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terça-feira, 24 de maio de 2011

TEOLOGIA - A SALVAÇÃO - 4ª Parte

 

6. Santificação completa.

Muitas vezes esta verdade é discutida sob o tema: "Perfeição cristã."

(a) Significado de perfeição. Há dois tipos de perfeição: absoluta e relativa. É absolutamente perfeito aquilo que não pode ser melhorado; isso pertence unicamente a Deus. E relativamente perfeito aquilo que cumpre o fim para o qual foi designado; essa perfeição é possível ao homem.
A palavra "perfeição", no Antigo Testamento, significa ser "sincero e reto" (Gên 6:9; Jó 1:1). Ao evitar os pecados das nações circunvizinhas, Israel podia ser uma nação "perfeita" (Deut. 18:13). No Antigo Testamento a essência da perfeição é o desejo e a determinação de fazer a vontade de Deus. Apesar dos pecados que mancharam sua carreira, Davi pode ser chamado um homem perfeito e "um homem segundo o coração de Deus", porque o motivo supremo de sua vida era fazer a vontade de Deus.
No Novo Testamento a palavra "perfeito" e seus derivados têm uma variedade de aplicações, e, portanto, deve ser interpretada segundo o sentido em que os termos são usados. Várias palavras gregas são usadas para expressar a idéia de perfeição: 1) Uma dessas palavras significa ser completo no sentido de ser apto ou capaz para certa tarefa ou fim. (2 Tim. 3:17.) 2) Outra denota certo fim alcançado por meio do crescimento mental e moral. (Mat. 5:48; 19:21; Col. 1:28; 4:12 ; Heb. 11:40.) 3) A palavra usada em 2 Cor. 13:9; Efés 4:12; e Heb. 13:21 significa um equipamento cabal. 4) A palavra usada em 2 Cor. 7:1 significa terminar, ou trazer a uma terminação. A palavra usada em Apoc. 3:2 significa fazer repleto, cumprir, encher (como uma rede), nivelar (um buraco).
A palavra "perfeito" descreve os seguintes aspectos da vida cristã: 1) Perfeição de posição em Cristo (Heb. 10:14) — o resultado da obra de Cristo por nós. 2) Madureza e entendimento espiritual, em contraste com a infância espiritual. (1 Cor. 2:6; 14:20;2Cor. 13:11; Fil. 3:15;2Tim. 3:17) 3) Perfeição progressiva. (Gál. 3:3.) 4) Perfeição em certos particulares: a vontade de Deus, o amor ao homem, e serviço. (Col. 4:12; Mat. 5:48; Heb. 13:21.) 5) A perfeição final do indivíduo no céu. (Col. 1:28,22; Fil. 3:12; 1Ped. 5:10.) 6) A perfeição final da igreja, ou o corpo de Cristo, isto é, o conjunto de crentes. (Efés. 4:13; João 17:23.)

(b) Possibilidades de perfeição. O Novo Testamento apresenta dois aspectos gerais da perfeição: 1) A perfeição como um dom da graça, o qual é a perfeita posição ou estado concedido ao arrependido em resposta à suafé em Cristo. Ele é considerado perfeito porque tem um Salvador perfeito e uma justiça perfeita. 2) A perfeição como realmente efetuada no caráter do crente. É possível acentuar em demasia o primeiro aspecto e descuidar do Cristianismo prático. Tal aconteceu a certo indivíduo que, depois de ouvir uma palestra sobre a Vida Vitoriosa, disse ao pregador: "Tudo isso tenho em Cristo." "Mas o senhor tem isso consigo, agora, aqui em Glasgow?" foi a serena interrogação. Por outra parte, acentuando demais o segundo aspecto, alguns praticamente têm negado qualquer perfeição à parte do que eles encontram em sua própria experiência.
João Wesley (o fundador do Metodismo) parece haver tomado uma posição intermediária entre os dois extremos. Ele reconhecia que a pessoa era santificada na conversão, mas afirmava a necessidade da inteira santificação como outra obra da graça. O que fazia essa experiência parecer necessária era o poder do pecado, que era a causa de o cristão ser derrotado. Essa bênção vem a quem buscar com fidelidade; o amor puro enche o coração e governa toda a obra e ação, resultando na destruição do poder do pecado.
Essa perfeição no amor não é considerada como perfeição absoluta, nem tampouco isenta o crente de vigilância e cuidados constantes. Wesley escreveu: "Creio que a pessoa cheia do amor de Deus ainda está propensa a transgressões involuntárias. Tais transgressões vocês poderão chamá-las de pecados, se quiserem; mais eu não." Quanto ao tempo da inteira santificação, Wesley escreveu:

