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quinta-feira, 26 de maio de 2011

GEOGRAFIA BIBLICA (O mundo da Bíblia Hebraica) - 2ªParte


7.3. Sub-regiões importantes para o Israel bíblico
 Contra o fundo das características gerais da geografia palestinense, loca­lizaremos agora com precisão as sub-regiões que tiveram relação mais signifi­cativa com a experiência de Israel.

7.3.a. A planície costeira
 Quanto ao seu comprimento total, a Palestina estava flanqueada, a oeste, pelo mar Mediterrâneo. Circunstâncias naturais e políticas impediram Is­rael de se desenvolver em direção ao mar ou aventurar-se sobre o mar. Israel jamais colonizou plenamente a planície costeira nem se tornou potência ma­rítima. Por que motivo?
Em primeiro lugar, a costa da Palestina, com exceção da baía de Aco ao norte do monte Carmelo, não era favorecida por entalhe e o desenvolvi­mento de portos era impedido pela sedimentação do delta do Nilo, deposita­da por toda a extensão do litoral. No que tange à instalação na planície cos­teira, os pântanos refratários da planície de Saron interditavam a ocupação no seu centro e os filisteus ocupavam a parte meridional desejável da planície, onde ela se abria em leque até sua maior largura. Mesmo depois que Davi subjugou os filisteus enquanto ameaça militar, Israel parece ter aceitado a pre­sença permanente dos filisteus na planície (§30.1-3). O litoral mais para o norte, além do Carmelo, também era terra disputada, ocupada freqüentemente pe­los fenícios.
 Os hábeis exploradores do Mediterrâneo foram os cananeus, que habita­vam ao longo da estreita planície costeira na Síria e no Líbano. Ugarit e Biblos eram portos importantes antes de terem sido sucedidos por Tiro e Sidônia nos primeiros tempos israelitas. Sob o nome de fenícios, os mercadores de Tiro e de Sidônia rapidamente se tornaram a principal potência marítima do grande mar interior (§30.4). Fatores fundamentais nesta "abertura ao mar" fenícia foram acessibilidade de bons portos, falta de terra para lavoura, e iso­lamento do comércio terrestre, que era atraído para Damasco, no interior.
 Apesar de relatos na Bíblia de que os primitivos israelitas operavam navios, ou mais provavelmente serviam neles e que alguns dos reis de Israel fize­ram esforços corajosos — embora em geral mal sucedidos — por desenvolver uma frota através da saída do mar Vermelho para o oceano Índico, Israel per­maneceu essencialmente cercado de terra. A importância principal da planí­cie costeira para Israel era que, através dela, corria a estrada tronco desde o Egito à Mesopotâmia, trazendo comerciantes, diplomatas e exércitos invaso­res. Além disso, ao norte do monte Carmelo, esta planície costeira penetrava todo o caminho através da Palestina até o rio Jordão, via vales de Esdrelon  e Jezrael, através dos quais passavam duas ramificações da estrada (ronco, conforme ela se voltava para o interior em direção a Damasco. Foi aqui que o terreno plano litorâneo foi atraído para o coração de Israel como uma bênção misturada de terra fértil, comunicação facilitada e vulnerabilidade ao ata­que.
 As cidades filistéias mais importantes da planície eram (do sul ao norte)  Gaza, Ascalon, Azoto, Gat e Acaron. Durante a monarquia, e mesmo nos tempos pós-exílicos, havia colônias israelitas ao norte da Filistéia em locali­dades tais como Gibeton, Jebneel, Gazer, Lod, Jafa, Tell Qasile (nome bíbli­co desconhecido), Afec, Hefer e Dor, e igualmente ao norte do monte Carmelo em Naalol, Afec, Acsaf, Aco e Aczib.

