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segunda-feira, 16 de março de 2015

O MASSACRE DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU

O massacre da noite de São Bartolomeu


Nem Zuínglio nem Lutero tinham por objetivo criar uma “nova” igreja; o que eles pretendiam era reformar as práticas reprováveis e pecaminosas que faziam o mundo zombar do testemunho da igreja. Apesar das perseguições, muitos protestantes apegavam-se à esperança de que a igreja poderia ser purificada e a unidade pudesse ser restaurada.

Essa esperança morreu em 24 de agosto de 1572.

Nenhum outro acontecimento contribuiu tanto para selar a grande divisão entre católicos e protestantes, como a vergonhosa noite do massacre de São Bartolomeu. Henrique II havia casado com Catarina de Médici, cujo filho Francisco II se tornaria rei da França aos quinze anos, mas morreu um ano depois. Tragicamente, o seu irmão mais novo era jovem demais para exercer a autoridade de rei, deixando assim o poder real nas mãos da sua mãe. Foram as intrigas sem fim e as tramas de Catarina de Médici que resultaram num dos mais negros capítulos que mancharam a história da França.

Politicamente influente, a família Guise aos poucos foi aumentando
sua superioridade, fazendo com que Catarina bajulasse os Bourbons, entre os quais estavam muitos dos líderes da pequena
comunidade protestante francesa. Esses protestantes franceses eram chamados huguenotes, a quem Catarina vez ou outra estendeu gestos de tolerância. Depois de um desses gestos em 1562, o Duque de Guise decidiu resolver o assunto por conta própria e organizou um destacamento militar para investir contra uma reunião de adoração dos huguenotes em Champagne, matando a todos, até mulheres e crianças.

A principal família huguenote tinha por cabeça Gaspar de Coligny. Os membros dessa família ocupavam importantes postos políticos e militares na França. À medida que Catarina jogava uma facção contra a outra, ela tornou-se cada vez mais arrojada, juntando-se com a família Guise numa desprezível conspiração para assassinar Coligny. Quando falhou a tentativa de assassinato, ela convenceu o próprio filho de que a única solução era exterminar Coligny e os seus irmãos protestantes.

Hoje, o valor da liberdade religiosa parece tão óbvio aos americanos, mas a história e os acontecimentos atuais nos mostram que ela é uma dádiva preciosa e rara. É difícil imaginar como é que homens que professavam o cristianismo puderam planejar uma conspiração tão monstruosa, e ainda mais executá-la. Durante as “Guerras das Religiões”, que custaram incontáveis milhares de vidas francesas em sucessivos anos, as atrocidades se tornaram algo comum, mas mais de 400 anos depois, são poucos os eventos da história que rivalizam a infâmia do massacre da Noite de São Bartolomeu.

Os huguenotes sobreviventes foram privados de seus direitos, empobrecidos ou banidos para as galés de escravos. Muitos deles espalharam-se pela Europa, ao passo que muitos se dirigiram ao Novo Mundo. A França jamais se recobrou da perda devastadora dos diligentes huguenotes, cujos talentos e habilidades se mostraram uma grande bênção a todos os que os acolheram.

WCJ
Na obra “Estudos da História da Europa”, o historiador J. H. Robinson relata a seguinte descrição como apresentada pelo “estadista e íntegro historiador De Thou (1553-1617), o qual, ainda jovem, testemunhou o massacre…”

Dessa forma, então, estava determinado exterminar todos os protestantes, e o plano foi aprovado pela rainha. Por algum tempo, discutiram se poupariam o rei de Navarra e o príncipe De Conde. Todos concordaram que o rei de Navarra deveria ser poupado por causa da dignidade real e da nova aliança. O duque de Guise, que recebera o comando geral da operação, intimou durante a noite vários capitães dos mercenários católicos suíços dos cinco pequenos distritos, e alguns comandantes das corporações francesas, e lhes comunicou que era da vontade do rei que, de acordo com a vontade de Deus, eles se vingassem do bando de rebeldes enquanto estivessem entocados em casa (à noite). A vitória seria fácil e o espólio farto, seria obtido sem perigo algum. O sinal para dar início ao massacre seria dado pelo sino do palácio, e os sinais pelos quais se reconheceriam uns aos outros no escuro seria um pedaço de linho branco amarrado no braço esquerdo e uma cruz branca no chapéu.

Nesse meio-tempo, Coligny acordou e percebeu, pelo barulho, que havia um tumulto. No entanto, ele estava certo da boa vontade do rei, inteiramente persuadido disso ou por sua própria credulidade ou por causa de Teligny, seu genro, que cria que o povo tinha sido provocado pelos Guises, e que a quietude seria restabelecida logo que vissem os soldados da guarda, sob o comando de Cosseins, os quais tinham sido nomeados para protegê-lo e à sua propriedade.