"É esta morte para o pecado e renovação no amor, gradual ou instantânea? Um homem poderá estar à morte por algum tempo; no entanto, propriamente falando, não morre enquanto não chegar o instante em que a alma se separa do corpo; e nesse momento ele vive a vida da eternidade. Da mesma maneira a pessoa poderá estar morrendo para o pecado por algum tempo; entretanto, não está morto para o pecado enquanto o pecado não for separado de sua alma; é nesse momento que vive a plena vida de amor. E da mesma maneira que a mudança sofrida quando o corpo morre é duma qualidade diferente e infinitamente maior que qualquer outra que tenhamos conhecido antes, tão diferente que até então era impossível conceber, assim a mudança efetuada quando a alma morre para o pecado é duma classe diferente e infinitamente maior que qualquer outra experimentada antes, e que ninguém pode conceber até que a experimente. No entanto, essa pessoa continuará a crescer na graça, no conhecimento de Cristo, no amor e na imagem de Deus; e assim continuará, não somente até a morte, mas por toda a eternidade. Como esperaremos essa mudança? Não em um descuidado indiferentismo, ou indolente inatividade; mas em obediência vigorosa e universal, no cumprimento fiel dos mandamentos, em vigilância e trabalho, em negarmo-nos a nós mesmos, tomando diariamente a nossa cruz; como também em oração fervorosa e jejum, e atendendo bem às ordenanças de Deus. E se alguém pensa em obtê-la de alguma outra maneira (e conservá-la quando a haja obtido, mesmo quando a haja recebido na maior medida) esse alguém engana sua própria alma."

João Calvino, que acentuara a perfeição do crente pela consumada obra de Cristo, e que não era menos zeloso da santidade de que Wesley, dá o seguinte relato da perfeição cristã:

"Quando Deus nos reconcilia consigo mesmo, por meio da justiça de Cristo, e nos considera como justos por meio da livre remissão de nossos pecados, ele também habita em nós, pelo seu Espírito, e santifica-nos pelo seu poder, mortificando as concupiscências da nossa carne e formando o nosso coração em obediência à sua Palavra. Desse modo, nosso desejo principal vem a ser obedecer à sua vontade e promover a sua glória. Porém, ainda depois disso, permanece em nós bastante imperfeição para repelir o orgulho e constranger-nos à humildade." ( Ecl. 7:20; 1Reis 8:46.)

