quinta-feira, 19 de maio de 2011

O INVERNO NUCLEAR - Um ensaio do Futuro - 2ª Parte

Continuação............


CONSEQÜÊNCIAS BIOLÓGICAS DE UMA GUERRA NUCLEAR

PAUL R. EHRLICH

  É um privilégio, ainda que melancólico, poder apresentar-lhes o consenso de um grande e ilustre grupo de biólogos sobre os efeitos biológicos prováveis de uma guerra nuclear em grande escala. Esse consenso foi alcançado durante um simpósio realizado logo em seguida ao dos físicos referido por Carl Sagan, e no curso da preparação de dois documentos sobre os impactos de uma guerra
nuclear. Aqueles dos senhores que conhecem bem o mundo da ciência sabem que conseguir o assentimento de mais de 50 cientistas, sem qualquer divergência de monta, a um amplo conjunto de conclusões é em si mesmo um fato inusitado.
Conseguir que concordem sobre conclusões que dizem respeito a uma questão de
enorme e grave interesse público é extraordinário.

  Para os senhores, depois da exposição do Professor Sagan a razão desse consenso deve ter ficado clara. O ambiente que a maior parte dos seres humanos e dos outros organismos depois de um holocausto nuclear terá de enfrentar será tão modificado, e tão maligno, que danos extremos e generalizados aos sistemas vivos são inevitáveis.

  Por exemplo, é perfeitamente possível que os impactos biológicos de uma guerra, sem contar os diretamente resultantes de explosão, fogo e radiação instantânea, viessem a ocasionar o fim da civilização no Hemisfério Norte. Para um biólogo é tão fácil concordar com isso como é para todos nós concordar que o uso acidental de cianeto em vez de sal de cozinha no molho teria grandes probabilidades de pôr
fim a um jantar.

  Minha principal missão neste momento é apresentar-lhes alguns fundamentos técnicos para explicar por que muitos biólogos - especialmente ecologistas - estão convencidos de que aqueles que em nações diversas detêm o poder de decisão subestimam grandemente os riscos de uma guerra nuclear.

Efeitos Diretos

  Vou-me concentrar de modo especial nas conseqüências indiretas geralmente ignoradas de uma guerra dessa espécie para o ser humano, as quais se transmitiriam através de efeitos em sistemas ecológicos. Mas não vou minimizar os efeitos diretos possíveis, por bem conhecidos que sejam, pois estes serão realmente horríveis.

  Vejam o que estudos recentes indicam que aconteceria numa grande guerra termonuclear, em que entre 5.000 e 10.000 megatons de armas fossem detonados - a maior parte no Hemisfério Norte. (para pôr essa guerra em perspectiva, consideram que isso equivaleria grosso modo à explosão de entre meio e três quartos de milhão de bombas atômicas do tamanho da de Hiroxima, o que representa não mais que uma fração dos arsenais nucleares atuais dos Estados
Unidos e União Soviética.)

  Até certo ponto, os efeitos irão depender da dimensão da guerra, distribuição das explosões, número de explosões no solo e de explosões no ar, e outros fatores. Mas quero frisar novamente o que o Dr. Sagan tão bem sublinhou: que os resultados biológicos são pujantes. Isto significa que é sumamente difícil conceber uma guerra nuclear em grande escala que não levasse a um desastre ecológico
de dimensões sem precedentes.

  Em nosso artigo para a revista Science, nós nos concentramos mais que o relatório TTAPS numa guerra de 10.000 megatons, porque achamos que a população devia ser informada dos efeitos dessa hipótese plausível. Por isso demos atenção especial ao caso de 10.000 megatons. Mas as descrições gerais dos efeitos aplicam-se a todos os cenários de guerra em grande escala.

  A previsão, segundo uma das estimativas, é de que somente as explosões causariam 750 milhões de mortes. Um número de pessoas igual ao que existia no planeta quando a nossa nação foi fundada seria vaporizado, desintegrado, esmagado, reduzido a polpa e espalhado na paisagem pela força explosiva das bombas. Outro estudo prediz que 1,1 bilhão de pessoas seriam mortas e outras tantas lesadas pelas explosões, pelo calor e pela radiação. Vale dizer, quase
a metade da atual população do mundo - compreendendo a maior parte dos habitantes das nações ricas do Hemisfério Norte – poderia converter-se em baixas no espaço de poucas horas.

  Também é cristalinamente claro que a própria estrutura da sociedade industrial seria destruída por um tal tipo de guerra. Praticamente todas as áreas metropolitanas - que são os centros políticos, industriais, financeiros, de transportes, de comunicações e culturais das sociedades simplesmente deixariam de existir. Grande parte do saber da humanidade desapareceria com elas.
Atendimento médico e outros serviços de socorro essencialmente não mais existiriam - não haveria de onde partir assistência. Os sobreviventes das nações um dia ricas não somente enfrentariam as cargas psicológicas esmagadoras de
terem testemunhado a maior catástrofe da história humana, como saberiam não haver esperança de remédio.