7.3.b. A região das colinas de Judá
Judá abrangia a extensão mais meridional dos planaltos ocidentais. O seu centro era um alto planalto rochoso, com a média de três mil pés de alti­tude, fértil a oeste da linha divisória das águas, mas despovoado ao leste onde o deserto de Judá ou Jesimon caía de repente em direção dos rochedos escarpados que davam vista para o mar Morto. O estabelecimento mais importan­te neste deserto era o oásis de Engadi nas proximidades do mar Morto. Nos rochedos, na extremidade noroeste do mar, uma comunidade sectária, zela­dores dos famosos Manuscritos do mar Morto, viviam em virtual isolamento desde cerca de 100 a.C. até 70 d.C. (§10.2.b; 47).
 As férteis elevações ocidentais de Judá estavam protegidas pelas aciden­tadas colinas inferiores da Sefelá ("terras-baixas" ou "contrafortes"), a qual estava separada da escarpa íngreme dos planaltos por um estreito vale de fos­sos norte-sul. A Sefelá, muito disputada por filisteus e judaítas, continha os estabelecimentos de Tell Beit Mirsim (possivelmente Dabir), Laquis, Maresa, Ceila, Odulam, Soco, Azeca e Bet-Sames. O maciço judaíta continuava cain­do de repente ao sul de Hebron até dentro do ondulante Negueb, ou região sul, onde o território de Simeão, com os seus estabelecimentos de Bersabéia, Cabzeel, Horma e Arad, foi logo incorporado a Judá. As aproximações a Ju­dá, poderosamente fortificadas durante a monarquia, eram assim decidida­mente defensáveis por todos os lados, salvo o norte (§33.2; 33.6).
 Nos férteis planaltos de Judá situavam-se as cidades de Maon, Carmel,  Zif, Aduram, Hebron, Khirbet Rabud (provavelmente Dabir), Bet-Zur, Técua, Etam, Belém e Jerusalém. Por toda esta área as vinhas eram a colheita carac­terística, e trigo e cevada cultivavam-se em quantidade. Plantavam-se olivei­ras, mas o frio inverno e a diminuição das chuvas tornavam-nas menos abun­dantes, mais para o sul quando se penetrava nos planaltos. A região mais fér­til de Judá encontrava-se diretamente ao sul de Jerusalém nas proximidades de Belém e de Etam. Ovelhas e cabras criavam-se extensamente por toda a área, e até se apascentavam nas partes acessíveis do deserto de Judá. A estra­da principal acompanhava a linha de vertente das águas de norte a sul com as aldeias situadas de ambos os lados em sítios defensáveis.

7.3.c. A região das colinas de Samaria
 A massa central dos planaltos ocidentais era separada de Judá pela as­sim chamada Sela de Benjamim. Aqui, exatamente ao norte de Jerusalém, os planaltos caíam de repente vários pés abaixo de sua altura usual. Era isso uma encruzilhada importante, oferecendo o acesso mais fácil até dentro dos planaltos, desde a costa via passo de Aialon e desde a depressão do Jordão via uma estrada desde Jericó. A zona amortecedora de Benjamim entre Judá e Efraim, que continha os estabelecimentos de Gabaá, Ramá, Masfa e Gabaon, era freqüentemente disputada pelos reinos do norte e do sul de Israel e sempre apresentava um problema para a defesa adequada da vizinha Jeru­salém.
 Ao norte da cúpula calcária de Efraim estendia-se, através de todos os  planaltos, um baluarte firmemente defendido de pequenas aldeias bem adap­tadas ao cultivo de oliveiras e de vinhas. Cidades mais importantes eram Betel, Efra, Baal-Hasor, Jesana, Silo, Sareda e Tafua. Ainda mais para o norte encontrava-se o território de Manassés, onde os planaltos centrais partiam-se em dois braços que se abriam em leque a fim de abranger a bacia de falha em declive, no centro da qual se levantavam os cumes do Ebal e do Garizim, com a importante cidade de encruzilhadas, Siquém, situada entre as duas mon­tanhas. Outras colônias importantes em Manassés eram Aruma, Jecnaam, Tersa, Tebes, Bezec, Samaria e Dotã. As bacias eram ideais para cultivar cereais e as encostas eram ricas em bosquetes de vinhas e oliveiras.
 A ação recíproca entre geografia e política é complexa nesta região. A  proximidade dos vales de Esdrelon e de Jezrael ao norte convidava Manassés a espalhar-se por entre eles, ainda que na Bíblia estes vales sejam atribuídos às tribos menores de Issacar e de Zabulon. Foi assim mormente Manassés, que desafiou o domínio cananeu sobre Jeblaam, En-Ganim, Tanac, Meguido e Jezrael nos vales transversais. A expansão de vários vales consideráveis den­tro das bacias da região das colinas contribuía para boa comunicação inter­na, porém, o fato de Manassés não estar bem defendido contra penetração desde a planície costeira, desde o vale de Esdrelon, ou desde a depressão jordaniana — mais o fato de que, durante longo tempo, o reino do norte não possuía cidade capital totalmente defensável nesta região (§33.2-3) — signifi­cava que as condições naturais aqui não favoreciam a estabilidade política. As regiões de Efraim e Manassés tomadas em conjunto (as assim chamadas tribos de José) foram finalmente conhecidas como Samaria, depois da capi­tal fortificada construída por Amri, todavia a unidade desta terra do coração do reino do norte estava comprometida por realidades geopolíticas diferentes no maciço de Efraim e nas bacias abertas de Manassés (§33.6).
 O monte Carmelo era a extensão mais afastada a noroeste de uma cadeia de montanhas de trinta milhas de comprimento que se dobrava em ângulo fora dos planaltos de Samaria e chegava até a margem do mar. Esta cordilhei­ra, embora nunca atingindo dois mil pés, era assustadoramente escarpada e arborizada — por conseguinte despovoada — e servia para dividir a planície costeira, de maneira que o tráfego era canalizado através de suas estreitas passagens para dentro dos vales de Esdrelon e de Jezrael, os quais se tornavam  assim a ligação central de comunicação no norte da Palestina.