Ambas as opiniões, a perfeição como dom em Cristo e a perfeição como obra real efetuada em nós, são ensinadas nas Escrituras; o que Cristo fez por nós deve ser efetuado em nós. O Novo Testamento sustenta um ideal elevado de santidade e afirma a possibilidade de libertação do poder do pecado. Portanto, é dever do cristão esforçar-se para conseguir essa perfeição. (Fil. 3:12; Heb.6:l.)
Em relação a isto devemos reconhecer que o progresso na santificação muitas vezes implica uma crise na experiência, quase tão definida como a da conversão. Por um meio ou outro, o crente recebe uma revelação da santidade de Deus e da possibilidade de andar mais perto dele, e essa experiência é seguida por um conhecimento interior de ter ainda alguma contaminação. (Vide Isa. 6.) Ele chegou a uma encruzilhada na sua experiência cristã, na qual deverá decidir se há de retroceder ou seguir avante, com Deus. Confessando seus fracassos passados, ele faz uma reconsagração, e, como resultado, recebe um novo aumento de paz, gozo e vitória, e também o testemunho de que Deus aceitou sua consagração. Alguns têm chamado a essa experiência uma segunda obra da graça.
Ainda haverá tentação de fora e de dentro, e daí a necessidade de vigilância (Gál. 6:1; ICor. 10:12); a carne é fraca e o cristão está livre para ceder, pois está em estado de prova (Gál. 5:17; Rom. 7:18, Fil. 3:8); seu conhecimento é parcial e falho; portanto, pode estar sujeito a pecados de ignorância. Porém ele pode seguir avante, certo de que pode resistir e vencer toda a tentação que reconheça (Tia. 4:7; 1 Cor. 10:13; Rom. 6:14; Efés. 6:13,14); pode estar sempre glorificando a Deus cheio dos frutos de justiça (1 Cor. 10:31; Col. 1:10); pode possuir a graça e o poder do Espírito e andar em plena comunhão com Deus (Gál. 5:22, 23; Efés. 5:18; Col. 1:10,11; 1 João 1:7); pode ter a purificação constante do sangue de Cristo e assim estar sem culpa perante Deus. (1 João 1:7; Fil. 2:15; 1Tess. 5:23).

V. A Segurança da Salvação

Temos estudado as preparações para a salvação e considerado a natureza desta. Nesta seção consideramos: É a Salvação final dos cristãos incondicional, ou poderá perder-se por causa do pecado?
A experiência prova a possibilidade duma queda temporária da graça, conhecida por "desviar-se". O termo não se encontra no Novo Testamento, senão no Antigo Testamento. Uma palavra hebraica significa "voltar atrás" ou "virar-se"; outra palavra significa "volver-se" ou ser "rebelde". Israel é comparado a um bezerro teimoso que volta para trás e se recusa a ser conduzido, e torna-se insubmisso ao jugo. Israel afastou-se de Jeová e obstinadamente se recusou a tomar sobre si o jugo de seus mandamentos.
O Novo Testamento nos admoesta contra tal atitude, porém usa outros termos. O desviado é a pessoa que outrora tinha o zelo de Deus, mas agora se tomou fria (Mat. 24:12); outrora obedecia à Palavra, mas o mundanismo e o pecado impediram seu crescimento e frutificação (Mat. 13:22); outrora pôs a mão ao arado, mas olhou para trás (Luc. 9:62); como a esposa de Ló, que havia sido resgatada da cidade da destruição, mas seu coração voltou para ali (Luc. 17:32); outrora estava em contacto vital com Cristo, mas agora está fora de contacto, e está seco, estéril e inútil espiritualmente (João 15:6); outrora obedecia à voz da consciência, mas agora jogou para longe de si essa bússola que o guiava, e, como resultado, sua embarcação de fé destroçou-se nas rochas do pecado e do mundanismo (1 Tim. 1:19); outrora alegrava-se em chamar-se cristão, mas agora se envergonha de confessar a seu Senhor (2 Tim. 1:8 ;2:12); outrora estava liberto da contaminação do mundo, mas agora voltou como a "porca lavada ao espoja-douro de lama" (2 Ped. 2:22; vide Luc. 11:21-26).
É possível decair da graça; mas a questão é saber se a pessoa que era salva e teve esse lapso, pode finalmente perder-se. Aqueles que seguem o sistema de doutrina calvinista respondem negativamente; aqueles que seguem o sistema arminiano (chamado assim em razão de Armínio, teólogo holandês, que trouxe a questão a debate) respondem afirmativamente.