  Uma situação como essa é de tal modo estarrecedora que muitos a entenderão como uma estimativa de pior hipótese do mal potencial causado ao Homo sapiens na Terceira Guerra Mundial. Ao contrário, como veremos a seguir, eu descrevi somente a ponta visível do iceberg. Os destinos dos dois ou três bilhões de pessoas que não morressem imediatamente inclusive as de nações muito distantes dos objetivos - poderiam sob vários aspectos ser piores. Essas, é claro,
sofreriam a ação direta das temperaturas glaciais, da escuridão e da precipitação radioativa à médio prazo de que falou o Dr. Sagan. Mas os efeitos de maior alcance à longo prazo seriam produzidos indiretamente pelo impacto destes e de outros fatores sobre os sistemas ambientais do planeta.

Ecossistemas

  Para entender isso, é preciso saber alguma coisa a respeito de sistemas ecológicos - ecossistemas na forma abreviada da biologia.

  Um ecossistema é uma comunidade biológica - todos os vegetais, animais e micróbios que vivem numa certa área - combinada ao meio físico em que vivem esses organismos. O meio abrange a radiação solar, os gases da atmosfera, águas correntes, fragmentos de rocha no solo, e assim por diante. E a essência de um ecossistema é uma teia de processos que ligam os organismos uns aos outros e ao seu ambiente físico.

  Esses processos incluem um fluxo unidirecional de energia através do
ecossistema e um movimento cíclico de materiais no seu interior.
  Muitos dos senhores estão familiarizados com o processo da fotossíntese, pelo qual as plantas verdes "captam" a energia do sol.

  Parte dessa energia é a seguir transferida ao longo de "cadeias alimentares", sendo utilizada primeiro pelas plantas no seu crescimento e para acionar seus outros processos vitais, depois pelos herbívoros que comem essas plantas, depois pelos carnívoros que comem os herbívoros e uns aos outros, e finalmente por agentes de decomposição que desagregam resíduos e organismos mortos.

  A energia do sol alimenta todos os ecossistemas importantes, não apenas através da fotossíntese como também de processos puramente físicos, como o de evaporar a água da superfície dos mares e das terras de modo que esta continue a circular. Assim, vê-se de imediato por que qualquer evento que impeça o acesso da luz solar à superfície da Terra pode ter efeitos catastróficos sobre o
funcionamento dos ecossistemas.

  Mas, e daí? É preciso entender que todos os seres humanos estão encerrados em ecossistemas e deles dependem totalmente para a produção agrícola e para uma série de outros "serviços públicos" gratuitos. Esses serviços incluem a regulação dos climas e manutenção da composição gasosa da atmosfera; suprimento de água doce; remoção de resíduos; reciclagem de elementos nutrientes (inclusive os indispensáveis à agricultura e à silvicultura); geração e
preservação de solos; controle da grande maioria das pragas potenciais das lavouras e vetores de enfermidades humanas; suprimento de alimentos do mar; e manutenção de uma vasta "biblioteca" genética, da qual a humanidade já tirou a própria base da civilização - inclusive todas as plantas cultivadas e animais de criação.

  A danificação de ecos sistemas significa a interrupção desses serviços. E os dois ou três bilhões de indivíduos que sobrevivessem aos efeitos instantâneos de uma guerra termonuclear precisariam deles mais ainda do que precisamos hoje.

Agressões aos Ecossistemas

  A que espécies de agressões estariam sujeitos os ecossistemas na eventualidade de um conflito nuclear em grande escala entre os Estados Unidos e a URSS? O Professor Sagan realçou as duas que provavelmente seriam as mais importantes - escuridão generalizada e frio intenso nas áreas continentais. Entre as demais, que não seriam desprezíveis, teríamos incêndios florestais; neblina tóxica (que poderia
engolfar todo o Hemisfério Norte); enriquecimento da luz solar (quando voltasse a penetrar) em comprimentos de onda da faixa perigosa do ultravioleta (UV-B), que, entre outras coisas, danificam o material genético (ADN); níveis acrescidos de radiação nuclear; chuvas ácidas; contaminação por substâncias tóxicas de águas
subterrâneas, superficiais e litorâneas; assoreamento e poluição por resíduos de lagos, rios e orlas marítimas e tempestades violentas em regiões costeiras.