7.3.d. A região das colinas da Galiléia
 A Galiléia reassumia o terreno montanhoso de norte-sul, elevando-se em  dois degraus para o norte desde os vales de Esdrelon e de Jezrael. A Galiléia inferior compunha-se de calcário fragmentado e colinas de greda, não ultra­passando os dois mil pés, com muitas bacias de falha em declive que se liga­vam internamente. É aqui que se situavam as colônias bíblicas de Jabneel, Madon, Helba, Gat-Hefer, Jafia, Semron, Rimon e Jotba, no meio de encos­tas e bacias bem adaptadas à escala israelita preferida de oliveiras, vinhas e cereais. Na seção oriental havia muita rocha basáltica que se estendia até o lago da Galiléia na depressão jordaniana. Esta região era atravessada, de su­doeste a nordeste, pela estrada tronco desde o vale de Esdrelon, que passava ao norte do lago da Galiléia.
 A Galiléia superior erguia-se a três mil pés e mais sobre uma ampla área elevada de maneira saliente ao longo de uma escarpa leste-oeste que domina­va a Galiléia inferior. Na sua parte inferior corria um caminho direto desde o lago da Galiléia até Aco no litoral. Sobre as bordas ou dentro desta fortale­za rochosa situavam-se Hasor, Merom, Cades, Bet-Anat, Bet-Sames, Iiron e Caná. A área possuía potencialmente bom solo e excelente precipitação at­mosférica, porém não é conhecido até que grau de extensão os primitivos is­raelitas desobstruíram suas vastidões cobertas de matas e arborizadas. A pró­pria Bíblia fala muito pouco a respeito dessa região, embora exista prova ar­queológica de que uma rede de pequenas aldeias de lavoura, provavelmente israelitas, se espalhavam de fato sobre partes desta região antes da monarquia (§24.1.a).

7.3.e. A depressão do Jordão
 De modo geral, a depressão do Jordão não era proveitosa para coloniza­ção, salvo nuns poucos lugares de oásis tais como Jericó e Betsã, ou onde os ribeirões recentes vindos dos planaltos da Transjordânia desaguavam no vale do Jordão. A água do próprio rio Jordão era demasiado salina para uso agrícola. A depressão jordaniana, sim, proporcionava viagem confortável de norte-sul, embora fosse preciso que as estradas fossem cuidadosamente esco­lhidas por causa dos uádis tributários, as margas retorcidas e os escoamentos de basalto. O rio, alinhado por um matagal de tamargueiras, cortava um pro­fundo canal através de terras áridas margosas, desde o sul de Betsã, todo o caminho até o mar Morto, e assim só podia ser atravessado em alguns pontos de vadeação.
 O enorme vale, visível desde muitas partes dos planaltos, dava sentido  de grandeza e amplitude — por estar no meio de paisagens de altitudes imen­sas, profundezas e distâncias — a uma terra que mais freqüentemente atraía a atenção para seus ambientes locais miniaturizados. Apesar dos seus declives escarpados e do seu aspecto árido, o vale jordaniano não constituía obs­táculo intransitável para o movimento de leste a oeste. Onde as regiões nos planaltos, de um e de outro lado do vale, eram similares, a comunicação e um sentido de comunidade unida podiam ser mantidos — como, sem dúvida, aconteceu entre Manassés na Cisjordânia e Galaad na Transjordânia.

