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segunda-feira, 27 de junho de 2011

JÓ - O PROBLEMA DO SOFRIMENTO





Jó – O problema do sofrimento

O sofrimento humano é o grande problema, antigo como o tempo, discutido no livro de Jó.
Esta questão tem continuado sendo um dos problemas insolúveis do homem. O livro de Jó tampouco proporciona uma solução final à questão. Contudo, verdades de grande significação estão projetadas nesta extensa discussão.
Considerado como uma unidade, o livro de Jó é em sua presente forma, o que poderia classificar-se como um drama épico. Embora a maior parte da composição seja poética, sua estrutura geral é em prosa. Nesta última forma, a narrativa proporciona base para sua total discussão.
Nem a data de seu fundo histórico, nem o tempo de sua composição, podem ser localizados neste livro com certeza, e o autor é anônimo.
O livro de Jó tem sido reconhecido como uma das produções poéticas de todos os tempos. Entre os escritores hebraicos, o autor deste livro utiliza o mais extenso vocabulário; às vezes tem sido considerado como o Shakespeare dos tempos do Antigo Testamento. Neste livro se exibe um vasto tesouro de conhecimentos, um soberbo estilo de vigorosa expressão, profundidade de pensamento, excelente domínio da linguagem, nobres ideais e um elevado nível ético, além de um genuíno amor pela natureza. As idéias religiosas e filosóficas têm merecido a consideração dos maiores teólogos e filósofos até o presente.
Não só tem uma multiplicidade de interpretações —demasiado numerosas para serem consideradas neste volume—, senão que o texto em si mesmo tem sofrido consideravelmente extensas emendas, conjecturas, fantásticas correções e reconstruções [1]. Numerosas têm sido as opiniões e as especulações referentes a sua origem.
O leitor que se enfrenta com ele deveria considerar este livro como uma unidade [2]. As variadas interpretações e as numerosas teorias de sua origem merecem a oportuna investigação para os estudiosos avançados, mas a simples verdade contida neste livro como uma unidade, é uma significativa faceta da revelação do Antigo Testamento. Para guiar o leitor em sua compreensão da mensagem, este livro pode ser subdividido da seguinte forma:

I. Introdução ou situação histórica                                            Jó 1.1-3.26
II. O diálogo com os três amigos                                                Jó 4.1-31.40
    a. Ciclo primeiro                                                            Jó 4.1-14.22
        Elifaz                                                                      Jó 4.1-5.27
                                                                                   Jó 6.1-7.21
        Bildade                                                                    Jó 8.1-22
                                                                                   Jó 9.1-10.22
        Zofar                                                                      Jó 11.1-20
                                                                                   Jó 12.1-14-22
    b. Ciclo segundo                                                            Jó 15.1-21.34
        Elifaz                                                                      Jó 15.1-35
                                                                                   Jó 16.1-17.16
        Bildade                                                                    Jó 18.1-21
                                                                                   Jó 19.1-29
        Zofar                                                                      Jó 20.1-20
                                                                                   Jó 21.1-34
    c. Ciclo terceiro                                                             Jó 22.1-31.40
        Elifaz                                                                      Jó 22.1-30
                                                                                   Jó 23.1-24.25
        Bildade                                                                    Jó 25.1-6
                                                                                   Jó 26.1-31.40
III. Os discursos de Eliú                                                               Jó 32.1-37.24
IV. Os discursos do Todo Poderoso                                           Jó 38.1-41.34
V. A conclusão                                                                                 Jó 42.1-17