  Quando da descrição de alguns dos impactos desses fenômenos, convirá ter em mente que a maioria deles estarão ocorrendo simultaneamente em muitas regiões.  Além disso, em muitos casos os impactos de duas ou mais agressões simultâneas serão provavelmente sinérgicos - isto é, maiores que a simples soma dos efeitos isolados. Por exemplo, os níveis de radiação remanescente provinda de precipitações globais (ou seja, exposição à radiação não atribuível à precipitação local devida a uma determinada bomba) poderão ser muito mais altos do que os estimados em análises anteriores, porque as precipitações da alta troposfera foram de modo geral desprezadas.

  Também é importante entender que as conclusões dos biólogos quanto aos efeitos ecossistêmicos são muito menos dependentes das características particulares das detonações do que o são as conseqüências diretas de explosão, calor e radiação inicial. Só no caso de uma guerra nuclear de pequena escala, realmente limitada, haveria a probabilidade de os nossos cálculos não serem aplicáveis.

  Guerras desse tipo são possíveis, mas que uma guerra nuclear, uma vez iniciada, possa ser contida, é duvidoso; para muitos analistas, guerras nucleares limitadas são altamente improváveis. Seja como for, os detentores do poder de decisão devem ser completamente informados das conseqüências possíveis de conflitos nucleares generalizados, que têm toda a probabilidade de causar a longo prazo
efeitos devastadores.

  É bem possível que as nossas conclusões subestimem essas conseqüências, visto que ainda sabemos muito pouco a respeito do funcionamento detalhado dos ecossistemas globais para avaliar todas as interações sinérgicas entre os insultos a que os seres humanos e os ecossistemas seriam submetidos. O fato é que, mesmo se os efeitos climáticos não abarcassem todo o Hemisfério Norte ou todo o
globo, os impactos de uma guerra nuclear sobre os ecossistemas do planeta seriam consideráveis.

Gelo e Trevas

  Temperaturas reduzidas teriam efeitos dramáticos sobre populações animais, muitas das quais seriam aniquiladas pelo frio inusitado.

  Contudo o fator central dos efeitos nos ecossistemas é o impacto da guerra sobre as plantas verdes. A atividade destas dá origem à chamada produção primária - a apropriação de energia (através da fotossíntese) e a acumulação de substâncias nutritivas necessárias ao funcionamento de todos os componentes biológicos dos ecossistemas naturais e cultivados. Sem a atividade fotossintética das plantas,
virtualmente todos os animais, seres humanos inclusive, cessariam de existir. Toda carne é na verdade "erva".

  Tanto o frio como a escuridão são adversos às plantas e à fotossíntese. O Quadro 1 mostra as modificações de luz e temperatura que podem decorrer de uma guerra nuclear. Note-se que, por exemplo, as temperaturas superficiais nos continentes, longe das costas, podem ficar abaixo do ponto de congelamento da água em todo o Hemisfério Norte durante um ano inteiro, e que um frio próximo
desse ponto também pode assolar o Hemisfério Sul durante meses.
 
  Os impactos de temperaturas tão baixas sobre as plantas dependeriam, entre outras coisas, da época do ano em que ocorressem, da sua duração, e da tolerância das diferentes espécies vegetais ao resfriamento. Um resfriamento brusco é particularmente prejudicial. Depois de uma guerra nuclear, prevê-se que as temperaturas cairiam verticalmente em curto espaço de tempo; assim, é improvável que plantas normalmente resistentes ao frio se aclimatassem antes de serem expostas a temperaturas letais. Além disso, mesmo temperaturas bem acima do ponto de congelamento podem ser nocivas a algumas plantas, e outras agressões não mostradas no Quadro 1 intensificariam os danos infligidos à vegetação pelo resfriamento ou congelação. Acresce que plantas doentes ou
lesadas têm uma capacidade reduzida de aclimatar-se ao frio.

  Tudo isso se resume em que virtualmente todas as plantas terrestres no Hemisfério Norte seriam lesadas ou destruídas numa guerra que ocorresse durante a estação do crescimento ou pouco antes.

  Provavelmente a maior parte das culturas anuais seria prontamente exterminada, e muitas plantas perenes sofreriam igualmente danos graves se a guerra ocorresse no período do seu crescimento ativo.

  Obviamente, os danos seriam menores se ela acontecesse na fase de hibernação.

  Se fosse no outono ou no inverno, as fontes principais de alimento para a humanidade - trigo, arroz, milho e outros cereais - teriam sido colhidas. Mas provavelmente o tempo permaneceria anormalmente frio por muitos meses, impedindo o cultivo na primavera e no verão subseqüentes, ainda que outras condições fossem favoráveis.

  Outrossim, como as temperaturas de inverno estariam muito abaixo das mínimas normais, muitas plantas perenes (por exemplo, árvores frutíferas e componentes importantes da vegetação natural) provavelmente morreriam. De modo geral, as sementes estocadas de plantas de zonas temperadas não seriam afetadas pelo frio, mas as de muitas plantas tropicais o seriam.



Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira

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