quarta-feira, 13 de abril de 2016

As características peculiares dos quatro evangelhos


Quem compara os quatro evangelhos do NT percebe logo que os primeiros três são surpreendentemente semelhantes. Por isso são chamados de sinópticos. O quarto evangelho segue o seu próprio estilo de apresentação.

Os sinópticos e João são distintos nos seguintes aspectos:

No esboço:
Os sinópticos têm uma estrutura simples nos seus evangelhos. Após o batismo de Jesus são relatados os fatos ocorridos na Galiléia. Depois segue um relato de extensões variadas sobre a viagem de Jesus a Jerusalém. Na terceira parte é contado o que se passou em Jerusalém. Essa mesma estrutura pode ser observada, por exemplo, nas seguintes passagens de Marcos: 1.14; 8.27; 10.1,32.

Em contraposição a isso, o evangelho de João descreve várias peregrinações de Jesus da Galiléia a Jerusalém. A razão era, na regra, a comemoração das festividades judaicas de que Jesus participava com os seus discípulos em Jerusalém. Desses dados do evangelho de João se consegue calcular o tempo do ministério público de Jesus. Durou em torno de três anos. A movimentação dele entre a Galiléia e Jerusalém pode ser observada nos seguintes textos: João 2.1,13; 3.22; 3.2,4-6; 5.1; 6.1; 7.1s,10; 10.40; 11.7,54s; 12.1,12.

Na forma de ordenação do material:
Do que foi descrito acima se conclui que os sinópticos organizaram o seu material do ponto de vista geográfico, enquanto o evangelho de João está construído sobre uma estrutura biográfica. Ele quer que os seus leitores acompanhem o ministério de Jesus na seqüência e no período em que os fatos se desenrolaram.

Na escolha dos temas:
Os sinópticos relatam uma quantidade significativa dos atos de Jesus, entre eles muitos milagres, principalmente curas. Em contraposição a isso o evangelho de João só contém sete relatos sobre atos de Jesus sendo que nenhuma expulsão de demônios.

Três desses fatos são contados também pelos sinópticos: a purificação do templo, a cura do servo de um oficial do rei e a multiplicação dos pães para os 5.000.

Na apresentação dos adversários de Jesus:
Os sinópticos descrevem os adversários de Jesus com as suas características e tarefas diferenciadas: fariseus e escribas, saduceus e sacerdotes. Na comparação com isso sobressai o fato de que no evangelho de João os oponentes de Jesus são denominados judeus. Se isso quer dizer o povo judeu todo, ou a liderança ou um grupo específico do povo, só pode ser descoberto pelo contexto.

Na forma da narrativa:
Os evangelhos sinópticos contêm muitos relatos breves da vida de Jesus que freqüentemente culminam com uma declaração marcante de Jesus. Os protagonistas da situação só são apresentados até o ponto em que contribuem para o objetivo da declaração do relato. O leitor não descobre nada mais sobre outros aspectos das suas vidas. Em contraposição a isso, o evangelho de João traz relatos detalhados de acontecimentos da vida de Jesus, como por exemplo o diálogo com a mulher em Samaria (cap. 4), a cura do cego de nascença (cap. 9) ou a ressurreição de Lázaro (cap. 11).

Na apresentação dos discursos de Jesus:
Os quatro evangelhos contêm discursos de Jesus mais ou menos abrangentes. Nos sinópticos eles consistem em frases curtas e fáceis de serem guardadas. Trata-se na verdade de uma coletânea de declarações ou citações dos discursos de Jesus e não de discursos completos. No evangelho de João isso é diferente. Lá encontramos discursos que levam à reflexão e meditação. O leitor consegue se imaginar na posição do orador. Compare por exemplo Lucas 15.1-7 com João 10.

Nota-se também que nos sinópticos o estilo de oratória é direto, objetivo e linear, correspondendo assim ao pensamento grego. Já nos discursos de Jesus em João o desenvolvimento das idéias se dá em círculos, trabalhando com constantes repetições. Isso não quer dizer que sejam meras repetições. O que acontece é que um pensamento é repetido em outro nível para que possa ser melhor interiorizado. Para entender isso melhor é preciso pensar em uma espiral. É assim que se falava no dia-a-dia no oriente.

Na autodenominação de Jesus:

Quando Jesus fala de si mesmo nos evangelhos sinópticos ele usa um título incomum. Ele se denomina bar naschah, ou seja, Filho do Homem, ou Homem. O Filho do Homem é o conceito-chave para a compreensão de Jesus nos sinópticos.

Também no evangelho de João se fala do Filho do Homem. Mais importantes, no entanto, são as autodenominações Filho de Deus, ou Filho. O quarto evangelho nos proporciona uma visão especial sobre o relacionamento único entre Deus e Jesus.

Quais são as razões para a apresentação tão variada da vida e do ministério de Jesus?

Enquanto os sinópticos ordenam todo o material que lhes foi transmitido do ponto de vista geográfico, o quarto evangelista descreve, como testemunha ocular, a caminhada de Jesus nas suas etapas.

Ao passo que os sinópticos têm pouco interesse por detalhes geográficos e topográficos, o quarto evangelista conta os detalhes até então desconhecidos da vida de Jesus.

Enquanto os sinópticos querem ressaltar o máximo de declarações e citações dos discursos de Jesus, o quarto evangelista sublinha o estilo de oratória de Jesus. Ele quer que os seus leitores tenham condições de vivenciar os discursos de Jesus.

Enquanto os sinópticos reconhecem como sua tarefa principal fixar e preservar o que aconteceu no passado por meio de Jesus (cf Lc 1.1-4), o quarto evangelista interpreta a vida e as palavras de Jesus do ponto de vista da Páscoa. Repetidas vezes ele ressalta que os discípulos só entenderam o que estava acontecendo após a ressurreição de Jesus dos mortos.

É errado, no entanto, afirmar que os sinópticos estavam mais preocupados com a história, enquanto o quarto evangelista anunciava a Jesus e não dava tanta importância à exatidão histórica no seu relato. Na verdade, o que acontece é o contrário: os sinópticos também querem anunciar a Jesus; para isso eles se baseiam na tradição histórica. O quarto evangelho se apresenta como o relato de uma testemunha ocular preocupado até as últimas minúcias com a exatidão da transmissão dos fatos. Isso não está em contradição com a proclamação de Jesus como o Filho de Deus. Os quatro evangelhos são endereçados a grupos diferentes de leitores. Isso leva a ênfases diferenciadas na apresentação de Jesus.


Fonte:  Introducao e Sintese do Novo Testamento - Gerhard Horster

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