Mas quando ele percebeu que o barulho aumentava e que alguém disparou um bacamarte no pátio da sua casa, finalmente tentou descobrir o que estava acontecendo, mas tarde demais. Ele levantou-se da cama, vestiu o roupão, fez suas orações e encostou-se à porta. Labonne estava com as chaves da casa. Quando Cosseins lhe ordenou, em nome do rei, que abrisse a porta, ele obedeceu de pronto sem medo, sem nenhuma apreensão. Mal Cosseins entrou, Labonne, que lhe barrava o caminho, foi morto com um golpe de adaga. Os suíços, que estavam no pátio, ao verem isso, correram para dentro da casa e fecharam a porta, empilhando contra ela mesas e toda mobília que conseguiram encontrar. Foi no primeiro conflito que um dos suíços foi morto com uma bala de bacamarte disparada por um dos que acompanhavam Cosseins. Mas finalmente os conspiradores rebentaram a porta e subiram a escada: Cosseins, Attin, Corberan de Cordillac, Seigneur de Sarlabours, primeiros capitães da guarda, Achilles Petrucci de Siena, todos armados de couraças, e Besme, o alemão, que tinha sido trazido como escudeiro na casa de Guise; pois o duque de Guise morava na corte, junto com os grandes nobres e outros que o acompanhavam.

Depois que Coligny fez suas orações com Melin, o ministro, ele disse sem nenhum alarme, aos que estavam presentes (e quase todos eram cirurgiões, pois poucos deles eram serviçais seus): Posso ver claramente o que eles procuram, e estou imperturba-velmente pronto para sofrer a morte que nunca temi, e que muito tempo atrás imaginei que fosse tornar-se minha. Sinto-me feliz em sentir a aproximação da morte e por estar pronto a morrer em Deus, por cuja graça eu aguardo a vida eterna. Não preciso mais de socorro humano. Saiam, então, deste lugar, meus amigos, tão rápido quanto puderem, para não acontecer de se envolverem em minha desgraça, e que algum dia suas mulheres me maldigam como quem lhes fez perder o marido. Para mim, é suficiente Deus está aqui, a cuja bondade entrego minha alma, que em breve se apartará do meu corpo. Depois dessas palavras, eles subiram a uma sala superior, onde buscaram segurança uns aqui outros ali, por cima dos telhados.

Nesse ínterim, os conspiradores, depois de arrebentarem a porta do quarto, entraram. Besme, espada na mão, interpelou Coligny, que estava parado perto da porta:

― Você é Coligny?

Coligny replicou, sem medo nenhum no rosto:

― Sim, sou eu. Mas você, jovem, respeite estes cabelos brancos. O que você vai fazer? Eu já estou condenado à morte pela idade. Qualquer ação sua encurtará minha vida apenas alguns dias.

Enquanto ele falava, Besme lhe deu um golpe de espada. Descravou a espada, e deu-lhe outro golpe na boca, desfigurando-lhe o rosto. Assim, Coligny caiu, morto por diversos golpes. Algumas pessoas têm escrito que Coligny, ao morrer, pronunciou, como que irritado, as seguintes palavras: “Pudesse eu pelo menos mor-rer pela mão de um soldado, e não de um serviçal”. Mas Attin, um dos assassinos, também relata como eu escrevi, e acrescenta que nunca viu ninguém tão sem medo num perigo assim, nem morrer de modo mais sereno.

Coligny sendo jogado

Depois disso, do pátio, o duque de Guise perguntou a Besme se o assunto estava acabado. Besme respondeu que sim, e o duque replicou que o nobre d’Angoulerne não acreditaria a não ser que pudesse vê-lo. Imediatamente jogaram o corpo no pátio, desfigurado e ensanguentado como estava. Quando o nobre d’Angoulerne, que mal podia crer no que viam seus olhos, enxugou com um pano o sangue que cobria o rosto do morto, e finalmente o reconheceu, dizem alguns que ele desferiu ponta-pés no corpo inerte. Se aconteceu ou não, o fato é que, quando deixou a casa com seus seguidores, ele disse: “Animem-se, meus amigos! Vamos terminar o que já começamos. É ordem do rei.” Ele repetia com frequência essas palavras, e tão logo se ouviu o sino do relógio do palácio, levantava-se em todo lado o grito: “Às armas!” e o povo correu à casa de Coligny. Depois de levarem o corpo a um estábulo vizinho, lhe cortaram a cabeça, e a mandaram para Roma. Também o mutilaram vergonhosamente, e o arrastaram pelas ruas até as margens do Sena, algo que ele tinha quase profetizado, embora não pensasse em nada semelhante ao que aconteceu.

Algumas crianças ajudaram a jogar o corpo dele no rio. Depois, foi arrastado e pendurado na forca de Montfaucon, onde ficou pendurado pelos pés, seguro por correntes de ferro. Acenderam uma fogueira perto dele, queimando-o, mas não completamente. Dessa forma, por assim dizer, torturaram-no com todos os elementos, pois foi morto na terra, jogado na água, posto sobre o fogo, e finalmente o penduraram no ar. Depois de servir como espetáculo por vários dias para satisfazer o ódio de muitos e estimular a justa indignação de tantos outros, que reconheciam que essa fúria do povo custaria ao rei e à França dias de muita tristeza, um amigo íntimo do morto, François de Montmorency, que havia escapado ao perigo, retirou-o da forca durante a noite juntamente com outros homens de confiança, e o levou a Chantilly, onde foi enterrado na capela.

J. H. Robinson, ed. Readings in European History; Boston, Volume 2, pág. 180 e ss. Hanover Historical Text Project, digitalizado por Brian Cheek, Hanover College. 12 de novembro de 1995, revisão e páginas adicionadas por Jonathan Perry. Março de 2001.


Fonte:
Livro - O Massacre da Noite de São Bartolomeu
Editora - Os Puritanos

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