7.3.f. A região das colinas de Galaad
Localizada a leste da depressão ou vale do Jordão, defronte a Manassés e Efraim, Galaad erguia-se numa grande cúpula calcária que protegia a vida de pequenas aldeias e estimulava os modelos típicos de agricultura mista dos israelitas. Em contraste, as terras da Transjordânia ao norte e ao sul de Ga­laad eram menos seguras estrategicamente e propendiam a dedicar-se em pri­meiro lugar a uma ou outra safra, sendo os cereais especialmente abundantes em Basã ao norte e em Moab ao sul. Galaad era dividido pelo curso este-oeste do uádi Jaboc, porém condições naturais similares em ambos os lados do pro­fundo uádi contribuíam para uma sensação de unidade em toda a região. Ramot-Galaad, Bet-Arbel, Lo-Dabar, Jabes-Galaad, Fanuel, Maanaim, Ja­zer, e possivelmente Abel-Meola (porém, talvez, na Cisjordânia) estavam lo­calizadas nos planaltos, ao passo que Sartã, Safon e Sucot estavam situadas na margem do vale jordaniano onde uádis manavam da escarpada de Galaad. Visto que na Bíblia Galaad era atribuída em parte à meia tribo de Manassés e em parte a Gad, com reivindicações por vezes sobrepondo-se, é ponto dis­cutível que Galaad fosse colonizado por israelitas partindo da Cisjordânia. As regiões rochosas e arborizadas de Galaad eram lugar freqüente de refúgio em tempos de dificuldade política.

7.3.g. Amon, Moab e Edom
Três reinos do planalto na Transjordânia mantinham freqüentes conta­tos, na maior parte hostis, com Israel. Amon, ao sudeste de Galaad, era esta­do misto de agricultura e pastoreio na mesma orla do deserto. Moab, direta­mente ao sul de Galaad, era platô cultivador de cereais e criador de ovelhas, dando vista para o mar Morto desde o leste. A sua terra do coração estava entre o uádi Zared no sul e o uádi Arnon no norte, porém, quando se sentia forte, Moab controlava o platô para o norte até Hesebon e mesmo até os vaus do Jordão defronte a Jericó. Edom, ao sul do uádi Zared, erguia-se sobre uma longa elevação de mais de cinco mil pés de altura, onde a altitude adicional lhe garantia suficiente precipitação atmosférica para agricultura ao longo da crista do planalto.
O segundo caminho mais importante na Palestina, a estrada real, que se ligava à estrada das especiarias até a Arábia do sul, corria desde a cabecei­ra do golfo de Áqaba para o norte através de Edom, Moab e Amon em dire­ção a Damasco. Era objeto de intenso tráfego por parte das caravanas de mer­cadores que se viam obrigados a pagar pedágios sempre que os reinos do pla­nalto eram suficientemente fortes para cobrá-los. Os midianitas construíram um império comercial nesta região durante os dias dos juízes israelitas, e o  mesmo fizeram os árabes nabateus desde a sua inexpugnável cidade de petra nas rochas, em Edom, durante os tempos helenísticos e romanos. Sempre que um rei israelita visava ao controle sobre a Transjordânia, tornava-se imperio­so obter o controle do comércio lucrativo ao longo da estrada real (§30.4; 33.3).

Fonte: Introdução Socioliteraria à Bíblia Hebraica - Norman K.Gottwald


Pesquisa: Pastor Charles Maciel Vieira

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