1. Calvinismo.

A doutrina de João Calvino não foi criada por ele; foi ensinada por santo Agostinho, o grande teólogo do quarto século. Nem tampouco foi criada por Agostinho, que afirmava estar interpretando a doutrina de Paulo sobre a livre graça.
A doutrina de Calvino é como segue: A salvação é inteiramente de Deus; o homem absolutamente nada tem a ver com sua salvação. Se ele, o homem, se arrepender, crer e for a Cristo, é inteiramente por causa do poder atrativo do Espírito de Deus. Isso se deve ao fato de que a vontade do homem se corrompeu tanto desde a queda, que, sem a ajuda de Deus, não pode nem se arrepender, nem crer, nem escolher corretamente. Esse foi o ponto de partida de Calvino — a completa servidão da vontade do homem ao mal. A salvação, por conseguinte, não pode ser outra coisa senão a execução dum decreto divino que fixa sua extensão e suas condições.
Naturalmente surge esta pergunta: Se a salvação é inteiramente obra de Deus, e o homem não tem nada a ver com ela, e está desamparado, amenos que o Espírito de Deus opere nele, então, por que Deus não salva a todos os homens, posto que todos estão perdidos e desamparados? A resposta de Calvino era: Deus predestinou alguns para serem salvos e outros para serem perdidos. "A predestinação é o eterno decreto de Deus, pelo qual ele decidiu o que será de cada um e de todos os indivíduos. Pois nem todos são criados na mesma condição; mas a vida eterna está preordenada para alguns, e a condenação eterna para outros." Ao agir dessa maneira Deus não é injusto, pois ele não é obrigado a salvar a ninguém; a responsabilidade do homem permanece, pois a queda de Adão foi sua própria falta, e o homem sempre é responsável por seus pecados.
Posto que Deus predestinou certos indivíduos para a salvação, Cristo morreu unicamente pelos "eleitos"; a expiação fracassaria se alguns pelos quais Cristo morreu se perdessem.
Dessa doutrina da predestinação segue-se o ensino de "uma vez salvo sempre salvo"; porque se Deus predestinou um homem para a salvação, e unicamente pode ser salvo e guardado pela graça de Deus, que é irresistível, então, nunca pode perder-se.
Os defensores da doutrina da "segurança eterna" apresentam as seguintes referências para sustentar sua posição: João 10:28,29: Rom. 11:29; Fil. 1:6; 1 Ped. 1:5; Rom. 8:35; João 17:6.

2. Arminianismo.

O ensino arminiano é como segue: A vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos, porque Cristo morreu por todos. (1 Tim. 2:4-6; Heb. 2:9; 2 Cor. 5:14; Tito 2:11,12.) Com essa finalidade ele oferece sua graça a todos. Embora a salvação seja obra de Deus, absolutamente livre e independente de nossas boas obras ou méritos, o homem tem certas condições a cumprir. Ele pode escolher aceitar a graça de Deus, ou pode resistir-lhe e rejeitá-la. Seu direito de livre arbítrio sempre permanece.
As Escrituras certamente ensinam uma predestinação, mas não que Deus predestina alguns para a vida eterna e outros para o sofrimento eterno. Ele predestina " a todos os que querem" a serem salvos — e esse plano é bastante amplo para incluir a todos que realmente desejam ser salvos. Essa verdade tem sido explicada da seguinte maneira: na parte de fora da porta da salvação lemos as palavras: "quem quiser pode vir"; quando entramos por essa porta e somos salvos, lemos as palavras no outro lado da porta: "eleitos segundo a presciência de Deus". Deus, em razão de seu conhecimento, previu que essas pessoas aceitariam o evangelho e permaneceriam salvos, e predestinou para essas pessoas uma herança celestial. Ele previu o destino delas, mas não o fixou.
A doutrina da predestinação é mencionada, não com propósito especulativo, e, sim, com propósito prático. Quando Deus chamou Jeremias ao ministério, ele sabia que o profeta teria uma tarefa muito difícil e poderia ser tentado a deixá-la. Para encorajá-lo, o Senhor assegurou ao profeta que o havia conhecido e o havia chamado antes de nascer (Jer. 1:5). Com efeito, o Senhor disse: "Já sei o que está adiante de ti, mas também sei que posso te dar graça suficiente para enfrentares todas as provas futuras e conduzir-te à vitória." Quando o Novo Testamento descreve os cristãos como objetos da presciência de Deus, seu propósito é dar-nos certeza do fato de que Deus previu todas as dificuldades que surgirão à nossa frente, e que ele pode nos guardar e nos guardará de cair.

