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segunda-feira, 22 de junho de 2015

O HEBRAÍSMO E SUAS EXPRESSÕES


Por hebraísmos entendemos certas expressões e maneiras peculiares do idioma hebreu que ocorrem em nossas traduções da Bíblia, que originalmente foi escrita em hebraico e em grego. Alguns conhecimentos destes hebraísmos são necessários para poder fazer uso devido das regras de interpretação.

Exemplos: 
1° – Era costume entre os hebreus chamar a uma pessoa filho da coisa que de um modo especial a caracterizava, de modo que ao pacífico e bem disposto se chamava filho da paz; ao iluminado e entendido, filho da luz; aos desobedientes, filhos da desobediência, etc. (Veja-se Luc. 10:6; Efés. 2:2; 5:6 e 5:8.)

2° – As comparações eram expressas às vezes, mediante negações, como, por exemplo, ao dizer Jesus: “Qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que me enviou”, o que equivale à nossa maneira de dizer: O que me recebe, não recebe tanto a mim, quanto ao que me enviou; ou não somente a mim, mas também ao que me enviou.” Devemos interpretar da mesma maneira quando lemos: “Não procuro (somente) a minha própria vontade, e, sim, a daquele que me enviou; trabalhai, não (só) pela comida que perece mas pela que subiste para a vida eterna; não mentiste (somente) aos homens, mas a Deus; não me enviou Cristo (tanto) para batizar, mas (quanto) para pregar o evangelho; nossa luta não é contra o sangue e a carne (somente), e, sim, contra os principados . . . contra as forças espirituais do mal”, etc. (Mar. 9:37; João 5:30; 6:27; Atos 5:4; 1 Cor. 1:17; Efésios 6:12.)

Como já dissemos em outra parte, o amar e aborrecer eram usados para expressar a preferência de uma coisa a outra; assim é que ao ler, por exemplo: “Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú”, devemos compreender: preferi Jacó a Esaú. (Rom. 9:13; Deut. 21:15; João 12:25; Luc. 14:26; Mat. 10:37).

3° – Às vezes os hebreus, apesar de se referirem tão somente a uma pessoa ou coisa, mencionavam várias para indicar sua existência e relação com a pessoa ou coisa a que se referiam, como, por exemplo, ao dizer: “A arca repousou sobre as montanhas de Ararat”, o que equivale a dizer que repousou sobre um dos montes Ararat. Do mesmo modo que, ao lermos em Mateus 24:1 que “se aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo”, sabemos que um deles (como intérprete do sentimento dos outros) lhe mostrou os edifícios do templo; e ao dizer (Mateus 26:8) que “indignaram-se os discípulos (pela perda do ungüento), dizendo: para que este desperdício?”, sabemos por João que foi um deles, a saber: Judas, que sem dúvida, expressando o pensamento dos demais, disse; “Para que este desperdício?” Ao dizer também. Lucas que os soldados chegaram-se a Jesus, apresentado-lhe vinagre na cruz, vimos por Mateus que foi um deles que realizou o ato. (Gên. 8:4; Juízes 12:7; Mateus 24:1; Marcos 13:1; Lucas 23:36; Mateus 27:48.)

4° – Com freqüência usavam os hebreus o nome dos pais para denotar seus descendentes, como, por exemplo, ao dizer-se (Gên. 9:25): “Maldito seja Canaã”, em lugar dos descendentes de Canaã (excetuando-se, é claro, os justos de seus descendentes). Muitas vezes usa-se também o nome de Jacó ou Israel para designar os israelitas, isto é, os descendentes de Israel. (Gên. 49:7; Salmo 14:7; 1 Reis 18,17,18.)

5° – A palavra “filho” usa-se, às vezes, como em quase todos os idiomas, para designar um descendente mais ou menos remoto. Assim é que o sacerdotes, por exemplo, se chamam filhos de Levi; Mefibosete se chama filho de Saul, embora, em realidade fosse seu neto; do mesmo modo Zacarias se chama filho de Ido, sendo seu pai Berequias, filho de Ido. E assim como “filho” se usa para designar um descendente qualquer, do mesmo modo a palavra “pai” se usa às vezes para designar um ascendente qualquer. Às vezes “irmão” se usa também quando somente se trata de um parentesco mais ou menos próximo; assim, por exemplo, chama-se Ló irmão de Abraão, embora em realidade fosse seu sobrinho. (Gên 14:12-16.) Tendo presentes tais hebraísmos, desaparecem contradições aparentes. Em 2 Reis 8:26, por exemplo, se chama a Atalia, filha de Onri, e no verso 18, filha de Acabe, sendo em realidade filha de Acabe e neta de Onri.

Além dos hebraísmos referidos, ocorrem outras singularidades na linguagem bíblica, certos quase-hebraísmos, que precisamos conhecer para a correta compreensão de muitos textos. Referimo-nos ao uso peculiar de certos números, de algumas palavras que expressam fatos realizados ou supostos e de vários nomes próprios.

