quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Historiador critica esvaziamento de escolas de samba por conversões ao Evangelho; Pastor rebate: “Religião é escolha pessoal”.



No artigo “As velhas baianas somem das passarelas” escrito pelo professor de História Luiz Antonio Simas, critica a conversão ao Evangelho por parte de membros das escolas de samba, e afirma que a ausência dessas pessoas no carnaval empobrece a festa e prejudica a formação da comunidade.


“Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas”, afirma o professor, na publicação veiculada pelo jornal O Globo.

Segundo Luiz Antonio Simas, “são inúmeros os casos de passistas, ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a determinações de pastores”. O professor ainda observa que “diversas escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o cortejo”, e conclui afirmando que a mensagem das igrejas evangélicas afastam tais pessoas de sua comunidade: “Onde elas estão? Nas igrejas, ouvindo pregações apocalípticas contra a festa”.

Simas ainda polemiza, ao minimizar o conteúdo da mensagem evangélica aderida pelos novos convertidos e a definição de pecado, ensinada nas igrejas: “Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários mais bonitos. É pecado sambar?”, questiona.

O colunista do Gospel+, pastor Rubens Teixeira, publicou um artigo em resposta à argumentação do professor Luiz Antonio Simas: “A cultura dos povos são mutáveis por diversas razões, sejam elas pelo incremento de novas ideias, modificações das crenças, pelos comportamentos tornarem-se anacrônicos, pela evolução social ou por qualquer outra razão que a sociedade permitir. Não há que se falar em cultura imposta. Cada grupo, inclusive, é o responsável pela manutenção dos seus elos e traços culturais”, contextualizou.

A mesma medida pode ser aplicada em relação às religiões, acredita Teixeira: “As religiões possuem uma dialética bem democrática também. As pessoas escolhem mudar de religião, ou manterem-se nelas, por razões muito íntimas. Normalmente buscam nos templos o bem estar espiritual, buscam encontrar Deus. Não acredito que a maioria das pessoas escolham religiões por questões culturais, mas por necessidades espirituais”.

O ponto em torno da liberdade religiosa e de expressão também foi mencionado por Teixeira como ingrediente essencial na compreensão das escolhas feitas pelas pessoas que resolvem converter-se ao Evangelho.

“As pessoas não são fervorosas de suas religiões apenas por imposição familiar ou social. O fervor está associado a fé, à certeza que a pessoa tem e aos resultados que obtém de suas práticas, especialmente em um país em que a liberdade religiosa é garantida”, ponderou o pastor, que acredita não fazer “sentido querer cultivar pessoas em uma ou outra religião para atender interesses econômicos difusos imersos no carnaval”.

O pastor Rubens Teixeira observou ainda que “nenhum grupo religioso, de sã consciência, pregaria a sua mensagem apenas para esvaziar uma festa popular ou outra religião”, reforçando que as escolhas feitas por quem se converte são baseadas naquilo em que acreditam: “As pessoas pregam as mensagens que creem, e, a partir daí, as outras, escolhem se converter, ou não. Depois de convertida, uma pessoa pode, inclusive, se reconverter à religião anterior. A Liberdade Religiosa é um Direito Fundamental previsto na Constituição da República do Brasil e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ser de qualquer religião ou de nenhuma delas é uma escolha personalíssima”.

Por fim, Teixeira ainda ressalta que a pregação evangélica não incita o boicote à tradicional festa popular e questiona se a liberdade de crença deve ser posta de lado em favor do carnaval: “Evangélicos não dificultam a ocorrência do carnaval, mas ensinam que as pessoas não devem: embriagar-se, prostituir-se, agredir-se, expor sua nudez publicamente, porque o nosso corpo é templo do Espírito Santo. Isso nada tem a ver com o carnaval. Então as pessoas deveriam por um decreto moral-intelectual-fundamentalista manter-se na ética de agradar o que é bom para quem paga? Destruir-se em prol da diversão alheia?”

Abaixo, leia a íntegra do artigo do professor de História Luiz Antonio Simas:


    Em um samba belíssimo, que embalou o carnaval de 1984 da Unidos de Vila Isabel, Martinho da Vila fala dos sonhos da velha baiana, “que foi passista/brincou em ala/dizem que foi o grande amor do mestre-sala”.

    Poucos versos abordam com mais felicidade a ideia da escola de samba como uma instituição comunitária, forjadora de elos entre segmentos populares que, à margem das benesses do poder instituído, inventaram mundos e, desta maneira, se apropriaram da vida e produziram cultura. A moça passista, que desfilou como componente de ala, chegou ao final da trajetória ungida baiana, matriarca do samba e de sua gente simples.

    Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas.

    O problema atinge, sobretudo, as escolas mais pobres, que contam basicamente com os componentes das próprias comunidades para fazer o carnaval. São inúmeros os casos de passistas, ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a determinações de pastores. Diversas escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o cortejo. Onde elas estão? Nas igrejas, ouvindo pregações apocalípticas contra a festa.

    Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários mais bonitos. É pecado sambar?

    É evidente que tal prática se inscreve numa disputa pelo mercado da fé, cujo motor é o combate pelo maior número possível de fiéis. É óbvio, também, que as escolas de samba têm fortes raízes fincadas nas religiosidades afro-ameríndias, notoriamente na Umbanda e no Candomblé. Sabemos, por exemplo, que algumas baterias de grandes escolas desenvolveram seus toques característicos a partir dos ritmos consagrados aos orixás. A guerra aberta às escolas de samba deve ser compreendida, portanto, em um panorama mais amplo: é um capítulo da guerra santa travada por fundamentalistas cristãos contra as práticas culturais e religiosas dos descendentes de africanos no Brasil.

    O efeito é perverso. Ao construir um discurso de salvação, alicerçado em promessas de tempos melhores, os fundamentalistas da fé buscam matar exatamente o que, durante muito tempo, deu a estas pessoas a noção de pertencimento. Não basta, para os arautos do fanatismo, construir uma nova referencia; é necessário matar o que veio antes, arrasar a terra, negar o outro, destruir a tradição. Conhecemos este filme e o final não é feliz.

    Resta botar a boca no trombone e torcer para que no peito da velha baiana do samba do Martinho, aquela que cresceu, amou o mestre-sala e envelheceu dentro de sua escola, o arrepio do surdo de marcação, a harmonia do cavaco e os desenhos dos tamborins superem as trombetas da intolerância. Afinal de contas, não é pecado sambar e celebrar a vida.



Por Tiago Chagas, para o Gospel+

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