O lar pátrio de Jó era o país de Uz [3]. Embora falta a correlação cronológica específica, os tempos em que viveu Jó encaixam melhor na era patriarcal [4]. Os infortúnios deste homem justo dão pé à base para o diálogo que constitui a maior parte deste livro.
Vividamente, a personalidade de Jó aparece retratada em três situações diferentes: em tempos de uma prosperidade sem precedentes, na extrema pobreza, e em seu incomensurável sofrimento pessoal. A fé de Jó vai além do mundano e aponta sempre a uma esperança eterna. E ainda quando o último não está claramente definido, Jó não chega ao completo desespero durante o tempo crucial de seus sofrimentos.
Jó é descrito como uma pessoa temerosa de Deus, que não teve jamais igual em toda a raça humana (1.1,8; 2.3; 42.7-8). O alto nível ético pelo que viveu está além da realização da maior parte dos homens (29-31). Inclusive depois de que seus amigos têm analisando a pauta completa de sua conduta, a moral de Jó e seu agir permanece além de toda repreensão.
Para começar com o relato, Jó era o homem mais rico do Leste. As possessões materiais, porém, não obscurecem sua devoção para Deus. em tempos felizes de contínuas festas, realiza sucessivos sacrifícios para o bem-estar de toda sua família (1.1-5). O uso de sua riqueza em ajudar o necessitado, se reflete em todo o livro.
Repentinamente, Jó fica reduzido a uma extrema pobreza. Em quatro catastróficos acontecimentos, perde todas suas possessões materiais. Duas dessas grandes desgraças, aparentemente, acontecem por causas naturais: os ataques dos sabeus e dos caldeus. As outras duas, um terrível fogo que consume todo e um grande furacão estavam fora do controle humano. Jó não somente fica reduzido a uma total bancarrota, sena que perde a todos seus filhos.
Jó ficou sumido numa terrível confusão, desgarra suas vestes e rapa sua cabeça.
Então, se volta a Deus em adoração. Reconhecendo que tudo o que tinha possuído provinha de Deus, ele também reconhece que na providência de Deus tinha perdido tudo. E por isto o abençoa, não acusando-o de culpa alguma.
Atacado de uma terrível sarna de ulceras malignas (2.7-8), Jó se senta num monturo cheio de cinzas, e desesperadamente procura alívio rascando-se com um caco suas feridas e pústulas. Nesse momento, sua esposa lhe aconselha que amaldiçoe a Deus e morra. De novo, este homem justo surge acima de toda circunstância, e reconhece a Deus como dono e senhor de todas as vicissitudes da vida.
Três amigos,Elifaz, Bildade e Zofar, chegam a visitá-lo com o propósito de confortá-lo.
Eles apenas se o reconhecem, sumido num estado de agudo sofrimento. Tão surpreendidos estavam, que sentam em silêncio durante sete dias. Jó finalmente rompe sua atitude passiva e amaldiçoa o dia de seu nascimento; a não existência teria sido melhor que suportar tais sofrimentos.
Com a angústia na alma e o tormento físico no corpo, sopesa o enigma da existência numa pergunta: Por que terei nascido?[5] O problema que serve de base na totalidade da discussão, era o fato de que nem Jó nem seus amigos conheciam a razão para aquelas evidentes desgraças e infortúnios. Para eles, a razão de todo é desconhecida. Satanás aparece ante Deus para pôr a prova a devoção de Jó e sua fé. E faz acusação de que Jó simplesmente serviu a Deus pelas recompensas materiais, e lhe é concedida permissão para arrasar todas as possessões do homem mais rico do Leste, ainda que não para danar o próprio Jó. Quando a filosofia resultante de Jó a respeito da vida resiste à de Satanás, Deus concede ao acusador a liberdade de afligi-lo, porém com a específica restrição de não atentar contra sua vida. Embora Jó tinha amaldiçoado o dia de seu nascimento, nunca amaldiçoou Deus. ciente por completo de seus sofrimentos e não achando nenhuma explicação, Jó propõe a pergunta "por que?" enquanto afunda no mistério de sua peculiar sorte na vida.
Com certa repugnância, seus amigos tentam consolá-lo, já que assim ele o tinha feito com muitos em tempos passados (4.1ss). Elifaz, precavidamente, ressalta que nenhum mortal com sabedoria limitada pode aparecer perfeitamente justo ante um Deus onipotente. Falhando em reconhecer a genuína devoção de Jó para Deus, Elifaz chega à conclusão de que está sofrendo a causa do pecado (4-5).
Em resposta, Jó descreve a intensidade de sua miséria, que inclusive seus próprios amigos não compreendem. Para ele, parece como se Deus o tivesse abandonado a um contínuo sofrimento. Em vão deseja com veemência que chegue uma crise na qual possa achar alívio ou bem, a morte para seu pecado (6-7).
Bildade, imediatamente, replica que Deus não transtornaria a justiça. Apelando à tradição e afirmando que Deus não rejeitaria um homem sem mácula, Bildade implica que Jó está sofrendo precisamente por seus próprios pecados (8).
"Como um homem pode ser justo ante Deus?" é a seguinte pergunta de Jó. Ninguém é igual a Deus. Deus é onipotente e age seguindo sua vontade sem ter de render contar a ninguém. Sem árbitro nem juiz que intervenha ou explique a causa de seus sofrimentos, Jó apela diretamente ao Todo Poderoso. Aborrecido da vida em tão insuportável estado, Jó espera o alívio da morte (9-10).
Zofar, decididamente, admoesta Jó por apresentar tais questões. Deus poderia revelar seu pecado; mas a sabedoria divina e o poder de Deus estão fora do alcance da compreensão do homem. Aconselha a Jó que se arrependa e confesse sua culpabilidade, concluindo que a única esperança para o malvado é a morte (11).
Jó, corajosamente, afirma que a sabedoria não está limitada a seus amigos. Toda a vida, tanto a humana como a das bestas, está nas mãos de Deus. de acordo com seus oponentes, reafirma que Deus é onipotente, onisciente e justo. Com uma intensa veemência para com Deus, porém, não comprovando receber nenhum alívio temporal, Jó afunda nas profundezas da desesperação. Num período de dúvida, se pergunta se haverá vida após a morte (12-14).
Elifaz acusa a Jó de falar coisas sem sentido, desrespeitando assim a Deus. Afirmando que é demasiado arrogante, Elifaz insiste que a tradição tem a resposta: o sofrimento é o resultado do pecado. O conhecimento comum ensina que o malvado deve sofrer (15).
Lembrando a seus ouvintes que aquilo não era nada de novo, Jó conclui retamente que seus amigos são uns miseráveis consoladores. Embora seu espírito esteja quebrantado, seus planos desfeitos e sua vida tocando a seu fim, mantém que seu testemunho no céu advogará por ele (16-17).