Exemplos: 
1° Certos números determinados usam-se às vezes em hebraico para expressar quantidades indeterminadas. “Dez”, por exemplo, significa “vários”, como também este número exato. (Gên. 31:7; Daniel 1:20.)

“Quarenta” significa “muitos”. Persépolis era chamada “a cidade das quarenta torres”, embora o numero delas fosse muito maior. Tal é, provavelmente, também o significado em 2 Reis 8:9, onde lemos que Hazael fez um presente de 40 cargas de camelos de bens de Damasco a Eliseu. Talvez seja este também o significado em Ezequiel 29:11-13.

“Sete” e “setenta” se usam para expressar um número grande e completo, ainda que indeterminado. (Prov. 26:16,25; Salmo 119:164; Lev. 26:24). É-nos ordenado perdoar até setenta vezes sete para dar-nos a compreender que, se o irmão se arrepende, devemos sempre perdoar-lhe. Os sete demônios expulsos de Maria denotam, talvez, seu extremado sofrimento e ao mesmo tempo sua grande maldade.

2° – Às vezes usam-se números redondos nas Escrituras para expressar quantidades inexatas. Em Juízes 11:26 vemos, por exemplo, que se coloca o número redondo de 300 por 293. Compare-se também cap. 20:46, 35.

3° – Às vezes faz-se uso peculiar das palavras que expressam ação, dizendo-se de vez em quando que uma pessoa faz uma coisa, quando só a declara feita; quando profetiza que se fará, se supõe que se fará ou considera feita. Às vezes manda-se também fazer uma coisa quando só se permite que se faça.

Em Lev. 13:13 (no original), por exemplo, diz-se que o sacerdote limpa o leproso, quando apenas o declara limpo. Em 2 Cor. 3:6 lemos que “a letra (significando, a lei) mata”, quando na realidade só declara que o transgressor deve morrer.

Em João 4:1,2, diz-se que “Jesus” batizava mais discípulos que João, quando só ordenava que fossem batizados, pois em seguida lemos: “(se bem que Jesus mesmo não batizava, e, sim, os seus discípulos.)” Lemos também que Judas “adquiriu um campo com o preço da iniqüidade”, embora só fosse proveniente dele, entregando aos sacerdotes o dinheiro com que compraram dito campo. (Atos 1:16-19; Mateus 27:4-10). Assim compreendemos também em que sentido consta que “o Senhor endureceu o coração de Faraó”, ao mesmo tempo que lemos que Faraó mesmo endureceu seu coração; isto é, que Deus foi causa de seu endurecimento oferecendo-lhe misericórdia com a condição de ser obediente, porém se endureceu ele mesmo, resistindo à bondade oferecida. (Êxodo 8:15; 9:12; compare-se Rom. 9:17.)

Ao dizer o Senhor ao profeta Jeremias (1:10): “Hoje te constituo. . . para arrancares . . . para destruíres e arruinares”, etc., não o colocou Deus para executar estas coisas, mas para profetizá-las ou proclamá-las. Neste sentido também Isaías teve de tornar “insensível o coração deste endurece-lhes os ouvidos e fecha-lhes os olhos” (Isaías 6:10).

Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma de mandamento positivo o que não implica mais que uma simples permissão, e nem sequer consentimento, de fazer uma coisa, temos em Ezequiel 20:39, onde diz o Senhor: “Ide; cada um sirva os seus ídolos agora e mais tarde”, dando-se a compreender linhas adiante que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo acontece no caso de Balaão o dizer-lhe Deus: “Se aqueles homens (os príncipes do malvado Balaque) vierem chamar-te, levanta-te, vai com eles; todavia, farás somente o que eu te disser”; dizendo-nos o contexto que aquilo não era mais que uma simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que o profeta o fizesse. (Núm. 22:20.) Caso semelhante temos provavelmente nas palavras de Jesus a Judas, quando lhe disse: “O que retendes fazer, faze-o depressa” (João 13:27).

4° – Na interpretação das palavras das Escrituras, é preciso ter presente também que se faz uso mui singular dos nomes próprios, designando-se às vezes diferentes pessoas com um mesmo nome, diferentes lugares com um mesmo nome e uma mesma pessoa com nomes diferentes.

Pessoas diferentes designadas com um mesmo nome. Faraó, que significa regente, era o nome comum de todos os reis do Egito desde o tempo de Abraão até à invasão dos persas, mudando-se depois o nome de Faraó pelo de Ptolomeu. Abimeleque, que significa meu pai e rei, parece haver sido o nome comum dos reis dos filisteus, como Agague, o dos reis dos amalequitas e Ben-Hadade dos sírios e o de César dos imperadores romanos. César Augusto (Lucas 2:1) que reinava ao nascer Jesus, era o segundo que levava este nome. O César que reinava ao ser crucificado Jesus, era Tibério. O imperador para o qual apelou Paulo e a quem tanto se chamava Augusto como César, era Nero. (Atos 25:21). Os reis egípcios e filisteus parecem ter tido um nome próprio além do comum, como os romanos. Assim é que lemos, por exemplo, de um Faraó Neco, do Faraó Ofra e de Abimeleque Aquis. (Veja-se o prefácio ao Salmo 34; 1 Samuel 21:11.)

