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quarta-feira, 13 de abril de 2016

O Problema Sinóptico (Os Evangelhos - Bíblia)


Quando comparamos os primeiros três evangelhos, constatamos dois aspectos que se contrapõem:

1) Os sinópticos são semelhantes em longos trechos na estrutura, na seqüência das perícopes e também na forma do texto grego.
2) Os sinópticos se diferenciam na escolha dos temas, na apresentação do contexto da narrativa e freqüentemente também na forma do texto grego.

O problema sinóptico é o seguinte: como podemos explicar essas constatações com base na história da origem dos evangelhos?

Na história da teologia foram dadas diversas respostas a essa questão. Agostinho (354-430) cria que os evangelhos foram escritos na seqüência em que aparecem no NT hoje: Marcos era uma forma resumida de Mateus e Lucas uma forma ampliada de Marcos. Somente na segunda metade do século XVIII o problema sinóptico passou a receber mais atenção. Os estudiosos chegaram a quatro tentativas de solução:

1.3.1 A hipótese do protoevangelho
Além de outros estudiosos, Lessing a defendeu em 1776. Ele partiu do ponto de que no início da transmissão do evangelho existiu um antigo evangelho aramaico, o evangelho dos Nazarenos. Ele tinha notícia de que Jerônimo tinha achado esse evangelho na seita dos Nazarenos no quarto século d.C. Fragmentos desse evangelho foram publicados e existem até hoje. Provavelmente, no entanto, esse evangelho não seja um texto original, e sim uma retradução dos evangelhos sinópticos gregos para o aramaico, que surgiu na primeira metade do século II.

Além disso, um protoevangelho aramaico não resolveria o problema sinóptico, pois a semelhança literal do texto grego permaneceria. Seria necessário supor também que tivesse sido feita uma tradução uniforme do grego sobre a qual os sinópticos se basearam.

Com essas falhas, a solução de Lessing não conseguiu se impor.

1.3.2 A hipótese dos fragmentos
De acordo com essa sugestão, os evangelhos sinópticos são constituídos de inúmeros pequenos fragmentos que foram registrados pelos apóstolos e seus ouvintes. Nisso teriam imitado os alunos dos rabinos judaicos que também anotavam os ensinos e atos dos seus mestres. Teria havido um interesse muito grande por esses registros, por isso teriam sido traduzidos para o grego rapidamente. Os sinópticos teriam então colecionado esses fragmentos (do grego diegesis = relato, narrativa) e incorporado aos seus evangelhos. O evangelho de Lucas tem a referência a esses relatos no seu início (Lc 1.1-4).

Essa proposta de solução foi defendida primeiramente por Schleiermacher em 1817 e complementada em 1832 pela suposição de que no evangelho de Mateus teria sido elaborada uma coletânea de oráculos de Jesus.

A hipótese dos fragmentos tem muitos argumentos a seu favor, principalmente o início do evangelho de Lucas. Aceitando como pressuposto a tradução dos fragmentos para o grego, ela explicaria inclusive a semelhança literal dos evangelhos sinópticos. Ela deixa de explicar, no entanto, a semelhança da estrutura e da seqüência das perícopes nos sinópticos. Por isso os estudiosos do NT não se satisfizeram com essa proposta.

1.3.3 A hipótese da tradição
Essa proposta foi defendida em 1796/97 por Johann Gottfried Herder em conjunto com a sugestão de Lessing. Se Lessing pressupunha um protoevangelho aramaico, Herder partia de um protoevangelho oral. Essa observação é importante até hoje: no início da transmissão do evangelho existiu presumivelmente a transmissão oral das palavras e dos atos de Jesus. Mas visto que essa transmissão oral provavelmente aconteceu na língua aramaica, a proposta não explica a semelhança na estrutura e na seqüência e nem a semelhança literal do texto grego.

Portanto, não é possível resolver o problema sinóptico dessa forma.

1.3.4 As hipóteses da utilização (da dependência literária)
Enquanto as três propostas estudadas acima tentam trabalhar sem a dependência literária entre os três primeiros evangelhos, as hipóteses da utilização colocam a dependência como condição.

Já citamos Agostinho e a sua solução que encontrou adeptos até no século XX (entre eles Theodor Zahn e, com restrições, Adolf Schlatter). Ele parte do princípio de que os evangelhos surgiram na seqüência em que estão no NT hoje. Assim, o evangelho de Mateus é o mais antigo, o evangelho de Marcos um extrato de Mateus, e Lucas se baseia nos dois.

Griesbach defendeu uma outra dependência. Ele também considera o evangelho de Mateus o mais antigo. O evangelho de Lucas dependeria de Mateus e o evangelho de Marcos seria um breve resumo dos outros dois. Essa hipótese não encontrou muitos simpatizantes por estar baseada em número excessivo de suposições.

A hipótese que se impôs foi a que Lachmann desenvolveu em 1835. Ele considerava o evangelho de Marcos o mais antigo. Os outros dois teriam se baseado, independentemente um do outro, em Marcos. Lachmann fundamentou a sua solução do problema sinóptico no fato de que Mateus e Lucas só concordam entre si na seqüência das perícopes quando têm a mesma seqüência de Marcos. No restante eles ordenam o seu material de forma totalmente autônoma.

A hipótese de Lachmann foi complementada por H. J. Holtzmann, que descobriu, ao comparar Mateus e Lucas, que estes dois evangelhos são caracterizados por uma semelhança quase literal nos textos que têm a mais do que Marcos, diferenciando-se, no entanto, na seqüência dos textos apresentados. Disso ele concluiu que Mateus e Lucas se basearam num texto grego comum. Ele chamou esse texto de fonte dos discursos, pois consiste em grande parte de discursos ou ditos, de Jesus. Hoje o texto é chamado também de documento dos logia, ou simplesmente, o documento Q (de “Quelle” = “fonte” em alemão).

Com isso estava formada a teoria das duas fontes, que diz que os evangelhos sinópticos se baseiam em duas fontes: no evangelho de Marcos e no documento Q. Visto que as conclusões faziam sentido e a hipótese era fácil de se aplicar, ela se tornou a proposta predominante para a solução do problema sinóptico até os dias de hoje. Recentemente, no entanto, tem surgido novamente a pergunta, se essa hipótese é realmente a mais adequada para o problema. Por essa razão apresentaremos nos próximos parágrafos os detalhes dos argumentos que apóiam essa teoria.



Fonte:  Introducao e Sintese do Novo Testamento - Gerhard Horster

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