Bildade tem pouco que agregar. Simplesmente reafirma a asserção de seus colegas, de que o malvado deve sofrer. Todo o que sofre, forçosamente deve ser ímpio (18).
Esquecido pelos amigos, afastado e abandonado por sua família, aborrecido por sua esposa, e ignorado por seus servos, Jó descreve sua solitária condição de estar sofrendo pela mão de Deus. Somente a fé o leva além de suas presentes circunstâncias. E antecipa a futura vindicação sobre a base de sua conduta (19).
A essência da réplica de Zofar é que a prosperidade do malvado é muito curta e breve. Volta obstinadamente a repetir que o sofrimento é a parte que toca ao homem malvado (20).
Jó termina o segundo ciclo de discursos, rejeitando as conclusões básicas de seus amigos. Muita gente malvada goza plenamente das coisas boas da vida, recebe um honorável sepultamento e são respeitadas por seus êxitos. Isto sempre foi constatado pelo que observam e por aqueles que têm um amplo conhecimento dos homens e dos assuntos do mundo (21).
No terceiro ciclo de suas discussões, continua o problema de encontrar a solução para Jó. acreditando firmemente que aquele sofrimento é o resultado do pecado, os amigos de Jó chegam à conclusão de que Jó tinha sido um pecador. Já que a causa do sofrimento não pode ser atribuída a um Deus justo, onipotente, deve ser achada no sofrimento individual. Elifaz, portanto, culpa a Jó de pecados secretos, acusa a Jó de que assumiu que Deus, em sua distância infinita não perceberia seu tirânico tratamento com os pobres e os oprimidos. Já que os pecados de Jó são a causa de sua miséria, Elifaz o aconselha que se volte para Deus e se arrependa (22).
Jó aparece confuso. Seu sofrimento continua e os céus permanecem silenciosos. Uma sensação de urgência e de impaciência o surpreende ao ver que Deus não age em seu nome.
Tudo quanto ele tinha feito era totalmente conhecido pelo Deus ao qual tinha servido fielmente com fé e obediência. Ao mesmo tempo, a injustiça, a violência e a iniqüidade continuam, e Deus sustenta a vida dos perversos e malvados (23-24).
Bildade fala brevemente. Ignorando os argumentos, tenta que Jó caia de joelhos ante Deus. e nisto, não teve êxito (25).
Jó está de acordo com seus amigos, em que o homem era inferior a Deus (26). Afirmando que ele era inocente, e que não havia razão para seus cargos, ele é o vivo retrato do malvado. Seus amigos não tinham nenhuma garantia de perder sua prosperidade. Embora o homem tem explorado e buscado os recursos da natureza, ele ainda estava confuso em sua busca pela sabedoria. Esta não podia ser comprada, ainda que Deus mostrou sua sabedoria por todo o universo. Poderia o homem achá-la? Somente o temente de Deus, o homem moral, tem acesso a tal sabedoria e a sua compreensão (28).
Jó conclui seu terceiro ciclo de discussões, revisando todo seu caso. Contrasta os dias dourados de extrema felicidade, prosperidade e prestígio com seu presente estado de sofrimento, humilhação e angústia da alma, na consciência de que o que lhe está acontecendo era ordenado por Deus. Com consideráveis detalhes, Jó faz um reconto de seu nível ético e integridade em seu trato com os homens. Não manchado pela imoralidade, a vaidade, a avareza, a idolatria, a amargura ou a insinceridade, Jó reafirma sua inocência. Nem o homem nem Deus poderiam sustentar os cargos que seus amigos levantaram contra ele (29-31).
 Aparentemente, Eliú tem ouvido pacientemente os debates entre Jó e seus três amigos.
Sendo mais jovem, se retrai de falar até que é compelido a fazê-lo para tratar de discernir o que era verdade de Deus. após denunciar a Jó por sua atitude para com o sofrimento, rejeita suas queixas.
Com a tenra sensibilidade para o pecado e uma genuína reverência para com Deus, Eliú sugere a sublimidade de Deus como mestre que procura disciplinar o homem. A grandeza de Deus, estendida nas obras da criação da natureza, é surpreendente. A compreensão do homem para Deus e seus caminhos está condicionada pela limitação de sua mente. Como poderia o homem conhecer retamente a Deus? portanto, não seria prudente fazê-lo com fatuidade, mas praticar o temor de Deus que é grande em poder, justiça e retidão (32-37).
Numa multidão de palavras, nem Jó nem seus amigos têm resolvido o problema da retribuição, o mistério do sofrimento, ou os disciplinares desígnios no que diz respeito à vida de Jó. Tampouco os discursos sobre o Altíssimo apresentam um razoável argumento que permita uma detalhada e lógica explicação (38-41). A resposta de Deus desde um redemoinho reside na grandeza de sua própria majestade. As maravilhas do universo físico, e as do reino animal, mostram a sabedoria de Deus, além de qualquer concepção ou entendimento. Incluso Jó, que tem respondido a seus amigos repetidamente, reconhece humildemente que ele não poderia responder a Deus. mas Deus continua falando. Acaso não tem Ele criado os monstros do mar tanto como a Jó? Será que Jó teria o poder de controlar o beemote (hipopótamo) e o leviatã (crocodilo)? Se o homem não pode enfrentar-se com essas criaturas, como poderia esperar enfrentar seu criador, o Um que os criou a todos eles?
Jó está estupefato com a sabedoria e o poder de Deus. certamente, os propósitos e desígnios dAquele que tem tal sabedoria e poder, não podem ser questionados por mentes finitas. Quem põe em dúvida a propriedade dos caminhos de Deus no sofrimento dos justos ou a prosperidade do malvado? Os secretos e motivações de Deus em sua justiça com o gênero humano estão além de todo alcance humano. No pó e na cinza, Jó se inclina humildemente em adoração, confessando sua insignificância. Numa nova perspectiva de Deus, assim como de si mesmo, comprova que tem falado além de seu limitado conhecimento e compreensão. Pela fé e a confiança em Deus, ele se sobrepõe às limitações da razão humana na solução dos problemas, que com tanta audácia apresentara ao silêncio dos céus e antes que este se rompa (42.1-6).
 Identificado por Deus como "meu servo", Jó se converte no sacerdote oficiante e intercessor para seus três amigos que tão estupidamente tinham falado. Sua fortuna foi restaurada em dupla medida. Na camaradagem de seus parentes e amigos, Jó volta a experimentar o bem-estar e as bênçãos de Deus, depois do tempo de sua severa provação.