No Novo Testamento se conhecem diferentes pessoas sob o nome de Herodes. Herodes o Grande, assim chamado na história profana, foi quem, sendo já velho, matou as crianças em Belém. Morto este, a metade de seu reino, Judéia e Samaria inclusive, foi dada a seu filho Arquelau; a maior parte da Galiléia, a seu filho Herodes o Tetrarca, o rei (Lucas 3:1; Mateus 2:22); e outras partes da Síria e Galiléia a seu terceiro filho Filipe Herodes. Foi Herodes o Tetrarca quem decapitou a João Batista e zombara de Jesus em sua paixão. Ainda outro rei Herodes, a saber, o neto do cruel Herodes o Grande, matou ao apóstolo Tiago, morrendo depois abandonado em Cesaréia. Foi diante do filho deste assassino de Tiago, chamado Herodes Agripa, que Festo fez Paulo comparecer. O caráter deste rei era muito diferente do de seu pai, e não confundi-los é de importância para a correta compreensão da História. Levi em Marcos 2:14 é o mesmo que Mateus. Tomé e Dídimo são uma mesma pessoa. Tadeu, Lebeu e Judas são os diferentes nomes do apóstolo Judas. Natanael e Bartolomeu são também os nomes de uma mesma pessoa.

Lugares diferentes designados com um mesmo nome. Duas cidades chamam-se Cesaréia, a saber Cesaréia de Filipe, na Galiléia, e Cesaréia situada na costa do Mediterrâneo. A esta última, porto de mar e ponto de partida para os viajantes, que saíam da Judéia para Roma, refere-se constantemente o livro dos Atos.

Também se mencionam duas Antioquias: a da Síria, onde Paulo e Barnabé iniciaram seus trabalhos e onde os discípulos pela primeira vez foram chamados de cristãos; e a da Pisídia, à qual se faz referência em Atos 13:14 e em 2 Tim. 3:11.

Também há vários lugares chamados Mispa no Antigo Testamento como o de Galeede, de Moabe, o de Gibeá e o de Judá. (Gên. 31:47-49; 1 Sam. 22:3; 7:11; Josué 15:38).

Um mesmo nome que designa a uma pessoa e a um lugar. Magogue, por exemplo, é o nome de um filho de Jafé, sendo também o nome do país ocupado pela gente chamada Gogue, provavelmente os antigos citas, hoje chamados tártaros (Ezeq. 38; Apoc. 20:8), dos quais descendem os turcos.

Uma mesma pessoa e um mesmo lugar, com nomes diferentes. Horebe e Sinai são nomes de diferentes picos de uma mesma montanha, Porém às vezes um ou outro destes nomes designa a montanha inteira.

O lago de Genesaré chamava-se antigamente Mar de Cinerete, depois Mar da Galiléia ou Mar de Tiberíades. (Mateus 4:18; João 21:1.) A Abissínia moderna se chama Etiópia e às vezes Cuxe, designando este último nome, sem dúvida, a maioria das vezes, Arábia ou Índia, Grécia chama-se tanto Javã como Grécia. (Isaías 66:19; Zac. 9:13; Dan. 8:21.) Egito chama-se às vezes, Cão, outras Raabe. (Salmo 78:51; Isaías 51:9.)

O Mar Morto se chama às vezes Mar da Planície, por ocupar a planície onde estavam as cidades de Sodoma e Gomorra; Mar do Este, em função de sua posição para o Leste, contando desde Jerusalém, e ainda Mar Salgado. (2 Reis 14:25; Gên. 14:3; Josué 12:3).

O Nilo chama-se Sibor, porém com mais freqüência o Rio, cujos nomes também às vezes designam outros rios.

O Mediterrâneo se chama às vezes o Mar dos Filisteus, que viviam em suas costas; outras, Mar Ocidental; outras, e com mais freqüência, Mar Grande. (Êxodo 23:31; Deut. 11:24; Num. 34:6,7).

A Terra Santa chama-se Canaã, Terra de Israel, Terra de Judéia, Palestina, Terra dos Pastores e Terra Prometida. (Êxodo15:15; 1 Sam. 13:19; Hebr. 11:9.)

Um cuidadoso conhecimento do referido uso peculiar dos nomes próprios não só favorece a correta compreensão das Escrituras em geral, como faz desaparecer virias contradições que a ignorância encontra em diferentes passagens bíblicas.

Fonte: HERMENÊUTICA – Regras de Interpretação das Sagradas Escrituras © EDITORA VIDA, 1968


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