3. Uma comparação.

A salvação é condicional ou incondicional? Uma vez salva, a pessoa é salva eternamente? A resposta dependerá da maneira em que podemos responder às seguintes perguntas-chave: De quem depende a salvação? É irresistível a graça?
1) De quem depende, em última análise, a salvação: de Deus ou do homem? Certamente deve depender de Deus, porque, quem poderia ser salvo se a salvação dependesse da força da própria pessoa? Podemos estar seguros disto: Deus nos conduzirá à vitória, não importa quão débeis ou desatinados sejamos, uma vez que sinceramente desejamos fazer a sua vontade. Sua graça está sempre presente para nos admoestar, reprimir, animar e sustentar.
Contudo, não haverá um sentido em que a salvação dependa do homem? As Escrituras ensinam constantemente que o homem tem o poder de escolher livremente entre a vida e a morte, e Deus nunca violará esse poder.
2) Pode-se resistir à graça de Deus? Um dos princípios fundamentais do Calvinismo é que a graça de Deus e irresistível. Quando Deus decreta a salvação de uma pessoa, seu Espírito atrai, e essa atração não pode ser resistida. Portanto, um verdadeiro filho de Deus certamente perseverará até ao fim e será salvo; ainda que caia em pecado, Deus o castigará e pelejará com ele. Ilustrando a teoria calvinista diríamos: é como se alguém estivesse a bordo dum navio, e levasse um tombo; contudo está a bordo ainda; não caiu ao mar.
Mas o Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à graça divina e resistir para a perdição eterna (João 6:40; Heb. 6:46; 10:26-30; 2 Ped. 2:21; Heb. 2:3; 2 Ped. 1:10), e que a perseverança é condicional dependendo de manter-se em contacto com Deus.
Note-se especialmente Heb. 6:4-6 e 10:26-29. Essas palavras foram dirigidas a cristãos; as epístolas de Paulo não foram dirigidas aos não-regenerados. Aqueles aos quais foram dirigidas são descritos como havendo sido uma vez iluminados, havendo provado o dom celestial, participantes do Espírito Santo, havendo provado a boa Palavra de Deus e as virtudes do século futuro. Essas palavras certamente descrevem pessoas regeneradas.
Aqueles aos quais foram dirigidas essas palavras eram critãos hebreus, que, desanimados e perseguidos (10:32-39), estavam tentados a voltar ao Judaísmo. Antes de serem novamente recebidos na sinagoga, requeria-se deles que, publicamente, fizessem as seguintes declarações (10:29): que Jesus não era o Filho de Deus; que seu sangue havia sido derramado justamente como o dum malfeitor comum; e que seus milagres foram operados pelo poder do maligno. Tudo isso está implícito em Heb. 10:29. (Que tal repúdio da fé podia haver sido exigido, é ilustrado pelo caso dum cristão hebreu na Alemanha, que desejava voltar à sinagoga, mas foi recusado porque desejava conservar algumas verdades do Novo Testamento.) Antes de sua conversão havia pertencido à nação que crucificou a Cristo; voltar à sinagoga seria de novo crucificar o Filho de Deus e expô-lo ao vitupério; seria o terrível pecado da apostasia (Heb. 6:6); seria como o pecado imperdoável para o qual não há remissão, porque a pessoa que está endurecida a ponto de cometê-lo não pode ser "renovada para arrependimento"; seria digna dum castigo mais terrível do que a morte (10:28); e significaria incorrer na vingança do Deus vivo (10:30, 31).
Não se declara que alguém houvesse ido até esse ponto; de fato , o autor está persuadido de "coisas melhores" (6:9). Contudo, se o terrível pecado da apostasia da parte de pessoas salvas não fosse ao menos remotamente possível, todas essas admoestações careceriam de qualquer fundamento.
Leia-se 1 Cor. 10:1-12. Os coríntios se haviam jactado de sua liberdade cristã e da possessão dos dons espirituais. Entretanto, muitos estavam vivendo num nível muito pobre de espiritualidade. Evidentemente eles estavam confiando em sua "posição" e privilégios no Evangelho. Mas Paulo os adverte de que os privilégios podem perder-se pelo pecado, e cita os exemplos dos israelitas. Estes foram libertados duma maneira sobrenatural da terra do Egito, por intermédio de Moisés, e, como resultado, o aceitaram como seu chefe durante a jornada para a Terra da Promissão. A passagem pelo Mar Vermelho foi um sinal de sua dedicação à direção de Moisés. Cobrindo-os estava a nuvem, o símbolo sobrenatural da presença de Deus que os guiava. Depois de salvá-los do Egito, Deus os sustentou, dando-lhes, de maneira sobrenatural, o que comer e beber. Tudo isso significava que os israelitas estavam em graça, isto é: no favor e na comunhão com Deus.
Mas "uma vez em graça sempre em graça" não foi verdade no caso dos israelitas, pois a rota de sua jornada ficou assinalada com as sepulturas dos que foram destruídos em conseqüência de suas murmurações, rebelião e idolatria. O pecado interrompeu sua comunhão com Deus, e, como resultado, caíram da graça. Paulo declara que esses eventos foram registrados na Bíblia para advertir os cristãos quanto à possibilidade de perder os mais sublimes privilégios por meio do pecado deliberado.