[1] E. J. Kissane, The Book of Job (Nueva York, 1946), p. XII, ressalta que a indulgência de críticos como H. Torcziner, Das Buch Hiob (Wien, 1920), que considera Jó como meramente uma coleção de fragmentos, conduz a uma falsa impressão do estado do texto hebraico de Jó. A poesia do mais alto grau, o extenso vocabulário, a grande proporção harpax legomena, os sutis e obscuros argumentos e a repetição das mesmas opiniões em palavras diferentes, tudo isso conduz a erros de transcrição e tradição, supondo que os escribas não compreendiam completamente a linguagem.
[2] Ver Aage Bentzen, Introductíon to the Old Testament, Vol. II, pp. 174-179, 9, quem considera a prosa e a maior parte da seção poética como uma unidade.
[3] Provavelmente o nordeste da Arábia ou o Edom. Ver HarjKr's Bible Dictionarv p. 792 para discussão do tema.
[4] Razões aduzidas para esta correlação: 1) condições da família; 2) não referência à Lei ou condições religiosas de tempos posteriores; 3) não referência ao ensino dos profetas; 4) a simplicidade de vida é similar a dos patriarcas. Ver S. C. Yoder Poetry of the Old Testament (Scottdale, Pa.: Herald Press, 1948), p. 83.
[5] Note-se que também Jeremias amaldiçoou seu dia de nascimento (Jr 20).

Fonte: Samuel J. Schultz - A História de Israel no AT


Pesquisa: Pr.Charles Maciel Vieira


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