pôr do sol. Além disso jejuava muitas vezes dois dias segui­dos e mais. Conservava-se vigilante noites inteiras, pode-se dizer, e ficava absorto em oração até o dia clarear. Mas se por acaso era surpreendido pelo sono, dormia um curto instante só em uma esteira, ou a maior parte das vezes no chão, fazendo travesseiro do mesmo chão; além disso era muito amável, humano, discreto, corajoso e agradável para com todos que encontrava, e inofensivo para aqueles com quem disputava". Não há dúvida de que Antônio foi um verdadeiro cristão, e quando rebentou a perseguição no reinado de Máximo, ele provou a sua dedicação para com o Senhor, saindo do seu desterro e partilhando dos perigos com os seus irmãos; mas logo que a tempestade se apazi­guou, tornou a desaparecer, e procurou um novo abrigo em uma caverna num monte alto. A última vez que apareceu foi no ano 352, quando a propagação do arianismo o fez no­vamente abandonar o seu retiro. Tinha então cem anos de idade, e a notícia da sua reaparição atraiu milhares de pes­soas a Alexandria. A sua influência era imensa, de maneira que o arianismo recebeu um grande golpe e, da sua visita à cidade resultaram muitas conversões. Morreu no ano 356, na avançada idade de cento e cinco anos.
O monasticismo espalhou-se, devido à fama de Antô­nio, e antes de chegar o fim do século, em todas as terras incultas do mundo cristão, havia mosteiros. Pachômio reu­niu uma pequena colônia de monges na ilha Tabene que se distinguiam dos outros pelas suas túnicas de linho, e fatos pretos. Amom reuniu outra colônia maior no deserto mon­tanhoso de Nítria; e Macário outra nos vastos desertos de Secetis. Hilário estabeleceu várias colônias na Síria; Sabás estabeleceu o célebre mosteiro de Mar Sabe, na Palestina; e Basílio, de Capadócia, introduziu a profissão ascética na Ásia Menor. Jerônimo, enquanto era secretário do bispo de Roma, estabeleceu vários mosteiros no império ocidental; e S. Martinho abade bispo de Tours, levou os seus traba­lhos mais avante, fundando instituições da mesma nature­za na Gália.
Até o fim do VII século, estas instituições, espalhadas por toda parte, estavam debaixo das ordens dos bispos; e os monges, apesar da grande fama de que gozavam e de se estarem tornando muito ricos, eram apenas considerados como leigos pela igreja. Leão I proibiu-os expressamente de exercerem qualquer cargo sacerdotal, ou mesmo de se­rem ensinadores do povo; ainda que, de outro lado, os mosteiros eram considerados como escola para os que se dedi­cavam àquela carreira. Esta aparente contradição pode-se explicar pelo fato de que os monges, que tinham sido orde­nados, deixavam imediatamente o convento para se mete­rem nas atribuições do clero secular. Contudo, no fim do V século, apelaram para o papa e pediram licença para se co­locarem debaixo da sua proteção, o que ele satisfez pronta­mente, considerando o fato da grande riqueza que eles pos­suíam e da sua grande influência. Assim pois ficaram os mosteiros, abadias, e conventos de freiras sujeitos a Sé de Roma.
Mas nem mesmo as rigorosas penitências e os hábitos ascéticos foram suficientes em todos os casos; e quase cus­ta a acreditar as coisas absurdas que algumas das vítimas enganadas por Satanás eram levadas a praticar. Por exem­plo: Simão, monge da Síria, passando de um degrau do fa­natismo para outro, erigiu um pilar da altura de quase três metros, e viveu sobre ele durante quatro anos. Sobre outro de quase seis metros viveu três anos; sobre um terceiro de dez metros, esteve dez anos; e finalmente passou os últi­mos vinte anos de sua vida sobre um quarto pilar de apro­ximadamente dezoito metros de altura que o povo lhe edi-ficara.
E mesmo esta estupidez foi imitada, porque depois da morte de Simão estabeleceu-se uma seita que fez iguais construções para si, e gloriavam-se com o nome de "Ho­mens do pilar".

Continua....


Pesquisa: Pr.Charles Maciel Vieira

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