4. Equilíbrio escriturístico.

As respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação — e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo acentua a livre vontade e responsabilidade do homem — e assim o faz a Bíblia. A solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro. Por exemplo: a ênfase demasiada à soberania e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outro lado, ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de toda a confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser evitados são: a ilegalidade e o legalismo.
Quando Carlos Finney ministrava em uma comunidade onde a graça de Deus havia recebido excessiva ênfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e as obras haviam sido fortemente defendidas, ele acentuava a graça de Deus. Quando deixamos os mistérios da predestinação e nos damos à obra prática de salvar as almas, não temos dificuldades com o assunto. João Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista. Entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.
Pregadores piedosos calvinistas, do tipo de Carlos Spurgeon e Carlos Finney, têm pregado a perseverança dos santos de tal modo a evitar a negligência. Eles tiveram muito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de Deus certamente perseveraria até ao fim, mas acentuaram que se não perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento. Se a pessoa não procurasse andar na santidade, dizia Calvino, bem faria em duvidar de sua eleição.
É inevitável defrontarmo-nos com mistérios quando nos propomos tratar as poderosas verdades da presciência de Deus e a livre vontade do homem; mas se guardamos as exortações práticas das Escrituras, e nos dedicamos a cumprir os deveres específicos que se nos ordenam, não erraremos. "As coisas encobertas são para o Senhor Deus, porém as reveladas são para nós" (Deut. 29:29).
Para concluir, podemos sugerir que não é prudente insistir falando indevidamente dos perigos da vida cristã. Maior ênfase deve ser dada aos meios de segurança — o poder de Cristo como Salvador; a fidelidade do Espírito Santo que habita em nós, a certeza das divinas promessas, e a eficácia infalível da oração. O Novo Testamento ensina uma verdadeira "segurança eterna", assegurando-nos que, a despeito da debilidade, das imperfeições, obstáculos ou dificuldades exteriores, o cristão pode estar seguro e ser vencedor em Cristo. Ele pode dizer com o apóstolo Paulo: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom. 8:35-39).


Pesquisa: Pr.Charles Maciel Vieira

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